segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa, Paulo Freire

Não há Docência sem Discência

Ensinar para o Paulo Freire não é passar somente conhecimento e conteúdos, nem formar, é pela ação na qual um sujeito criador da forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não existem professores sem alunos, ambos se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se reduzem à condição do objeto um do outro. Segundo ele, quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender.

Ensinar exige rigorosidade metodológica

Ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E estas condições exigem a existência do professor e de alunos criadores, pesquisadores, inquietos, curiosos, humildes e persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição, por parte dos professores, de que ensinar já teve ou continua tendo experiência da produção de saberes, e que estes, não podem ser simplesmente transferidos a eles. Pelo contrario, nas condições de verdadeira aprendizagem, tanto alunos quanto professores transformam-se em individuo no processo de aprendizagem. Assim podemos falar realmente de saber ensinado em que o objeto ensinado é aprendido na sua razão de ser.
Podemos perceber, desta maneira que o professor tem um papel importante, deve está certo sobre rol de atividade do educador, não somente focar nos conteúdos, também ensinar a pensar corretamente, professor deve ser comprometido com os desafios e a crítica.

Ensinar exige pesquisa

Não há aprendizado sem uma boa pesquisa, por outro lado também não há pesquisa sem ensino. Hoje se fala muito no professor pesquisador, mas isto não pode ser considerado como qualidade esta prática de indagador, procurador e pesquisador deve fazer parte da vida professor. O professor precisa assumir o compromisso de pesquisador. Pensar corretamente deve ser a exigência que os momentos do ciclo gnosiológico impõem à curiosidade, tornando-se mais e mais metodologicamente rigorosa, transformando no que o autor desta obra chama de curiosidade epistemológica.

Ensinar exige respeito aos saberes dos educando

A instituição escolar deve respeitar os saberes dos alunos. Construídos socialmente na prática comunitária, discutindo com os alunos as razões de ser de alguns deles em relação ao ensino dos conteúdos. Aproveitar às experiências dos alunos, que vivem em áreas descuidadas pelo poder público, para discutir a questão ambiental, como a poluição dos riachos, dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde.
As disciplinas estudadas devem está associada à realidade concreta, em que a violência é constante e a convivência das pessoas com a morte é muito maior do que com a vida.

ENSINAR EXIGE CRITICIDADE

A superação, ao invés da ruptura, se dá na medida em que a curiosidade ingênua, associada ao saber comum, se criticisa, aproximando-se de forma cada vez mais metodologicamente rigorosa do objeto cognoscível, tornando-se curiosidade epistemologia. Muda de qualidade, mas não de essência, e essa mudança não se dá automaticamente. Essa é uma das principais tarefas do professor progressista – o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.

Ensinar exige estética e ética

A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ser feita sem uma rigorosa formação ética e estética. Decência e boniteza andam de mãos dadas. Mulheres e homens, seres histórico-sociais, tornando-nos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper. Tudo isso nos fazem seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condições, entre nós, para ser. Não é possível pensar os indivíduos longe da ética. Quanto mais fora dela, maior a transgressão.

Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo

Quem pensa certo, está cansado de saber, palavras sem exemplo vale pouco. Pensar certo é fazer certo, agir de acordo com o que pensa. Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal, que o rediz em lugar de desdizê-lo. Não é possível o professor pensar que pensa certo de forma progressiva, ao mesmo tempo, perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando”.

Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação.

É própria do pensar certo ficar exposto ao risco, a aceitação do novo que não ser negação ou acolhido só porque é novo, assim como critério de recusa ao velho que preserva sua validade encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo.
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raças, de classes, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.

Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. É fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais, escrevem desde o centro do poder. Pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem de ser produzido pelo próprio aprendiz, em comunhão com o professor formador. É preciso possibilitar que a curiosidade ingênua, através da reflexão sobre a prática, vá tornando-se crítica. Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhor a próxima prática. O discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática.

Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural

A questão da identidade cultural, com sua dimensão individual e da classe dos educadores, cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem a ver diretamente com a assunção de nós mesmos. É isto que o puro treinamento do professor não faz, perdendo-se na estreita e pragmática visão do processo.

ENSINAR NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria construção. Quando o educador entra em uma sala de aula, deve estar aberto a indagações, curiosidade e inibições dos alunos: um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tem – a de ensinar e não a de transferir conhecimento.
Pensar certo é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos. E difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que temos de exercer sobre nós mesmos para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerência grosseiras. É difícil porque nem sempre temos o valor indispensável para não permitir que a raiva que podemos ter de alguém vire raivosidade, gerando um pensar errado e falso. É cansativo, por exemplo viver a humildade, condições sine qua non do pensar certo, que nos faz proclamar o nosso próprio equivoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos. Sem rigorosidade metódica não há pensar certo. Ensinar exige consciência do inacabamento.
Na verdade, a inconclusão do ser é própria de sua experiência vital. Onde há vida, há inconclusão, embora esta só seja consciente entre homens e mulheres. A invenção da existência envolve necessariamente a linguagem, a cultura, a comunicação em níveis mais profundos e complexos do que ocorria e ocorre no domínio da vida, a espiritualização do mundo, a possibilidade não só de embelezar, mas também de enfear o mundo; tudo isso inscreveria mulheres e homens como seres éticos. Só os seres que se tornaram éticos podem romper com a ética. É necessário insistir na problematização do futuro e recusar sua inexorabilidade.
Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado “ Gosto de ser gente, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre ser condicionado e o ser determinado... afinal minha presença no mundo não é a de quem se adapta, mas a de quem nele se insere”. E a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas também sujeito da história.
Histórico-socio-culturais, tornamos-nos seres em que na curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, torna-se fundante da produção do conhecimento. Mais ainda, a curiosidade é já o conhecimento. Como a linguagem que anima a curiosidade e com ela se anima, é também conhecimento e não só expressão dele. Na verdade, seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse em tal movimento. É neste sentimento que, para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar no mundo e com os outros. É na inconcluão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. O ideal é que, na experiência educativa, educando e educadores, juntos, transformem este e outros saberes em sabedoria. Algo que não é estranho a nós, educadores.

Ensinar exige respeito à autonomia do ser educando

O professor, ao desrespeitar a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, ao ironizar, o aluno, minimizá-lo, mandar que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênus sinal de sua rebeldia legitima, ao se eximir do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, ao se furtar do dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. É neste sentido que o professor autoritário afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de ser curioso e inquieto. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A beleza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.

Ensinar exige bom senso

O exercício do bom senso, com o qual só temos a ganhar, se faz no corpo da curiosidade. Neste sentido, quanto mais colocamos em prática, de forma metódica, a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curioso nos podemos tornar e mais crítico se torna o nosso bom senso.
O exercício do bom senso vai superando o que há nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos em que nos envolvemos. O meu bom senso não me diz o que é, mais deixa claro que há algo que precisa ser sabido. É ele que, em primeiro lugar, me diz não ser possível o respeito aos educando, se não se levar em consideração às condições em que eles vêm existindo, e os conhecimentos experiências com que chegam à escola. Isto exige de mim uma reflexão crítica permanente sobre minha prática. O ideal é que se invente uma forma pela qual os educando possam participar da avaliação. É que o trabalho do professor deve ser com os alunos e não consigo mesmo.
O professor tem o dever de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições favoráveis, sem as quais se move menos eficazmente no espaço pedagógico. O desrespeito a este espaço é uma ofensa aos educando, aos educadores e à prática pedagógica.

Ensinar exige humildade tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores

Como ser educador sem aprender a conviver com os diferentes? Como posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temos revelar o meu desconhecimento?
A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Ainda que a prática pedagógica seja tratada com desprezo, não tenho por que desamá-la e aos educando.
Não tenho por que exercê-la mal. Minha resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada dos professores. Os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa altamente política, e reinventar a forma de lutar.

Ensinar exige apreensão da realidade

Como professor, preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizariam a essência da minha prática. O melhor ponto de partida para estas reflexões é a inconclusão do ser humano. Aí radica a nossa educabilidade, bem como a nossa inserção num permanente movimento de busca.
A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar implica a nossa habilidade de apreender a substantividade de um objeto. Somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso aprender é uma aventura criadora, muito mais rica do que meramente repetir a lição dada. Aprender é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. Toda prática educativa demanda:
- a existência de sujeito – um que, ensinando, aprende, e outro que, aprendendo, ensinam (daí seu cunho gnosiológico);
- a existência de objeto, conteúdos a serem ensinados e aprendidos;
- o uso de métodos, de técnicas, de materiais.
Esta prática também implica, em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias, ideais. Daí sua politicidade, daí não ser neutra, ser artística e moral. Exige uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à atividade docente. Como professor, se a minha opção é progressista e sou coerente com ela, meu papel é contribuir para que o educando seja o artífice de sua formação. Devo estar atento à difícil caminhada da heteronomia para a autonomia
“É assim que venho tentando ser professor, assumindo minhas convicções, disponível ao saber, sensível à boniteza da prática educativa, instigando por seus desafios...”

Ensinar exige alegria e esperança

O meu envolvimento com a prática educativa jamais deixou de ser feito com alegria, o que não significa dizer que tenha podido criá-la nos educando. Parece-me uma contradição que uma pessoa que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante não seja criticamente esperançosa. Ensinar exige a oncicção de que a mudança é possível. A realidade não é inexoravelmente esta. E esta agora, e para que seja outra precisamos lutar, viver a história como tempo de possibilidade, e não de determinação. O amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio. Não posso, por isso, cruzar os braços. Esse é, alias, um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem pretende que sua presença se torne convivência. O mundo não é. O mundo está sendo. O meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrência. Constato, não para me adaptar, mas para mudar
No fundo, as resistências orgânicas e culturais são manhas necessárias à sobrevivência física e cultural dos oprimidos. É preciso, porém, que retenhamos na resistência fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas. Não é na resignação que nos afirmamos, mas na rebeldia em face das injustiças. A rebeldia é ponto de partida, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia, enquanto denúncia, precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. Mudar é difícil, mas é possível. Ensinar exige curiosidade.
Como professor, deve saber que, sem a curiosidade que me move, não aprendo nem ensino. A construção do conhecimento implica o exercício da curiosidade, o estimulo à pergunta, a reflexão critica sobre a própria pergunta. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada. A dialogicidade, no entanto, não nega a validade de momentos explicativos, narrativos. O bom professor faz da aula um desafio. Seus alunos cansam, não dormem.
Um dos saberes fundamental à prática educativo-critica é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica. Resultado do equilíbrio entre autoridade e liberdade, a disciplina implica o respeito de uma pela outra, expresso na assunção que ambas fazem de limites que não podem ser transgredidos.

ENSINAR É UMA ESPECIFICIDADE HUMANA

Creio que uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com que atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se.
Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade – A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, fundada na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não leva a sério sua formação, que não estuda, que não se esforça para essa à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.
Outra qualidade indispensável à autoridade, em suas relações com a liberdade, é a generosidade. Não há nada que inferiorize mais a tarefa formadora da autoridade do que a mesquinhez, a arrogância ao julgar os outros e a indulgência ao se julgar, ou aos seus. A arrogância que nega a generosidade nega também a humildade. O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildade, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico. A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silencia dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta.
Um esforço sempre presente à prática da autoridade coerentemente democrática é o que a tomada quase escrava de um sonho fundamental – o de persuadir ou convencer a liberdade para a construção da própria autonomia, ainda que relaborando materiais vindo de fora de si. É com a autonomia, penosamente construída e fundada na responsabilidade, que a liberdade vai preenchendo o espaço antes habitado pela dependência.
O fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção da responsabilidade da liberdade que se assume. O essencial nas relações entre autoridade de liberdade é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia.
Nunca me foi possível separar dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educa dando. O saber desta impossibilidade é fundamental à prática docente. Quanto mais penso sobre a prática educativa, reconhecendo a responsabilidade que ela exige de nós, mais me convenço do nosso dever de lutar para que ela seja realmente respeitada.Ensinar exige comprometimento.
Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à apreciação dos alunos. E as maneiras como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que realmente estou sendo. Isto aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho. Se a minha opção é democrática, progressista, não posso ter uma prática reacionária, autoritária, elitista. Minha presença de professor é em si, política. Enquanto presença, não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de decidir, de optar e de romper, minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho.

Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo
Outro saber de que não posso duvidar na minha prática educativo-crítica é que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção esta que, além do conhecimento dos conteúdos, bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, implica tanto o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascara mento.
Nem somos seres simplesmente determinados nem tampouco livres de condicionamentos genéticos, culturais, sociais, históricos, de classe, de gênero, que nos marcam e as que nos acham referidos. Continuo aberto à advertência de Marx, a da necessária radical idade, que me faz sempre desperto a tudo o que diz respeito à defesa dos interesses humanos. Interesses superiores aos de grupos ou de classes de pessoas.
Não posso, ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha pratica exige de mim uma definição, uma tomada de posição, uma ruptura. Exige que eu escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o desputor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura.
Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais, contra a ordem vigente que inventou a aberração da miséria na fartura. Sou professor da esperança que me anima, apesar de tudo. Contra o desengano que consome e imobiliza e a favor da boniteza de minha própria prática. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço.

Ensinar exige liberdade e autoridade

O problema que se coloca para o educador democrático é como trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade. Sem os limites, a liberdade se pervete em licença e a autoridade em autoritarismo.
Por outro lado, faz parte do aprendizado a assunção das conseqüência do ato de decidir. Não há decisão que não seja seguida de efeitos esperados, pouco esperados ou inesperados. Por isso a decisão é um processo responsável. È decidido que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca, porque há sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e de minha mãe a decidir por mim.Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se construindo na experiência. Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia é um processo, não ocorre em data marcada. È neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, ou seja, que respeitar a liberdade.
Ensinar exige à questão central desta parte do texto – a educação, especificidade humana, como um ato de intervenção no mundo. Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto a que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, a terra, educação, à saúde, quanto a que, reacionariamente, pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta.
E que dizer de educadores que se dizem progressista, mas de prática pedagogica-politica eminentemente autoritária?
A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade do ser humano, que se funda em sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente. Inacabado e consciente disso, necessariamente o ser humano se fariam um ser ético, um ser de opção, de decisão. Um ser ligado a interesse e em relação aos quais tanto pode manter-se fiel à ética quanto pode transgredi-la.
Se a educação não pode tudo, pode alguma coisa fundamental. Se a educação não é a chave das mudanças, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade nem tampouco é a perpetuação do status quo.
Ensinar exige saber escutar

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fossemos os portadores da Verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles.
Os sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de professores vêm se assumindo cada vez mais para baixo, mas insistindo em passar por democráticos. A questão que se coloca a nós é lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação, enquanto instrumento de apreciação do que fazer, de sujeitos críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não da domesticação. Avaliação em que se estimule o falar a como caminho para o falar com. Quem tem o que dizer, tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que o sujeito saiba não ser o único a ter algo a dizer. Mais ainda, que esse algo, por mais importante que seja, não é a verdade alvissareira por todos esperada.
Por isso é que acrescendo, quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, para que este diga, fale, responda. É preciso enfatizar – ensinar não é transferir a inteligência do abjeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, torne-se capaz de inteligir e comunicar o inteligido.É neste sentido que se impõe a mim escutar o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E a escuta-lo, aprendo a falar com ele. Aceitar e respeitar a diferença são uma das virtudes sem a qual a escuta não pode acontecer. Tarefa essencial da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a intelegibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade.
Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor é o que diz respeito à força, às vezes, maior do que pensamos da ideologia. É o que nos adverte de suas manhas, das armadilhas em que nos faz cair. A ideologia tem a ver diretamente com a acultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade, ao mesmo tempo em que nos torna míopes.
No exercício crítico de minha resistência ao poder da ideologia, vou gerando certas qualidades que vão virando qualidades que vão virando sabedoria indispensável à minha prática docente. A necessidade desta resistencia critica, por exemplo, me predispõem, de um lado, a uma atitude sempre aberta aos demais, aos dados da realidade; de outro, a uma desconfiança metódica que me defende de tornar-me absolutamente certo das certezas. Para me resguardar das artimanhas da ideologia não posso nem devo me fechar aos outros, nem tampouco me enclausurar no ciclo de minha verdade. Pelo contrário, o melhor caminho para guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas em que me admita como dono da verdade.
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível da política, da ética, da estética, da pedagogia , nem posso partir do pressuposto que devo conquistá-los, não importa a que custo, nem tampouco temer que pretendam conquistar-me. É no respeito às diferenças entre mim e eles, na coerência entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles.
O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura, com seu gesto, a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história. Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educando?
Com relação a meus alunos, diminuo a distancia que me separa de suas condições negativas de vida na medida em que os ajudo a aprender não importa que saber, o do torneio ou do cirurgião, com vistas à mudança do mundo, à superação das estruturas injustas, jamais com vistas à sua imobilização.
Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante. Como educadores progressistas não apenas não podemos desconhecer a televisão, mas devemos usá-la, sobretudo, discuti-la. Não podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão entregues ou disponíveis ao que vier.

Ensinar exige querer bem aos educando

O que dizer e o que esperar de mim, se, como professor, não me acha tomado por este outro saber, o de que preciso estar aberto ao gosto de querer bem, ás vezes, à coragem de querer bem aos educando e à própria prática educativa de que participo.
Na verdade, preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade. A afetividade não se acha excluída da cognocibilidade. O que não posso, obviamente, permitir é que minha afetividade interfira no cumpprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele.
É preciso, por outro lado, reinsistir em que não se pense que a prática educativa vivida com afetividade e alegria prescinda da formação cientifica série e da clareza política dos educadores.
Nunca idealizei a prática educativa. Em tempo algum a vi como algo que, pelo menos, parecesse com um que - fazer de anjos. Jamais foi fraca em mim a certeza de que vale a pena lutar contra os descaminhos que nos obstaculizam de ser mais.
Como prática estritamente humana, jamis pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, sejam que os sentimentos e as emoções, os desejos e os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse o rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual. Estou convencido de que a rigorosidade, a série disciplina intelectual, o exercício da curiosidade epistemológica não me faz necessariamente um ser mal-amado, arrogante, cheio de mim mesmo.
A arrogância não é sinal de competência, nem a competência é causa de arrogância. Certos arrogantes, pela simplicidade, se fariam gente melhor.

Resumo extraído da revista de educação da Apeoesp

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