sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Documento sobre Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM

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Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: MEC/INEP, 2005. p. 11 – 53 Reelaborado à partir da síntese do Prof. José Benedito dos Santos Pós-Graduando em Sociedade e Cultura – Unicamp Prof. De História da Rede Pública Estadual
1. EIXOS TEÓRICOS QUE ESTRUTURAM O ENEM
Lino de Macedo
O texto está dividido em “competências e habilidades” e a forma de obtê-las e relaciona-las com a autonomia, diversidade, disponibilidade para aprendizagem, interação e cooperação, organização do espaço, organização do tempo e seleção de material. O jogo de percurso: O percurso é dividido em unidades, e se têm tarefas como “voltar à casa 10”, “perder a vez” etc. Os dados definem o número de passos a seguir. Nesse tipo de jogo propõe-se um problema a ser resolvido: realizar um percurso, seguindo as regras, enfrentando e superando os obstáculos propostos. Analogicamente, o autor pensa a educação fundamental, como um jogo de percurso no qual as crianças foi atribuído o direito de o fazerem. Algumas farão o percurso, isto é, cursarão as oito séries de modo fácil, rápido e sem muitos problemas. Outras experimentarão muitas idas e vindas, e os dados, ou seja, há as contingências para a realização do percurso às vezes ajudarão muito, às vezes ajudarão pouco, além disso, as tomadas de decisão, as estratégias, as táticas, as regras, etc. O direito de todas as crianças percorrerem os ciclos que compõem a escola fundamental é uma conquista recente e importante. Está expresso, por exemplo, na Declaração dos Direitos Humanos (1948), no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), na Constituição Brasileira (1988) e, mais recentemente, na LDB(1996). Pretende-se uma escola para todos e que nela as crianças possam formar valores, normas e atitudes favoráveis à sua cidadania e dominar competências e habilidades para o mundo do trabalho de acordo com a formulação atual. Nem sempre a escola foi aberta para todos. Tínhamos antes, como ainda temos agora, uma escola da excelência que seleciona, orienta, ensina e certifica apenas os que conseguem realizar tarefas condizentes com o alto nível exigido por elas. Essa escola da excelência, ainda que pouco acessível à maioria de nós, tornou-se a referência principal, é o sonho ou a aspiração de pais e crianças. Muitos professores também gostariam de trabalhar nesse tipo de escola ou que os alunos tivessem comportamento compatível com as exigências dela. Mas a realidade diz que na escola da excelência poucas crianças têm condições de entrar, menos ainda de permanecer nela ou de serem bem-sucedidas nas muitas provas e desafios que terão que enfrentar.
Na escola da excelência, certos domínios no plano da conduta ou convivência social (educação, respeito, disciplina, limites, etc.) e no plano intelectual (estudo, compreensão, realização das tarefas) são pré-requisitos fundamentais. Espera-se que os alunos tenham isso de partida e que continuem assim durante toda a trajetória escolar. Se no caminho alguns se desviam ou perdem tais virtudes terão que se recuperar logo, ao preço de serem excluídos e virem fracassados seus objetivos. Por suposto, a escola da excelência faz muito bem sua parte: oferece bons professores, utiliza os melhores livros ou materiais, orienta, aconselha, dá oportunidades, enfim é exigente, mas generosa nos recursos a serem aproveitados pelos alunos.
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Na escola para todos, por definição, as qualidades selecionadas e valorizadas na escola da excelência são referências ou qualidades desejadas, mas não definem o ponto de partida, nem a condição para a realização do percurso. Na escola para todos, entram crianças com toda a sorte de limitações ou dificuldades. Seus pais, sua condição de vida, podem ter todas as combinações ou formas de expressão, não importando se isso será favorável ou não ao trabalho escolar. Na escola para todos, as dificuldades em realizar o percurso é motivo de investigação das estratégias, que complementam o ensino no horário regular das aulas, de revisão das condições que dificultam o aproveitamento escolar das crianças. Na escola da excelência, competências e habilidades, nos termos em que analisaremos mais adiante, são meios para outros fins: a erudição, o aperfeiçoamento, o domínio das matérias ou disciplinas, a realização de metas ou trabalhos de ponta. Na escola para todos, competências e habilidades são o próprio fim e as atividades escolares são os meios que possibilitam sua realização. A escola da excelência é melhor do que escola para todos? Essa não é uma boa pergunta, porque pressupõe a ausência da excelência na escola para todos ou a ausência de problemas na escola da excelência, também porque pede escolha entre dois valores (a excelência e a equanimidade) igualmente fundamentais. O primeiro, porque nos dá o direito de sermos melhores do que já somos, como expressão de nossa necessidade e possibilidade de aperfeiçoamento na luta da vida contra a morte (injusta e sem sentido), doença, miséria, sofrimento ou ignorância. O segundo, porque abre, sem privilégio ou condições, a possibilidade de todos freqüentarem a escola e nela realizarem, por direito, sua formação. Além disso, a escola para todos pode revelar ou formar, por certo, muitos alunos que possuem ou aprendem as qualidades da excelência. Ser excelente, em uma sociedade competitiva e tecnológica, como a nossa, é muito difícil e muitos perderão essa condição, muitos não suportarão o peso da concorrência, mesmo na escola. Exercício ou problema? O jogo, acima proposto, é um jogo de exercício ou de problemas? E o que exatamente significa “exercício”? Consideremos o ato de caminhar. O exercício supõe, então, a repetição de uma aquisição – motora, no caso – de uma habilidade que, para aquele que a executa, não constitui um problema. O exercício, nesse caso, corresponde a um meio para outra finalidade, por exemplo, fazer o coração trabalhar mais, do ponto de vista cardiovascular. Com isso, o exercício ajuda a combater problemas cardíacos, obesidade, estresse, etc. O caminhar, no caso indicado acima, não é um problema em si, pois se trata de repetir um padrão, um esquema ou hábito já aprendido. Porém, no decorrer do percurso, podem-se enfrentar problemas. Por exemplo: ter de atravessar uma rua movimentada e obrigar-se a estar atento aos veículos, para não se acidentar; evitar o possível ataque de um cachorro, não se deixar distrair pelas coisas interessantes vistas ao longo do caminho, etc. Esses são exemplos de problemas porque implicam situações inesperadas, implicam resolver ou decidir sobre variáveis não-previstas. Esses problemas, são obstáculos ao longo do percurso, que pedem, como é usual em situações problemáticas, interpretação do desafio proposto no contexto, planejamento da solução ou das soluções possíveis, execução da solução planejada e avaliação dos resultados. Tudo no momento em que se realiza a atividade. Ou seja, problema é aquilo que se enfrenta e cuja solução, não é suficiente, ao menos como conteúdo.
Vale a pena insistir na distinção entre exercício e problema porque, algumas vezes, nas escolas e
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nos livros didáticos, problemas e exercícios são tratados como se fossem equivalentes. Voltemos ao jogo de percurso. Uma coisa é seu uso como recurso para exercitar cálculos que a criança já aprendeu e que pode “fortalecer” por intermédio desse jogo. Outra, são os problemas propostos no contexto do jogo ou mesmo de certos tipos de cálculos que implicam tomadas de decisão, correr riscos, etc. Em síntese, exercício é o repetir, como meio para uma outra finalidade: Problema é o que surpreende nesse exercício, é o novo, o que supõe invenção, criatividade, astúcia. É certo, também, que, dependendo de como é proposto, o exercício pode configurar um problema. Uma pergunta pode ter várias intenções: É fundamental, que a questão faça ao aluno um desafio que proporcione ao sujeito que o experimenta algo no mínimo original, criativo ou surpreendente. Convenhamos, na escola nem sempre sabemos fazer isso. Um comentário freqüente dos professores é que, muitas vezes, o aluno não consegue ler um problema de matemática como um problema, ou seja, a pergunta ou tarefa proposta não implica um desafio. É certo, também, que professores não investem, às vezes, muito tempo na leitura, discussão e análise do problema proposto, deixando que o aluno faça isso por si mesmo. Outras vezes, o problema está mal formulado, o que dificulta sua proposição como tal. Por isso, penso que poderia ser proveitoso, em uma reunião de professores, discutir, por exemplo, uma prova que foi dada aos alunos. As tarefas estavam bem propostas? O texto estava claro, interessante, bem escrito? Por que certos erros aconteceram nas respostas ou interpretação dos alunos? Um problema supõe um projeto complexo, que envolve, para seguir o esquema clássico de Polya, interpretação da questão proposta, planejamento, execução e avaliação. Envolve também atenção, malícia, espírito crítico e reflexão. Um dos problemas mais difíceis hoje para os professores é o que se tem chamado de “gestão da sala de aula”. Ou seja, a organização temporal e espacial das atividades, a seleção e manipulação dos materiais didáticos e a coordenação das atividades que dizem respeito aos alunos e professores, visando ao ensino e à aprendizagem. Os professores queixam-se de que os alunos não aprendem, fazem bagunça, são mal-educados, irreverentes. Queixam-se, também, da insuficiência de recursos para resolver esses problemas. Sentem-se impotentes e desamparados. Como transformar tudo isso em um problema no sentido legítimo do termo? Tais dificuldades se converteriam em objeto de discussão se, conversando com o orientador ou discutindo a questão com colegas, fosse possível planejar, no sentido de projeto pedagógico, um trabalho visando à superação dessas dificuldades: discutindo estratégias, compartilhando situações comparáveis, planejando formas de solução, avaliando o sucesso ou fracasso das iniciativas já tomadas, refletindo sobre os fatores que produzem tais dificuldades, lendo um texto ou ouvindo uma palestra relacionada ao tema em discussão. Lamentos e queixas não são problemas no sentido que queremos aqui valorizar. Existe um problema quando se transforma a queixa em um desafio a ser superado. Transformar uma queixa ou dificuldade em problema é sair de uma posição em que esses fatores funcionam como adversários ou competidores de nossos objetivos para uma posição em que se tornam cooperativos e participativos, ou seja, adquiram uma função construtiva.
Essa reflexão é útil porque usualmente na escola associamos a palavra problema apenas à disciplina de
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Matemática, quando se formula também em outras áreas: Ciências Sociais, Biologia, História, Geografia.
Competências e Habilidades
Até pouco tempo, a grande questão escolar era a aprendizagem – exclusiva ou preferencial – de conceitos. Estávamos dominados pela visão de que conhecer é acumular conceitos; Ser inteligente implicava articular logicamente grandes idéias e estar informado sobre grandes conhecimentos em textos eruditos. Nesses termos, dar aula podia ser para muitos professores um exercício intelectual muito interessante. O problema é que muitos alunos não conseguem aprender nesse contexto, nem se sentem estimulados a pensar, pois sua participação nesse tipo de aula não é tão ativa quanto poderia ser. Hoje, essa forma de competência continua sendo valorizada, principalmente, no meio universitário. Mas, com todas as transformações tecnológicas, sociais e culturais, uma questão prática, relacional, começa a impor-se com grande evidência. Torna-se necessário, além das competências, o domínio de um conteúdo chamado de “procedimental”, ou seja, “saber como fazer”. Vivemos em uma sociedade cada vez mais tecnológica, em que o problema nem sempre está na falta de informações, pois o computador tem, cada vez mais, o poder de processá-las, guardá-las ou atualizá-las. A questão está em encontrar, interpretar essas informações, na busca da solução de nossos problemas ou daquilo que temos vontade de saber. No tempo em que a escola - mesmo as públicas - não era para todos, manter a disciplina, como problema de gestão de sala de aula, talvez não tivesse a dimensão que tem hoje. Rigor, expulsão (ou sua ameaça), castigos físicos, cumplicidade da família com as estratégias usadas pelo professor garantiam, talvez de forma mais imediata e eficaz, que os alunos se mantivessem quietos enquanto o professor dava as lições. Hoje, que a escola fundamental é obrigatória para todas as crianças, manter a classe interessada nas propostas do professor concorre com e, muitas vezes, perde para tudo o que em contraposição os alunos insistem em fazer. Não por acaso, sabe-se que freqüentemente os professores gastam mais da metade do tempo da aula tentando manter um nível de disciplina favorável à aprendizagem. Ou seja, ensinar conceitos ou cálculos concorre com conversas paralelas, risadas e brincadeiras. O professor, além do compromisso de ensinar fatos e conceitos, deve saber manter a disciplina na sala de aula, envolver os alunos e conseguir que sejam cooperativos e façam as tarefas. Ora, uma coisa é a competência do professor para expor um tema, outra é sua habilidade ou competência para conquistar o interesse das crianças e envolvê-las nas propostas de sala de aula. Por isso, esse conteúdo – gestão da sala de aula – é hoje considerado tão importante. Um outro exemplo: um aluno pode não se sair bem em geografia porque não aprendeu os conceitos dessa disciplina, mas também porque não sabe estudar, nem se organizar em termos de espaço e tempo .O que resulta desses comentários é que, na perspectiva do professor, o desafio, hoje, é coordenar o ensino de conceitos e gestão de sala de aula - aí compreendidas aprendizagens de procedimentos, valores, normas e atitudes. As três formas de competência
 Competência como condição prévia do sujeito, herdada ou adquirida.
É comum definir competência como capacidade de um organismo. Saber respirar, mamar, por exemplo, são capacidades herdadas. Nascemos com competência comunicativa, herdamos nossa aptidão para a linguagem. Ao mesmo tempo, temos de adquirir competência em uma ou mais línguas, pois essas não são herdadas, mas
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aprendidas e se constituem patrimônio de nossa cultura e de nossa possibilidade de comunicação. Competência, nesse primeiro sentido, significa, muitas vezes, o que se chama de talento, dom ou extrema facilidade para alguma atividade. ma vez que alguém consegue um diploma ou é declarado formado ou habilitado para certa função é como se, imediatamente, isso se tornasse um patrimônio seu. Esse primeiro sentido de competência implica uma idéia de dependência ou condição. Qualquer criança que nasça em nosso País tem de adquirir competência para ler e escrever, caso contrário, será excluída de muitas situações. Quando uma escola contrata um professor, avalia se esse tem competência para ensinar, leva-se em conta seu currículo para contratá-lo. De preferência, seleciona um com essa competência já adquirida em outras escolas, porque, nesse caso, interessa alguém já experiente. Essa primeira forma de competência não significa apenas formas de aquisição, mas também pode se referir a uma perda - permanente ou transitória - de competência. Por exemplo, podemos perder ou diminuir nossa capacidade respiratória ou condição para realizar certa tarefa. Em caso de acidente, podemos perder nossa possibilidade de locomoção. Da mesma forma, um professor pode, por diversos fatores, perder sua competência didática.
 Competência como condição do objeto,
Essa independente do sujeito que o utiliza. Refere-se a competência da máquina ou do objeto. Por exemplo, a competência ou habilidade de um motorista não tem relação direta com a potência de seu automóvel. O mesmo acontece com relação aos computadores e seus usuários. Uma coisa é nossa condição de operar certo programa. Outra é a potência do computador, sua velocidade de processar informações, memória. Na escola, essa forma de competência está presente, por exemplo, quando julgamos um professor pela „competência‟ do livro que adota, da escola em que leciona, do bairro onde mora. É muito comum, julgarmos uma criança tomando por base a escola em que estuda. Nesse caso também, trata-se de uma competência do objeto, que é independente do sujeito, ainda que possa dar uma informação a respeito daquele que o utiliza.
 Competência relacional.
Essa é interdependente, ou seja, não basta ser muito entendido em uma matéria, não basta possuir objetos potentes e adequados, pois o importante aqui é “como esses fatores interagem”. A competência relacional expressa esse jogo de interações. É comum na escola um professor saber relatar bem um problema que está acontecendo em sala de aula, mas na própria aula não saber resolver situações relacionadas com a indisciplina, espaço ou tempo. Numa partida de futebol, para fazer gol, não basta que o jogador saiba chutar a gol, fazer embaixadas, correr com a bola no pé, é necessário que saiba coordenar tudo isso no momento da partida. No caso de uma conferência, a qualidade do texto (competência do objeto) não é condição suficiente para que ela atinja os objetivos do conferencista, é necessário fazer uma boa leitura (competência do sujeito), considerando as reações da platéia, o ritmo, as pausas, etc.
A situação de jogo é um bom exemplo de competência relacional, pois essa forma sempre se expressa em um contexto de interdependência. “Não se ganha o jogo na véspera”. Na véspera, há muitas ações que se podem realizar (treinar, estudar outras partidas, etc.), mas são as leituras ou interpretações, no momento do jogo propriamente dito, as tomadas de decisão, as coordenações entre ataque e defesa que definirão as possibilidades de ganhar ou perder. A sala de aula é um bom exemplo disso. Muito se pode e deve fazer previamente: estudar,
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preparar e selecionar materiais, escrever o texto ou definir o esquema a ser seguido. Mas há outros fatores que só podem e devem ser definidos no momento da aula, em função de outros que não se podem antecipar, justamente porque são construídos no jogo das interações entre o professor, seus alunos e os materiais de ensino. Como desenvolver competência relacional? Como articular as três formas de competência? As três formas de competência na prática não se anulam necessariamente, pois se referem a dimensões diferentes e complementares de uma mesma realidade. A formação do professor, pode ser um bom exemplo desse tipo de competência. Que aspectos de sua formação correspondem ao desenvolvimento de uma competência do sujeito? Quais aspectos são competência do objeto? Quais são da relação sujeito-objeto? Quanto a essa última forma, o problema é que só podemos dar coordenadas, discutir, a posteriori, casos ilustrativos, confiando que o professor, beneficiado por essas reflexões, irá melhorar sua competência em outras situações.
 Competência e habilidade
A diferença entre competência e habilidade, em uma primeira aproximação, depende do recorte. Resolver problemas, por exemplo, é uma competência que supõe o domínio de várias habilidades. Calcular, ler, interpretar, tomar decisões, responder por escrito, etc., são exemplos de habilidades requeridas para a solução de problemas de aritmética. Mas, se saímos do contexto de problema e se consideramos a complexidade envolvida no desenvolvimento de cada uma dessas habilidades, podemos valorizá-las como competências que, por sua vez, requerem outras tantas habilidades. Qual a diferença entre competência e habilidade de ler? Saber ler, como habilidade, não é o mesmo que saber ler como competência relacional. Em muitas situações (quando temos de ler em público, por exemplo), ou não sabemos ler, ou temos dificuldades para isso. Como coordenar as perspectivas do texto, dos ouvintes e do leitor? Todos conhecemos escritores brilhantes, mas que não são bons conferencistas. Na escola ocorre algo semelhante quando se trata de ler poesias ou contar histórias: nem todos os professores sabem como fazê-lo. O mesmo ocorre na transmissão de um conteúdo no contexto da sala de aula. Há professores que sabem fazê-lo de forma agradável, comunicativa, com entusiasmo e competência. Os alunos, certamente, participam, envolvem-se, sentem-se incluídos, encantados (e, a seu modo, agradecem). Para dizer de um outro modo, a competência é uma habilidade de ordem geral, enquanto a habilidade é uma competência de ordem particular. Voltando ao jogo de percurso. Há muitas habilidades envolvidas em sua solução: ficar no caminho, jogar os dados, ler os números do dado, caminhar em função dos pontos, etc. Quanto à tomada de decisão (o que é melhor fazer em face das circunstâncias, de que momento do jogo e seu objetivo) penso que se refere a uma competência relacional. Ou seja, as habilidades são necessárias, mas não suficientes, ao menos na perspectiva relacional. Competência não é apenas um conjunto de habilidades: é mais do que isso, pois supõe algo que não se reduz à soma das partes. Na visão relacional de competência, se os alunos não aprenderam é porque o professor não ensinou independent de sua competência pessoal no domínio dos conteúdos e do valor, de verdade, de sua exposição. Como analisar os termos competência, competição e concorrência, em uma perspectiva relacional?
Competição: Competir quer dizer “com-petir”, isto é, “pedir junto”. O prefixo “com” significa ao
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mesmo tempo, simultaneamente. O radical “petir” significa pedir. Filhos, marido, telefone, etc., muitas vezes pedem ao mesmo tempo a atenção da mesma pessoa (a mãe, a esposa, a filha, sintetizadas numa única mulher). Não lhe é possível atender igualmente a todos. Numa sala de aula, por exemplo, alunos, diretora, orientadora, horário, agenda de trabalho referem-se às múltiplas tarefas de que a professora deve cuidar – de preferência, ao mesmo tempo. Então, ao que dar prioridade; que decisões tomar? Concorrência: Competição refere-se a um contexto de escassez, de limitação, quanto ao fim buscado e ao de multiplicidade ou diversidade quanto aos que pretendem esse fim ou aos necessitados dele. Concorrer quer dizer correr junto “dirigir-se para o mesmo ponto”. Como cuidar, “simultaneamente”, (porque tudo é importante, esperado, desejado) da vida pessoal, profissional, familiar, etc.? Ou seja, em termos de concorrência, não se trata de optar ou conquistar um aspecto em detrimento de outros (como ocorre na situação de competição), mas de responder adequadamente à multiplicidade das tarefas, de atender a tudo, pois tudo tem de ser atendido. É o caso, por exemplo, da situação de sala de aula. O professor – espera-se – deve cuidar adequadamente da multiplicidade de aspectos importantes (conteúdo a ser ensinado, interesses e necessidades de cada aluno, horário, etc.). Lembro esses exemplos para dizer que, na perspectiva da concorrência, muitos fatores, cada qual com sua importância particular, correm juntos. Não é correto dizer que competem, nos termos lembrados acima, mas que concorrem, porque todos necessitam ser atendidos e considerados. Competência: Como coordenar competição com concorrência? Com competência. Competência, em sua perspectiva relacional, é uma equação que expressa o equilíbrio entre dois opostos complementares. A competição como fim buscado (necessidade), e a concorrência como repertório (disponibilidade) de coisas independentes quanto a um fim particular, mas que, na perspectiva do sujeito, qualificam os meios de certa realização. Habilidades, nesse sentido, são conjuntos de possibilidades, repertórios que expressam nossas múltiplas, desejadas e esperadas conquistas. Competência é o modo como fazemos convergir nossas necessidades e articulamos nossas habilidades em favor de um objetivo ou solução de um problema, que se expressa num desafio, não redutível às habilidades, nem às contingências em que certa competência é requerida. A Competência, no dia-a-dia das salas de aula, aparece quando o professor deve – ao mesmo tempo, considerar a disciplina dos alunos, a programação, o barulho, o horário, a seqüência dos conteúdos a serem ensinados, etc., em um contexto de concorrência (cada fator é importante) e competição (“muitos serão chamados, poucos os escolhidos”) – realizar bem seu compromisso pedagógico. „Competência é a qualidade relacional de coordenar a multiplicidade (concorrência) à unicidade (competição). Para isso, supõe habilidade de tratar – ao mesmo tempo – diferentes fatores em diferentes níveis. É o que ocorre com uma mãe, que enquanto amamenta um filho, ajuda (verbalmente) o filho maior a fazer a lição. Ou seja, cumpre tarefas, ao mesmo tempo, em níveis diferentes (um físico e próximo, outro verbal e distante). O mesmo vale para o professor, que deve ter um repertório de estratégias para lidar ao mesmo tempo com muitos desafios: com os recursos didáticos, ter perspicácia e manter tranqüilidade. Aos olhos de um observador inexperiente, a situação de sala de aula pode parecer um caos; mas alguns professores conseguem lidar com a situação de forma competente e eficiente, porque dispõem de estratégias e recursos variados. Outro exemplo é a criança hiperativa. Às vezes, o problema não está apenas nela, mas também no professor que não consegue acompanhar seu ritmo, não tem estratégias para transformá-la em colaboradora na aula.
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Concorrência, competição, competência sempre foram interdependentes e presentes nas relações humanas e entre os elementos da natureza. As plantas, por exemplo, competem por tempo, espaço, água, sol, e isso não é bom nem ruim, enquanto juízo de valor em si. O importante é a tomada de consciência, é refletir sobre as implicações disso.
Autonomia como princípio didático
No livro introdutório dos PCNs (de 1ª a 4ª série), há um capítulo sobre “orientações didáticas”. Os títulos desse capítulo são: autonomia, diversidade, disponibilidade para aprendizagem, interação, cooperação, organização do espaço e do tempo e seleção de material. Por que autonomia aparece num capítulo sobre orientação didática? O que significa autonomia como princípio didático, é costumeiro usar esse termo como princípio moral ou ético? A autonomia como princípio didático sempre foi valorizada por Piaget. Para explicar por que autonomia é um princípio didático, pensemos no exemplo do que ocorre com as lombadas das vias públicas e das estradas. Pode-se analisar nossa relação com esse obstáculo de três modos distintos. O primeiro nos lembra que a lombada é um redutor de velocidade que deve ser respeitado como limite físico. Caso contrário, nosso automóvel pode ser danificado. Ou seja, a lombada nos impõe um limite que temos de respeitar, para não arcar com prejuízos. O segundo aspecto corresponde ao que pensamos, julgamos, sentimos, sobre lombada. Podemos ser contra e achar que isso é controle de países de Terceiro Mundo. Um terceiro aspecto é o de se fazer gestões para a mudança dessa regra com a qual não concordamos. As gestões, dentro de nossos limites, podem ser de muitas formas: fazer críticas verbais, escrever cartas, etc. O importante é que se faça algo para a mudança de uma lei com a qual não se concorda. Mas, de que forma isso se relaciona com autonomia? Piaget valorizava autonomia como método didático. E para isso ele utilizava três princípios metodológicos: 1) ativo, 2) de autonomia ou autogoverno e 3) de trabalho em equipe ou de cooperação. O construtivismo de Piaget não é um método, mas refere-se a esses três princípios metodológicos. Autonomia como método pedagógico refere-se a permitir, despertar, favorecer, promover, valorizar, exercitar o poder de pensar da criança. O pensamento como uma possibilidade ou necessidade diferente da realização ou do aperfeiçoamento propriamente dita daquilo a respeito do qual se pensa. Quando uma professora valoriza, em sala de aula, discussões sobre os diferentes resultados de uma conta, ela está praticando o princípio da autonomia como um princípio metodológico. Argumentar, descrever, ter idéias diferentes sobre uma mesma coisa, etc., em um contexto de iguais, são ações que contribuem para o desenvolvimento da autonomia. Autonomia é uma disciplina de poder pensar a realidade de modo interdependente com ela. Autonomia nos ajuda a compreender porque – mesmo que não se possa decidir sobre certos temas – é importante discutir sobre eles. Ou seja, há temas que não se votam na sala de aula, mas que é importante discutir sobre eles., é o método que autoriza e fornece estratégias para promover um pensamento sobre uma realidade, mas em condições independentes de sua realização ou limites. Autonomia é aprender a pensar, argumentar, defender, criticar, concluir, antecipar. Na perspectiva do desenvolvimento da autonomia, o professor, além de dar informações, é como um coordenador das discussões sobre as diferentes soluções; é ele quem formula as boas perguntas e que, como um pesquisador, coleciona as diferentes respostas produzidas por seus alunos, que as compara, aprofunda, etc.
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Não é fácil ser coordenador desse tipo de discussão. Como promover, liderar, conviver com os impasses de tantas diferenças e discordâncias? Autonomia como princípio pedagógico tem o valor educacional de promover, nos limites da idade das crianças, dos temas, de suas possibilidades cognitivas, o argumentar, pensar, formular hipóteses, dizer sim, dizer não, apresentar argumentos, justificar, etc. Autonomia, como método, ou seja, disciplina, cria um espaço social e mental para recriar regras, discutir, negociar pensamentos diferentes, encontrar saídas para uma realidade difícil e limitadora. Ser autônomo não é ser independente. Ser autônomo é ser responsável pelo que se faz ou pensa. Se pensamos algo, devemos aprender a defender essa opinião, e isso é de nossa responsabilidade. Autonomia não é sinônimo de independência, porque nenhum de nós é independente.Ser autônomo é ser responsável pelos próprios atos e pensamentos como método. O autor afirma que autonomia é um exercício de interdependência. Refletir supõe discutir, como gostava de dizer Piaget, recordando uma frase de Pierre Janet: “discutir é refletir com os outros; refletir é discutir consigo mesmo”. A competência do sujeito e a do objeto, cedo ou tarde, há de resultar em uma competência relacional, sob pena de uma ou outra se perderem. A competência conceptual, por exemplo, de uma professora e a “competência” do livro que utiliza como apoio para suas aulas devem incorporar, no contexto de sala de aula, a competência dos alunos. A competência desses supõe descobrir ou inventar novamente (reinventar) o que no plano da professora ou de seu livro já estavam presentes. A competência relacional corresponde, por isso, a uma hipótese fundamental do conhecimento como coordenação de perspectivas, de uma dupla referência (a do sujeito e a do objeto) que ao interagirem criam uma terceira forma de conhecimento delas resultante. Em outras palavras, o objeto (o conhecimento organizado como objeto, disciplina, como corpo conceptual, agora independente dos sujeitos que o produziram) e o sujeito (as pessoas ou ações das pessoas que agindo sobre os objetos produziram um conhecimento sobre ele), considerados independentes um do outro, devem agora operar como parte e todo ao mesmo tempo, em um contexto de interdependência. A autonomia, na perspectiva de uma competência do sujeito ou do objeto, pode ser pensada em sua condição independente, livre, como um todo, que opera por si mesmo. A autonomia, na perspectiva da competência relacional, deve ser pensada em sua condição interdependente, em que parte e todo formam um sistema. Autonomia, nessa perspectiva, supõe responsabilidade (compromisso de uma parte com outras) e reciprocidade (interagir de forma mútua, em que a melhoria de uma parte supõe a de outras partes). Nesse sentido é que vale a frase: “se as crianças não aprenderam, o professor não ensinou”. Por isso, agora há pesquisas para o desenvolvimento de técnicas e estratégias de como promover uma discussão em matemática, história, geografia, etc. Autonomia é mais do que uma questão ética ou moral, é um princípio didático que supõe o desenvolvimento de uma competência para ensinar com essa qualidade construtiva.
Piaget dizia que “a lógica da ação corresponde a uma moral do pensamento”. A autonomia é uma forma de moral do pensamento que, livre, reflete sobre o objeto, mas que, responsável, não confunde esse pensamento com a própria realidade sobre a qual reflete. Essa moral do pensamento, para ser assim, há de exibir, pouco a pouco, propriedades reversíveis, antecipatórias, argumentativas, etc. No jogo, por exemplo, o jogador é desafiado para conquistar autonomia, planejar as jogadas, avaliar, no sentido de regular suas ações em cada
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momento da partida em função do objetivo, das jogadas do adversário, etc. Esse é o sentido de considerar-se a autonomia como uma orientação didática, como uma disciplina que promove uma competência relacional nos alunos, que os educa para uma interação com qualidade interdependente. Para isso, sem dúvida, não basta dominar técnicas que promovam essa forma de autonomia, é preciso também que o professor disponha-se a construir essa forma de pensamento e relação como algo que vale também para ele. Aprendizagem significativa e competência relacional. Outro termo presente nas orientações didáticas é a “aprendizagem significativa”. Piaget considera essa forma de aprendizagem como método ativo. A hipótese é que se uma aprendizagem não for significativa, sua aquisição estará, cedo ou tarde, comprometida. A aprendizagem significativa instaura novamente na escola uma condição fundamental de nossa busca de conhecimento. Essa condição é a do desejo, ou seja, do conhecimento como necessidade, algo que “falta ser”, que ainda não é nos termos pretendidos ou aceitos pelo sujeito. No contexto da competência relacional, isso é interessante porque o desejo instaura-se como busca e como complementaridade. A busca supõe a devoção daquele que deseja, isto é, trabalho, compromisso, responsabilidade. Complementaridade supõe sair dos limites de onde se encontra e incluir um outro todo como parte. Essa ilusão corresponde ao que se chama de “desejo com argumento”, ou seja, como falta traduzida em ações de busca, dirigidas por um objetivo ou finalidade, ações que são reguladas por essa meta a ser alcançada. Daí a dupla condição para competência relacional: desejo e devoção. Desejo como fim ou direção. Devoção como meio ou instrumento. Ou, como quer a sabedoria popular: “quem ama, cuida”. Desejo e devoção são cognitivos e afetivos ao mesmo tempo. Cognitivos porque supõem uma formulação, uma pergunta, hipótese ou proposição. Porque supõem construção de recursos, tomadas de decisão, avaliação reguladora, etc. Afetivos porque supõem um querer, supõem a atribuição de uma significação pessoal, no sentido de que algo ainda não é para um sujeito, mas “deve” ser. A aprendizagem significativa supõe que se encontre “eco” no sujeito a quem é proposta. Daí sua vinculação com uma forma relacional de competência. A aprendizagem significativa é uma das condições defendidas por Piaget para um método pedagógico ser construtivo. Significativa porque expressa essa categoria da paixão: deixar-se, como sujeito a ser atravessado por um objeto; por isso, estar envolvido, interessado, ativo, em tudo o que corresponde a sua assimilação. Por isso, Piaget, ao menos com as crianças, era muito crítico ao que chamava de “verbalismo da sala de aula”. O verbalismo refere-se às exposições orais (explicações) para crianças sobre temas que as excluem por sua natureza formal, conceptual, adulta. A conseqüência disso é a presença de crianças apáticas, desinteressadas, passivas, ou, então, agitadas, indisciplinadas e pouco cooperativas. As mesmas exposições com adultos podem ser positivas, pois esses possuem mais recursos cognitivos para relacionarem-se com essa forma de linguagem. Ou seja, um adulto, mesmo que só escutando, tem recursos de pensamento para manter um “diálogo” ativo (anota, faz associações, concorda, etc.) com o assunto que está sendo exposto.
O construtivismo não se reduz a um método pedagógico em particular, ao menos na perspectiva de Piaget. Caracteriza-se por princípios ou propriedades que diferentes métodos podem ter. A disponibilidade para a aprendizagem, ou seja, a condição ativa, significativa, é uma dessas propriedades, como mencionado. Há métodos de ensino que são envolventes, que formulam projetos e que dão sentido ao que se faz na escola. O
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mesmo aplica-se a certos professores. Alguns possuem características pessoais muito positivas, são envolventes, têm auto-estima, são instigantes, estão comprometidos com seu trabalho, gostam de crianças, sabem mobilizá-las, sabem dar sentido às atividades propostas. Em uma palavra, são competentes. Há métodos competentes. Há professores competentes.
O método da cooperação e a competência relacional
Valoriza-se, atualmente, uma forma de trabalhar em equipe em que todos estão envolvidos, de forma interdependente, por mais diferentes que sejam o nível de participação e a complexidade das tarefas de cada um. Essa forma difere, por exemplo, daquelas em que as participações são tomadas de modo independente, linear e aditivo. Independente porque uma parte não se relaciona com as outras. Linear porque o processo expressa-se por uma seqüência, em geral fixa, definida. Aditivo porque o todo (por exemplo, o objeto que se quer produzir) é montado por um conjunto de partes em uma relação de dependência/independência. No primeiro caso, a forma de competência mais importante é a relacional. No segundo, é a competência do sujeito ou do objeto. A competência relacional supõe uma abertura para a diversidade. Diversidade de pontos de vista, para as múltiplas formas de algo expressar-se, de variabilidade de contextos. É o caso de uma discussão com essas características. Pode-se argumentar de diferentes modos, há abertura para soluções divergentes, há espaço para diferenças. Valoriza-se, muitas vezes, no jogo apenas sua dimensão competitiva, ou seja, seu limite, imposto pela regra de que só haverá um ganhador, quando todos querem – ao mesmo tempo e nas mesmas condições – a vitória. Essa condição de escassez ou de restrição cria um contexto de competição por um resultado, desejado por todos, mas que será obtido, em uma dada partida, para uma das partes, apenas. Mas, na perspectiva da competência relacional, mais importante é o processo de jogar, é a qualidade do modo como se joga. Ora, essa dimensão do jogo é cooperativa, não é competitiva. É marcada pela interdependência. Cooperação é um método de trabalhar com essa qualidade. O bedel coopera com a meta educacional da escola. Certas informações, certas oportunidades de intervenção ele tem melhor do que o professor. Nos cantos da escola, nos banheiros, nos momentos em que o aluno não está visível para professores, orientadores ou diretores. Eles fazem parte do sistema, fazem parte da equipe pedagógica. Por isso, a cooperação não é só uma filosofia, uma ética, mas igualmente um método que supõe competência relacional. Sem cooperação é muito difícil construir alguma coisa. Onde estão os materiais? Onde acontecem as atividades? Como é que um acontecimento relaciona-se com outro do ponto de vista espacial? Quais são os deslocamentos proibidos e permitidos? Como se organizam os deslocamentos dos alunos na escola? Como é que se delibera sobre isso? Como é que se constroem e se administram as regras na escola? As questões formuladas acima e tantas outras que se poderia fazer encaixam-se no tema “gestão da sala de aula”. Infelizmente, há professores que são “maus gerentes” na sala de aula, apesar de seu conhecimento dos conteúdos. Não sabem administrar o tempo, nem o espaço das atividades, selecionam mal os objetos. Gastam muito tempo em uma atividade, depois não têm tempo para uma outra, igualmente importante. Não sabem dosar o conteúdo. Falta-lhes competência relacional. Hoje, espera-se que o professor seja um gerente, um gestor da sala de aula.
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E uma das grandes queixas dos professores é que não se sentem competentes para isso. Dizem não saber administrar o tempo da aula, os ritmos dos alunos, a narrativa desse acontecimento, com suas paradas, obstáculos, com seu desenrolar, com seus imprevistos. Falta-lhes, insisto, competência relacional. De fato, localizar a questão espacial e temporal, bem como a seleção de materiais como orientação didática é reconhecer que a gestão de sala de aula é tão importante quanto o domínio dos conteúdos que se ensinam, porque a aprendizagem desses conteúdos depende da qualidade dessa gestão. Por isso, hoje, a avaliação tornou-se também relacional, no sentido de que se refere a um instrumento que possibilita qualificar, regular para mais ou para menos, os diferentes aspectos a serem considerados na dinâmica da sala de aula. A competência relacional é muito importante em uma visão construtivista do processo de aprendizagem escolar. Para essa visão, a interação caracteriza-se por trocas que podem gerar, por sua própria realização, uma tensão, uma perturbação. Como explicar em 20 minutos certo tema, incluindo aí questões ou dificuldades dos alunos em acompanhar a explicação? Na visão construtivista, como em termos de competência relacional, não interessa o que marca as diferenças, mas o que as coordena. Há outras formas de interação em que o interessante é o que afasta, dificulta. Não o que, reconhecendo o impasse, constrói formas de convivência ou superação. Por isso, justificar que faltou tempo para dar uma aula eficiente não é uma boa razão, pois os limites do tempo já estavam lá. O desafio, do ponto de vista relacional, é como comunicar, em um desses tempos, algo que seja pertinente e interessante sobre o assunto. Competência relacional é um convite para considerar a multiplicidade dos aspectos que possibilitam “o ser, ou não”, de algo. Penso que somos ainda muito marcados pelas duas outras formas de competência (a relativa ao sujeito e ao objeto). Ainda nos é difícil, mormente para certos conteúdos e em certos contextos, considerar o que é comum, o que respeita mutuamente os diferentes aspectos de uma situação. Ainda nos é difícil aceitar o “melhor argumento”, aquele que produzido em um contexto relacional resulta da contribuição de todos, ainda que em diferentes proporções ou formas, e que não decorre da competência expressa de um único sujeito ou único objeto. Em uma sala de aula, todos podem, de algum modo, contribuir. Mesmo aquele que fala ou realiza algo muito discrepante ou sem sentido pode ajudar. O problema, de natureza relacional, é como incluir sua participação. A competência relacional é, por isso, um convite para esquecermos nossa arrogância, para deixarmos de ignorar os ignorantes, os excluídos, os que muitas vezes só podem contribuir de uma forma negativa, perturbadora, desajeitada. Mas, essa qualidade de pensar de forma relacional supõe autonomia, cooperação, supõe a coordenação de valores que exigem tempo para sua construção. 1.2 A situação-problema como avaliação e como aprendizagem Lino de Macedo
O objeto do texto é um desafio fundamental em nossas relações com pessoas, objetos ou tarefas, busca também analisar como e por que situações-problema expressam uma concepção de aprendizagem ou forma de conhecimento, sem a qual tais relações ficam prejudicadas ou insuficientes seja no plano dos objetivos, seja dos
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resultados esperados. E, igualmente, argumentar em favor da situação-problema como uma técnica de avaliação em um contexto em que se quer verificar competências e habilidades das pessoas não só em frente de situações-problema, no sentido estrito, mas de outras formas de competências e habilidades.
Competência X situação-problema : Mobilizar recursos
Uma das características importantes da noção de competência, segundo Perrenoud, é desafiar o sujeito a mobilizar os recursos no contexto de situação-problema para tomar decisões favoráveis ao seu objetivo ou metas. Sabemos, e muitas vezes lamentamos, o quanto em uma determinada situação não nos permitimos recorrer a tudo que sabemos em favor de sua solução. Esquecemos, não articulamos uma informação com outra, não consideramos um elemento da situação, que depois julgamos fundamental, etc. É assim que acontece, por exemplo, em uma prova. Na hora de sua realização, “travamos”, esquecemos, damos respostas apressadas, simplificamos, não damos suficiente atenção para uma série de detalhes que, mais tarde, com a “cabeça fresca”, lamentamos. Na visão de Piaget, mobilizar recursos é uma propriedade fundamental aos esquemas de ação. Penso que, na perspectiva de Piaget, mobilizar recursos corresponda ao que chama de coordenar meios e fins, sendo essa a própria função da inteligência (Macedo, texto publicado no Pátio e Ensaios Construtivistas). Julgar em função dos indicadores. Uma situação-problema, em um contexto de avaliação, define-se por uma questão que coloca um problema, ou seja, faz uma pergunta e oferece alternativas, das quais apenas uma corresponde ao que é certo quanto ao que foi enunciado. Para isso, a pessoa deve analisar o conteúdo proposto na situação-problema e recorrendo às habilidades (ler, comparar, interpretar, etc.) decidir sobre a alternativa que melhor expressa o que foi proposto. Quais são os indicadores ou observáveis que dispomos ou que podemos construir em favor de uma boa resolução dessa tarefa? O proponente da questão, no caso, apoiado em seus conhecimentos sobre o assunto a ser avaliado, e tendo em vista os objetivos da prova (avaliar competências e habilidades de um sujeito sobre algo) e recorrendo aos meios que lhe são disponíveis (avaliar em um contexto de situação-problema) estrutura um texto que expressa observações sobre o assunto a ser testado. A pessoa, que está sendo avaliada, de sua parte, lê o enunciado e o interpreta. Para isso, necessita raciocinar, ou seja, coordenar as informações em favor do objetivo visado: o que está sendo perguntado? Quais as informações disponíveis no enunciado? Deve também realizar operações que produzem novas informações, confirmam ou resolvem o que está sendo proposto. Essas operações, ou competências transversais, são principalmente as seguintes: interpretar, analisar, comparar, etc. Uma outra atividade importante a ser realizada é comparar entre as alternativas oferecidas a que melhor corresponde ao que foi perguntado e ao que o avaliado sabe ou concluiu sobre o que se perguntou. Articulando e dando sentido a tudo isso, há, igualmente, o que podemos chamar de circunstância ou contexto da prova, com tudo o que representa para o aluno, sua família ou sociedade.
Os indicadores correspondem, ao conjunto de sinais, marcas, informações, aspectos destacáveis no texto do enunciado e, igualmente, ao conjunto de pensamentos, idéias, representações, lembranças, raciocínios, sentimentos, etc. do sujeito que está respondendo à questão. Esses indicadores relativos ao objeto, que o sujeito pode observar, e os indicadores relativos ao próprio sujeito, juntos, produzem os elementos, cujo julgamento permitirá a tomada de decisão sobre o que está sendo perguntado e as alternativas disponíveis, das quais apenas uma delas é a correta.
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Inferência é o que possibilita a conclusão ou tomada de decisão, em um contexto de julgamentos, raciocínios, interpretação de informações, em favor de uma das alternativas propostas. Uma boa questão, nesse sentido, implica primeiro, construir ou considerar as diferentes partes que correspondem aos elementos constituintes da situação-problema como um todo. Segundo, articular ou coordenar cada uma das partes ou elementos disponíveis com o próprio todo. Terceiro, tomar o todo como o que estrutura, dá sentido e, por isso, regula toda a situação. O enunciado cria um contexto ou circunstância que dá ao item uma autonomia, no sentido de ser um bom recorte ou situação-problema? As situações-problema propõem uma tarefa para a qual o sujeito deve mobilizar seus recursos ou esquemas e tomar decisões. Mas, há uma diferença, por exemplo, entre essa tarefa e a realizada pelas máquinas. As máquinas ou tecnologias resolvem problemas, realizam tarefas. Elas possuem, pelos modos de sua produção, competência reprodutiva ou processual. Os objetivos em uma máquina correspondem ao comando, desencadeado por alguém ou alguma coisa que provoca uma cadeia de respostas ou realização de ações com duração e seqüências programadas. Os meios e recursos em uma máquina expressam sua constituição física ou “sintática” preparada para reagir. Os resultados são a culminação daquilo que foi decidido fazer ou produzir. Ou seja, uma máquina sabe fazer, mas não compreende, nem reflete sobre o que faz. Não avalia as conseqüências de suas ações. Não se compromete, nem se responsabiliza pelo que faz. Não gosta, nem se alegra, nem fica triste, nem se sente realizada com o que faz. Seu projeto executivo reflete as intenções de seu programador ou construtor, reflete as possibilidades mecânicas de sua composição, define os limites de seu programa. Mas, organizar um mundo, tecnologicamente, corresponde a decisões políticas, a interesses (econômicos, etc.), humanos que definem o sucesso e o fracasso de outros seres humanos em sua vida. Além das competências das pessoas, estaremos, igualmente, analisando sua competência relacional. A competência mais importante para nós é, sem dúvida, a relacional, até porque ela expressa a dimensão indissociável e interdependente das competências relativas ao sujeito e ao objeto. Relacional em suas três versões ou possibilidades de expressão. Há uma relação interpessoal que solicita o desenvolvimento de competências transversais muito importantes. Autonomia, respeito, tolerância, responsabilidade, construção e respeito a regras sociais, amizade, compromisso, etc. são qualidades que regulam, em sua direção positiva, as relações entre as pessoas. Mas sabemos o quanto a inveja, o ciúme, a rivalidade, a competição, os interesses pessoais e mesquinhos podem regular, igualmente, nossas tomadas de decisão. A segunda forma de competência relacional é a relativa aos objetos. Temos destruído a natureza, intoxicado os rios, a atmosfera, depredado bens públicos, maltratado nossos corpos e abandonado regras e princípios que a humanidade e a natureza levaram séculos e séculos para construírem.
Quantos outros séculos necessitarão para reconstruí-los? Ignoramos as leis físicas, químicas, sociais e políticas que explicam a regularidade dos fenômenos e qualificam formas de intervenção ou gerenciamento melhores do que outros. Não temos sabido cuidar dos objetos que nos são mais caros. Temos cedido ao apelo tecnológico que, em nome da globalização, uniformiza, simplifica e define um padrão único que, pouco a pouco, haverá de descaracterizar o multifário das expressões e formas humanas e sociais de resolverem problemas de
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nossa sobrevivência nos distintos lugares de nossa terra. Em uma palavra, não temos sabido definir e aplicar as competências transversais que expressam cuidado e respeito com os objetos que nos são importantes. A terceira forma de competência relacional diz respeito às tarefas ou ao trabalho humano diante das pessoas e dos objetos. No presente texto, e na perspectiva da prova do Enem, analisamos as competências transversais requeridas para as tarefas a serem avaliadas. E quanto às outras tarefas ou às outras competências transversais ligadas a nossa relação com tarefas: concentração, disciplina, respeito, cooperação, autonomia, cumprimento de metas, prazos, etc.? O ser humano toma decisões, formula julgamentos, compromete-se com uma resposta. Tomar decisões é mais do que resolver um problema, pois implica valores, raciocínio, enfrentar um dilema e decidir-se pelo que se acha melhor, mais justo, mais condizente para ele e para a sociedade a que pertence. As máquinas apenas resolvem os problemas ou realizam tarefas para as quais já estavam preparadas para resolver. Se lhes propomos algo fora desse esquema, elas não resolvem, paralisam-se, quebram, informam, por exemplo, ter ocorrido erro de sintaxe. As pessoas resolvem problemas em um contexto de tomada de decisões, de dilemas ou situações que admitem várias alternativas, sendo algumas incorretas, outras melhores e uma outra que corresponde à melhor solução no contexto da pergunta ou do problema que se está enfrentando. As pessoas comprometem-se e responsabilizam-se pelo que fazem e pelas circunstâncias, ainda que aleatórias, que caracterizam os seus afazeres. Por isso, para avaliar se uma situação-problema é boa ou não, temos que julgar se a questão pede solução de problemas, na perspectiva das pessoas ou das máquinas. Tratar alguém como máquina é exigir ou esperar que ela seja ou aja como uma máquina, tenha memória de máquina, trate o conhecimento como jogo de informações, trate os cálculos como forma de processar e não como meios para outros fins. Além disso, temos que observar se a questão se expressa em um contexto de dilemas, ou seja, em que a pessoa deve se posicionar, julgar, interpretar? Para isso, temos que verificar se as alternativas coordenam-se com o enunciado e expressam esse espírito de responsabilizar-se pela resposta, julgar e interpretar, diante dos indicadores disponíveis (seja no plano da questão, seja no plano das reflexões ou raciocínio da pessoa que está respondendo à questão). Temos que verificar se a questão nos compromete com uma resposta. E se essa resposta, mesmo que em um contexto artificial, de simulação, como é o caso de uma avaliação escolar, nos projeta para uma situação de vida real em que suas conseqüências seriam prejudiciais para a natureza, para a vida. Uma boa situação-problema, como técnica de avaliação e como concepção de aprendizagem, portanto, deve compor um sistema, ao mesmo tempo, fechado (como um ciclo) e aberto. Fechado no sentido de que convida o aluno a percorrer o seguinte percurso no contexto de cada questão: 1) alteração, 2) perturbação, 3) regulação e 4) tomada de decisão (ou formas de compensação). Aberto, no sentido de que propõe trocas ou elementos de reflexão que transcendem os limites da prova e ilustram, ainda que como fragmentos ou lampejos, algo que será sempre maior e mais importante do que as circunstâncias de uma prova, com todos os seus limites e com toda a precariedade de sua realização.
Alteração
Como mencionado, a situação-problema propõe uma forma de interação do aluno com uma questão a ser resolvida, não como se ele fosse uma máquina, mas uma pessoa.
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Situação-problema, por seu enunciado, cria um contexto que formula uma alteração a ser examinada pelo aluno. O contexto do enunciado expressa-se pela forma e conteúdos de sua proposição. Alteração diz respeito a uma modificação a ser considerada pelo sujeito. As alterações propostas em uma situação-problema, por suposto, são artificiais, por oposição a alterações naturais (tanto no sentido físico, orgânico ou que se expressam nas contingências de nossa vida e do jogo de sua realização). Por ser artificial, a situação-problema simula, recorre, inventa ou cria contextos que favorecem a avaliação ou o julgamento de uma dada questão. Diante de uma alteração, mesmo que artificialmente produzida, podemos ter duas classes de reações. Uma delas expressa-se pela indiferença ou divagação (que impede a compreensão do problema como problema), pelo medo que afasta ou desestimula continuar, pelo sentimento de que não temos recursos ou condições de enfrentar o problema, pelo julgamento de que o problema é irrelevante ou que não faz sentido para nós. Por isso, um conjunto de boas situações-problema deve conter questões fáceis, difíceis ou intermediárias, isto é, deve propor diferentes graus de obstáculo para sua realização. Expressar algo significativo para o sujeito e para o assunto que está sendo objeto de avaliação. A segunda classe de reação a uma alteração refere-se à perturbação ou solução ou neutralização do que foi alterado. No contexto de nossas considerações, só interessa a situação-problema que produz uma alteração e que convida o sujeito a reagir ou agir em face da alteração. Por isso, se a situação-problema produz respostas relativas à primeira classe de reações, ela não é boa para os nossos objetivos. Meirieu, em seu instigante livro em que defende a situação-problema como forma de aprendizagem, propõe que, ao invés de analisarmos uma situação-problema pelo seu grau de dificuldade, a consideremos em termos de obstáculos, ou seja, um obstáculo pode ser grande, médio ou pequeno. Obstáculo refere-se à tomada de decisão do construtor ou do autor do item em propor conteúdos ou situações a serem decididos pelo aluno, que tenham níveis diferentes de obstáculo, ou seja, a dificuldade é do aluno para responder à questão. O obstáculo é a decisão do construtor do item. Há obstáculos que, para certos alunos, são muito difíceis, outros, nem tanto. Em Piaget, na sua teoria da regulação, um conceito, creio, comparável ao de obstáculo seria o de “resistência” do objeto em face do movimento assimilativo do sujeito, ou seja, um sujeito ao se interessar por assimilar um objeto (olhar, pegar, resolver o problema colocado por ele) encontra resistência do objeto.
Perturbação
Uma perturbação expressa o fato de que uma alteração foi assimilada como um problema, pois, caso contrário, seria suficiente dar a resposta. Dessa forma, se alguém me faz uma pergunta e eu sei a resposta e quero fornecê-la a quem me perguntou, então é uma alteração que propõe um mínimo de perturbação, pois não implica o trabalho de buscar soluções, correr riscos, etc. Assimilar uma alteração como um problema é se permitir envolver com a busca ou construção de uma resposta que, no momento, melhor expressa nosso entendimento da questão. A perturbação produz um desequilíbrio, rompe com a harmonia do que o sujeito sabia ou pensava sobre um determinado assunto. Traduz a insuficiência dos nossos recursos para a resposta. Cria ou expressa uma insuficiência dos meios ou das informações. Convida-nos a prestar atenção nas informações dadas no enunciado, a efetuar cálculos, observar, comparar, reunir conhecimentos ou identificar coisas, a fazer ordenações.
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Uma boa perturbação cria uma ruptura que impede o trabalho de recuperação de um todo que foi rompido e que pede reparação. O que fazemos diante de uma perturbação? Como, na alteração, podemos observar duas classes de reação? A primeira delas refere-se a uma forma negativa de reação. O sujeito desiste, irrita-se, sente-se desqualificado para coordenar as informações ou para aproveitar os indicadores ou dicas oferecidas tanto no enunciado quanto nas alternativas de respostas. Na segunda classe de reação, observamos um trabalho de regulação. Uma boa avaliação deve conter questões ou problemas que mobilizem esse tipo de reação às perturbações. No caso de uma prova, essa questão é muito especial porque nos compromete com uma boa proposição de alternativas para a resposta correta
Regulação
Regulação é o que fazemos para recuperar o equilíbrio rompido pela pergunta ou problema proposto. Expressa as formas de compensarmos uma perturbação. Escolher, pelo trabalho da reflexão e de tomada de decisão, a melhor alternativa para uma questão significa realizar uma compensação perfeita, pois recupera o ciclo rompido pela perturbação provocada pela questão. O trecho de Piaget (1975, p. 21), que transcrevo a seguir, sintetiza bem o que pretendi analisar: O ponto mais discutível das minhas teses é o caráter indissociável que eu estabeleço no terreno cognitivo entre as compensações e as construções e foi isso que me fez considerar desejável um estudo sobre os possíveis. Terminaria hoje a minha argumentação do seguinte modo: a) quando uma perturbação considerada como tal intervém no curso das atividades do sujeito, este procura compensá-la; b) mas esta reação compensadora, não se limitaria no plano cognitivo a um simples regresso ao estado anterior, já que a atividade perturbada se torna por isso mesmo perturbável, e que a partir de então há que consolidá-la, o que significa completá-la ou melhorá-la; c) Esta exigência de superação que implica uma abertura antecipadora sobre novos possíveis (mesmo que não intervenha senão sob a forma de tendência, procura ou tateios, sem precisar quais os meios eventuais, é especial no domínio do comportamento, em oposição à homeostasias puramente fisiológicas; d) Desde o início que a reação compensadora cognitiva é orientada para o aperfeiçoamento, o que implica, desde o plano do possível, uma tendência para a construção, já que a atividade perturbada é considerada como perfectível; e) A regulação cognitiva aparece assim nas suas origens como o aperfeiçoamento possível de uma atividade que se insere a si mesma, por isso, num leque mais dilatado dos possíveis; e f) Quanto às atualizações, elas equivalem assim aos processos alfa, beta, gama; alfa: neutralização da perturbação, portanto equilíbrio entre assimilação e acomodação; beta: início de integração da perturbação sob forma de variação no interior do sistema reorganizado, portanto equilibração entre subsistemas; e, gama: antecipação das variações possíveis com o equilíbrio entre as diferenciações e a integração num sistema total. Nestes três casos, a equilibração é “majorante” e portanto construtiva. Jean Piaget (em Inhelder, Garcia, Vonèche, 1976, p. 21) Penso que esse longo texto de Piaget traz-nos considerações muito interessantes ao nosso estudo:
 no terreno cognitivo, compensações e construções têm um caráter indissociável, pois quando uma perturbação intervém no curso das atividades de um sujeito, esse busca compensá-la;
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 a reação compensadora, no plano cognitivo, não consiste em uma volta ao equilíbrio anterior, mas
supõe completar, melhorar ou consolidar algo que ganhou modificação;
 a exigência de superação implica abertura antecipadora sobre novos possíveis (mesmo que ocorra apenas como tendência, procura ou tateios);
 a reação compensadora cognitiva é orientada para o aperfeiçoamento, o que implica escolher, entre os possíveis, o melhor, ou então a construir novos possíveis;
 a atualização, ou seja, a escolha ou a construção do possível, que compensa a perturbação, comporta três processos: alfa, beta ou gama. Alfa corresponde à neutralização da perturbação. Beta: integração da perturbação sobre forma de variação no interior do sistema reorganizado. Gama: antecipação das variações possíveis...
Esse texto de Piaget nos lembra da importância, na avaliação por meio de situação-problema, de que as alternativas sejam muito bem elaboradas. Como sabemos, a prova é elaborada em um contexto em que os itens são montados em um formato de múltipla escolha. O enunciado identifica o problema. Há uma lista de cinco alternativas, das quais apenas uma é correta (distratora). Nesse sentido, eu diria que das cinco alternativas de resposta algumas têm relação apenas “contingencial” ao enunciado. Contingencial, pois, ainda que as respostas possam, em si mesmas, ser verdadeiras, não se aplicam ao contexto do problema, como formulado em seu enunciado. Portanto, as respostas têm, nesse caso, uma relação aleatória com o enunciado, tal como proposto. Outras respostas são “possíveis, mas não suficientes”, ou seja, propõem como solução algo que não preenche todas as necessidades que permitem eliminar o problema (resolução). Por isso, há apenas uma única resposta “possível, necessária e suficiente”, pois é a única que integra, que compensa, ou equilibra a perturbação criada com a proposição. Essa resposta é, por isso, a que melhor articula as duas partes (enunciado e alternativas) que compõem a situação-problema como um todo. Por isso, evitamos no elenco das alternativas afirmações preconceituosas, dicas ou indutores de respostas, “pegadinhas”. Ou seja, o que nos interessa é que o aluno tenha uma relação construtiva com o processo de conhecimento e não um jogo, em que a malícia, a esperteza, etc. ocupem o lugar mais importante. As formas de compensação alfa, beta e gama, mencionadas por Piaget, correspondem, creio, ao que temos chamado nesse trabalho de esquemas de mobilização de recursos aos obstáculos, dificuldades ou problemas relacionados à tarefa e às tomadas de decisão. Alfa, beta e gama são níveis hierárquicos de buscas de solução e formas de compreensão do sujeito ante os problemas de interação com os objetos.
Pode-se interpretar a situação-problema, como a investigamos no Enem, como um problema de coerência. Ou seja, o enunciado cria um problema, uma lacuna, rompe um equilíbrio, pede comparações, etc. Coerência, no sentido, de que a alternativa escolhida seja consistente com o que foi proposto no enunciado. Coerência, no sentido, de que se a alternativa escolhida não for a melhor, entre as indicadas, cria-se uma inconsistência entre o que o aluno escolheu e o que o problema colocou como questão. É certo que se pode interpretar assim. Mas, apoiado em Piaget, quero lembrar que há dois sentidos para a coerência: como contradição lógica ou como busca de “reorganizações inovadoras”. No caso do Enem, é o segundo sentido que interessa valorizar no contexto e limites de nossa prova. Transcrevo, abaixo, o texto de Piaget, pois penso que é
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importante para nossas reflexões. [...] quando Novinski nos diz que o único motivo invocado para explicar o porquê dos progressos do conhecimento é a coerência, receio que ele me tenha compreendido mal e que tenha reduzido esta coerência tão-só à não-contradição lógica. Ora, a coerência pode ter dois sentidos. É, em última análise, a coerência interna das idéias num sistema já construído. Mas é, antes de mais, e essencialmente, a coerência em relação ao que surge de inesperado na experiência nova de cada dia, isto é, perturbações que introduzem incoerências e conduzem a reorganizações que são, então, efetivamente inovadoras. Quando procuro o porquê do progresso na necessidade e na busca da coerência, penso bem entendido, na formação das compensações. Isso significa que as perturbações e as reconstruções que elas arrastam são um fator fundamental na evolução e no progresso dos conhecimentos. Quando no meu parágrafo 13 falo das condutas alfa, beta e gama quer dizer, da perturbação, primeiro simplesmente neutralizada, em seguida, parcialmente incorporada no sistema o que produz um deslocamento de equilíbrio e, finalmente, completamente integrada a título de variação interna do sistema, parece-me que aí reside um fator fundamental que descreve o porquê do progresso. E se me responder que se trata ainda do “como” e não do “porquê”, responderei que se o sujeito acaba por integrar as perturbações exteriores no sistema interno a título de variações intrínsecas e dedutíveis é porque ele é um sujeito ativo e não se limita a registrar, mas procura coordenar, assimilar, reconstruir, etc. É nessa direção que é preciso procurar as soluções, e, repito, novas investigações, sobre a construção dos possíveis, estão já em curso. Jean Piaget (em Inhelder, Garcia, Vonèche, 1976, p. 55) Finalmente, a regulação, por seu próprio nome, corresponde também a um modo de agir em um contexto de regras. No caso da prova do Enem, por exemplo, poderíamos listar muitas regras a serem aplicadas e consideradas, seja para a produção da prova, para sua realização, avaliação e, sobretudo, para suas implicações na vida “lá fora”. 1.3 Propostas para pensar sobre situações-problema a partir do Enem
Lino de Macedo
Situação-problema 1
Analisar as provas (1998 e 1999) do Enem na perspectiva das competências transversais. Como os itens foram propostos? O que poderia ser melhorado ou modificado no sentido de um uso mais preciso das competências transversais referidas? A articulação entre os enunciados dos itens e o elenco das alternativas propostas como resposta era adequada, ante as competências transversais solicitadas na tarefa? As tarefas indicadas, em cada item, estavam claras, do ponto de vista de se avaliar as competências transversais referidas? Os obstáculos (no sentido indicado por Meirieu) propostos nos itens convidavam o aluno a pensar mais e melhor sobre o tema proposto, a aprender alguma coisa, mesmo que em uma situação de prova? Os itens desafiavam os alunos a tomar decisões (relativas à escolha da alternativa julgada correta, às operações que possibilitavam interpretar os dados ou produzirem indicadores para as inferências, a serem feitas e a serem utilizadas para a tomada de decisão, quanto à escolha da alternativa a ser assumida como correta)? Os itens, pelos obstáculos propostos, desafiavam os alunos a mobilizarem seus recursos e a aproveitarem os recursos fornecidos no contexto das questões?
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Apoiado na análise, sugerida no item anterior, escreva um pequeno comentário criticando as provas (ao menos quanto aos itens mais relacionados com a Competência III), no sentido positivo (correção do item na perspectiva dos objetivos ou metas estabelecidas para a prova) ou negativo (aspectos a serem corrigidos ou melhorados). Junto com seu(s) colega(s) e considerando a área de conhecimento em que atua(m) faça, como exercício, um item, aplicando – com rigor, mas de forma tolerante e lúdica – o conhecimento produzido no contexto das duas tarefas anteriores.
Situação-problema 2
Discuta ou reflita sobre as habilidades relacionadas com a Competência III articulando as competências transversais com as competências relativas às áreas de conhecimento indicadas em cada uma das habilidades. Indique as tarefas a serem realizadas no contexto das habilidades. Por exemplo, para “analisar “ fatores socioeconômicos e ambientais associados ao desenvolvimento, às condições de vida e saúde de populações humanas, por meio da interpretação de diferentes indicadores” (Habilidade 12), quais são as tarefas que o aluno deve realizar em uma dada situação-problema? Essas tarefas são possíveis de serem realizadas, pelo aluno, do ponto do espaço e do tempo escolares que ele dispõe? Quais são as competências transversais requeridas pela situação-problema escolhida ou proposta pelo professor? Quais os obstáculos propostos na situação-problema, ou seja, o que os alunos devem aprender ou aprofundar para realizarem a tarefa? Tome um assunto trabalhado em sala de aula e o transforme na perspectiva de uma situação-problema e do desenvolvimento ou aprendizagem das competências transversais requeridas para sua realização. Além disso, defina, selecione, organize, dê prioridade aos conteúdos disciplinares (informações, conceitos, etc.) essenciais para a realização da tarefa. Considere, igualmente, o espaço (nele incluído os objetos, recursos materiais, etc.) a ser aberto para possibilitar a realização da tarefa, bem como o tempo (metas, duração e seqüência das tarefas, custos, etc.) exigido para uma boa realização do que está sendo proposto. Considere, também, o produto esperado e como tudo isso será avaliado: qual o valor, a referência para cada um dos aspectos mencionados? O que deve ser regulado, isto é, confirmado, corrigido, ampliado, modificado ou reduzido em favor da realização da tarefa?
Situação-problema 3
Estender a lista das competências transversais requeridas nas tarefas escolares e aprofundar a compreensão de seu sentido e do quanto a escola (em termos de currículo, materiais, recursos e formação docente, por exemplo) investe em seu desenvolvimento. O objetivo dessa proposta é convidar os professores a focalizarem-se nas competências transversais e aprenderem a analisar uma tarefa na perspectiva do desenvolvimento dessas competências. Espera, além disso, que os professores consigam, pouco a pouco, encontrar, do ponto de vista didático, um modo de tratarem a “pedagogia das situações-problema” nos termos defendidos, por exemplo, por Meirieu. Ou seja, que a situação-problema expresse um conjunto de estratégias de ensino que articula, de forma interdependente, a pedagogia das respostas com a pedagogia dos problemas.
Pedagogia das respostas no sentido de que, como uma tarefa a ser realizada pelo aluno, tenha compromissos com um produto ou trabalho, encaixado no espaço ou tempo de sua construção, e que possa ser avaliada na perspectiva das referências que lhe deram sentido e que animaram sua criação. Pedagogia das
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perguntas no sentido de que se trata de uma tarefa que pede uma maior extensão, aprofundamento ou aperfeiçoamento das competências ou conhecimentos atuais dos alunos. Porque a tarefa foi proposta desafiando o aluno a observar e a construir novas respostas e não apenas para reconhecer ou exercitar respostas já conhecidas. Porque é, tanto quanto possível, surpreendente, emancipadora e comprometida com o desenvolvimento do aluno para além dos limites da própria escola. 1.4 Interdisciplinaridade e contextuação*
Nílson José Machado
Introdução: a escola e as disciplinas
Em sua forma paradigmática, a organização do trabalho escolar nos diversos níveis de ensino baseia-se na constituição de disciplinas, que se estruturam de modo relativamente independente, com um mínimo de interação intencional e institucionalizada. Tais disciplinas passam a constituir verdadeiros canais de comunicação entre a escola e a realidade, a tal ponto que, quando ocorrem reformulações ou atualizações curriculares, a ausência de novas disciplinas ou de alterações substantivas nos conteúdos das que já existem‚ é freqüentemente interpretada como indício de parcas mudanças. De modo análogo, amparadas em argumentos que acolhem de maneira às vezes acrítica a necessidade presumida de sintonia escolavida, surgem de quando em quando no cenário escolar novas disciplinas – ou pseudodisciplinas – como Educação Sexual, Educação Moral e Cívica, Matemática Financeira, Estudo de Problemas Brasileiros, Resolução de Problemas, Construções Geométricas, etc, quase sempre desprovidas dos elementos mínimos que garantem a um assunto o estatuto e a dignidade disciplinar. Nesses casos, a despeito da eventual relevância dos temas considerados, tão logo ocorre um distanciamento mínimo das circunstâncias geradoras da aparência de necessidade, desfaz-se o brilho fugaz de alguns de tais simulacros, deslocando-se as pretensões disciplinares para outros temas mais candentes em contextos emergentes.
Interdisciplinaridade: consenso
Já há algum tempo, no entanto, “interdisciplinaridade” tem sido uma palavra-chave na discussão da forma de organização do trabalho escolar. Dois fatos parecem estar diretamente relacionados com tal emergência. Em primeiro lugar, uma fragmentação crescente dos objetos do conhecimento nas diversas áreas, sem a contrapartida do incremento de uma visão de conjunto do saber instituído tem-se revelado crescentemente desorientadora, conduzindo certas especializações a um fechamento no discurso que constitui um óbice na comunicação e na ação. Em segundo lugar, parece cada vez mais difícil o enquadramento de fenômenos que ocorrem fora da escola no âmbito de uma única disciplina. Hoje, a Física e a Química esmiúçam a estrutura da matéria; a entropia é um conceito fundamental na Termodinâmica, na Biologia e na Matemática da Comunicação; a Língua e a Matemática entrelaçam-se nos jornais diários; a propaganda evidencia a flexibilidade das fronteiras entre a Psicologia e a Sociologia, são apenas alguns exemplos.
Em conseqüência, a idéia de interdisciplinaridade tende a transformar-se em bandeira aglutinadora na
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busca de uma visão sintética, de uma reconstrução da unidade perdida, da interação e da complementaridade nas ações, envolvendo diferentes disciplinas.
Interdisciplinaridade: obstáculos
Este aparente consenso não deve, no entanto, minimizar certas dificuldades renitentes na abordagem da interdisciplinaridade e que podem explicar, em parte, resultados tão pouco expressivos nas ações docentes,. Roland Barthes, em O Rumor da Língua (1988), apreendeu com muita perspicácia algumas dessas dificuldades, ao afirmar: O interdisciplinar de que tanto se fala não está em confrontar disciplinas já constituídas das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar-se. Para se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um “assunto” (um tema) e convocar em torno duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém. O texto é, creio eu, um desses objetos (p. 99). De fato, o confrontamento de docentes que não consentem em abandonar seus objetos e pontos de vista, ou a fixação de um tema gerador em torno do qual borboletearão as diversas disciplinas pode ser a caracterização mais freqüente, ainda que simplificada, das tentativas de implementação de ações interdisciplinares, e isso parece claramente insuficiente. A solidariedade e as concessões necessárias para a constituição de um novo objeto ainda não são bastantes. Também é muito freqüente o fato de que tão logo dois temas estabelecem um mínimo de relações fecundas e promissoras, na própria ante-sala de um trabalho interdisciplinar surge a pretensão de erigir uma nova disciplina, uma nova área do conhecimento, uma nova “ciência”, o que passa a consumir esforços e energias dos “militantes”, engajados na tarefa de estatuir a natureza do novo campo, de caracterizar seu espaço de atuação. Por paradoxal que pareça, nesses casos, em vez de a aproximação entre os dois temas favorecer a interdisciplinaridade, geralmente dificulta-a. É possível mesmo que conduza mais facilmente à negação dos interesses comuns, como um recurso para a auto-afirmação do que poderá vir a ser uma nova “disciplina”, do que a uma colaboração pura e simples. Exemplos de tais situações estão presentes em maior ou menor grau na criação de áreas disciplinares como Psicopedagogia, Psicossociologia ou ainda, na confluência de dois temas fundamentais como Ética e Biologia (Bioética), ou Educação e Matemática (Educação Matemática).
Interdisciplinaridade: sistemas filosóficos
Parece-nos, que uma questão relevante, tem permanecido ao largo ou sido insuficientemente explorada quando se analisa a interdisciplinaridade: trata-se do fato de que toda organização disciplinar é resultante de uma reflexão mais abrangente, de natureza epistemológica, no interior de um sistema filosófico que prefigura, em grandes linhas, o tom e a cor de cada componente.
Nenhum filósofo que tenha efetivamente considerado a questão do conhecimento em sentido amplo, das formulações teóricas às ações educacionais mais incisivas, logrou escapar de algum tipo de classificação das ciências. Isoladamente, cada disciplina expressa relativamente pouco e é de interesse apenas de especialistas; no corpo sintético de uma classificação, amparadas em ordenações e posições relativas, expressam seguramente muito mais. Para explicitar este fato, bastaria considerar o significado da Matemática no seio do Trivium (Lógica, Gramática, Retórica) e do Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia, Música), na formação do homem grego, ou sua insipidez na maior parte dos currículos atuais.
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Ainda que tal fato pareça consensual, a parcimônia com a interdependência disciplina/ sistema com que tem sido tratada, sugere a necessidade de uma exploração um pouco mais detida.
A ordenação comteana
Consideremos, por exemplo, a concepção comteana da ordenação das Ciências (Comte, 1844). Em tal sistema (positivista), as seis ciências fundamentais seriam a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Biologia e a Sociologia. Nas palavras de Comte, “a primeira necessariamente o ponto de partida exclusivo e a última o fim único e essencial”. Ainda segundo Comte, [...] o conjunto desta fórmula enciclopédica, exatamente conforme as verdadeiras afinidades dos estudos correspondentes ... permite enfim a cada inteligência renovar à sua vontade a história geral do espírito positivo, ao passar, de modo quase insensível, das mais insignificantes idéias matemáticas aos mais altos pensamentos sociais. Naturalmente, ao privilegiar o papel da Matemática do modo como o faz, tal concepção determina em grande parte a natureza das relações que podem ser estabelecidas entre esta disciplina e as demais, na estruturação curricular, delimitando as possibilidades de um trabalho interdisciplinar. Apesar de ter sido ultrapassada rapidamente pelo próprio desenvolvimento das ciências constituídas, ocorrido ou prenunciado no final do século 19, a classificação comteana permanece sendo um referencial importante pelo menos por dois motivos: além de ser um exemplo bastante nítido do modo como a ordenação e a valorização das disciplinas são tributárias de um sistema filosófico, o esquema comteano é a fonte básica de inspiração, ao que tudo indica, da classificação proposta por Piaget, cujo pensamento permanece vigoroso e influente, em seu Círculo das Ciências (Piaget, 1978).
O círculo piagetiano
Na apresentação de sua Epistemologia Genética, Piaget pretende fundar uma teoria do conhecimento científico que conduza, parafraseando Comte, “das mais elementares atividades psicofisiológicas do sujeito aos mais altos pensamentos científicos”. Considera, então, os principais ramos da ciência constituindo uma série não-linear, cíclica, fechada sobre si mesma. No entanto, há um ponto de partida, e este é, sintomaticamente, a Matemática e a Lógica, que Piaget tem como inextricavelmente ligadas. Seguem-se a Física, a Biologia, e por último, a Psicologia Experimental e a Sociologia, que são unificadas com o nome de Psicossociologia. A partir daí, um grande aparato conceitual é arquitetado, tendo em vista a justificação do encadeamento circular, explicitando-se o modo como a Física reduzir-se-ia à Matemática, à Biologia à Física, à Psicossociologia à Biologia, e centrando as baterias nas relações mútuas entre a Psicossociologia e a Matemática, o que conduziria ao fechamento do círculo. Não obstante o fato de o círculo piagetiano ter características mais plausíveis do que as da hierarquia comteana, ele apenas disfarça a linearidade que pretendia ultrapassar. E o privilégio de uma particular concepção de Matemática, situada inteiramente no âmbito dos objetos e procedimentos da Lógica Formal, sinaliza no sentido de certo tipo de articulação disciplinar, muito mais próxima da de Comte do que, por exemplo, da que resulta da imagem cartesiana da árvore do conhecimento.
A árvore cartesiana
Descartes concebia alegoricamente o conhecimento como uma grande árvore, com as raízes na Metafísica (englobando o pensamento religioso), tendo como tronco a Física (ou seja, a Filosofia Natural), e
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sendo formada por múltiplos ramos, como a Astronomia, a Medicina, etc. A Matemática não era considerada um dos ramos do conhecimento, mas a condição de possibilidade do conhecimento, em qualquer ramo, como a seiva que percorre e alimenta todo o organismo representado. À Língua, não era atribuído qualquer papel de relevo na árvore do conhecimento. Sem dúvida, trata-se de uma função vital, excepcionalmente privilegiada, a que é atribuída à Matemática na concepção cartesiana; no entanto, tal privilégio difere significativamente do que corresponde à cadeia linear comteana ou ao círculo piagetiano, na medida em que, por exemplo, a Matemática não se caracteriza como um conteúdo em si mesmo. Ainda que “aplicável” aos diversos temas, o é como um sistema de representação, com características de uma linguagem especial. Tal concepção conduz, naturalmente, ao estabelecimento de diferentes relações interdisciplinares, onde a Matemática não disputa o espaço curricular com as outras disciplinas, mas pretende-se instaurar como a linguagem do conhecimento, contrapondo, supostamente, características como clareza, precisão, monossemia à sinuosidade, à ambigüidade, e à pretensa falta de rigor associadas à língua corrente. A despeito do caráter premonitório de muitas de suas concepções, pode-se associar a Descartes uma simplificação exagerada na compreensão das funções da língua corrente, em razão, talvez, do equacionamento equivocado das relações entre a Língua e a Matemática. É possível conjecturar sobre o fato de que Piaget teria padecido do mesmo mal.
Contrapontos a Descartes
O pensamento cartesiano teve grande influência no desenvolvimento científico e, de modo geral, na cultura ocidental, permanecendo como uma referência fundamental em qualquer mapeamento que se intente. Não obstante, nem de longe sua estruturação das ciências pontificou isoladamente. Já no século 18, obras como as de Vico ou Condillac apontam em direções significativamente distintas, sobretudo no que se refere à compreensão da importância da língua. No mesmo sentido, destaque-se ainda o monumental trabalho dos enciclopedistas franceses, corporificado da Enciclopédia, ou Dicionário Raciocinado das Ciências, das Artes e dos Ofícios por uma Sociedade de Letrados. Em seu Discurso Preliminar, redigido por D‟Alembert e Diderot, a Enciclopédia considera o entendimento constituído por três grandes raízes – memória, razão e imaginação –, situando no cerne de cada uma delas uma disciplina básica: História, Filosofia e Poesia, respectivamente. Em tal esquematização, a Lógica ocupa uma posição de destaque, englobando as funções da língua, enquanto a Matemática situa-se bem mais discretamente, no terreno das ciências naturais. Em decorrência, em uma configuração curricular derivada de tal sistema, as possibilidades de um trabalho interdisciplinar parecem amplificadas, não tanto pelo valor intrínseco das relações estabelecidas quanto pelo abandono de certas configurações disciplinares, com características de verdadeiros preconceitos.
Síntese provisória: disciplinas x sistemas
Não é o caso de alongarmos essa digressão mais do que já o fizemos, sobre diferentes sistematizações da totalidade do conhecimento; também não é o caso, naturalmente, de proceder- se a uma escolha do sistema mais interessante, segundo o critério X ou o critério Y. A finalidade única do que foi exposto esgota-se na tentativa de
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explicitação do fato inicialmente referido: o significado curricular de cada disciplina não pode resultar de uma apreciação isolada de seu conteúdo, mas sim do modo como se articulam as disciplinas em seu conjunto; tal articulação é sempre tributária de uma sistematização filosófica mais abrangente, cujos princípios norteadores é necessário reconhecer. A possibilidade de um trabalho interdisciplinar fecundo depende de tal reconhecimento, especialmente no que se refere à própria concepção de conhecimento, bem como de uma visão geral do modo pelo qual as disciplinas articulam-se, internamente e entre si. No cenário atual, a utilização cada vez mais intensiva das tecnologias informáticas no terreno educacional situa no centro das atenções a necessidade de buscar-se novas formas de organização do trabalho escolar. A idéia de rede cresce continuamente em importância, tanto em sentido literal, associada às redes de computadores, como a Internet, quanto em sentido figurado, como imagem para representar o conhecimento. Certamente, hoje, tácita ou explicitamente, as redes configuram uma moldura sem a qual não se pode compreender como se conhece, não se pode conhecer o conhecimento. Pode não se tratar exatamente do núcleo de um novo “sistema filosófico”, mas a influência das redes encontra-se em toda parte e a própria idéia de interdisciplinaridade encontra-se diretamente associada a tal idéia. Comentaremos brevemente esses pontos, no que se segue.
Conhecimento: construtibilidade
O debate em torno da concepção de conhecimento, da natureza dos processos cognitivos, em busca de uma orientação para a prática docente, apesar de fundamental para a emergência de um trabalho interdisciplinar, tem-se concentrado em um ponto ilusoriamente importante: a questão da construtibilidade. De fato, o deslocamento das atenções de um eixo, onde se destacavam as idéias de consciência como um balde vazio a ser preenchido ou como um holofote a focalizar o tema em exame, para outro, onde ocupa posição de relevo a contraposição entre a existência de elementos inatos ou a total construtibilidade do conhecimento, foi fecundo e ainda permanece alimentando interessantes pesquisas. Nesse sentido, o debate entre o construtivismo de Piaget e o inatismo de Chomsky, organizado pelo “Centre Royaumont pour une science de l‟homme” (1975) e competentemente transformado em livro por Piatelli-Palmarini (1983), teve grande importância teórica, podendo, no entanto, ser interpretado como um indício de que todos, incluindo-se Chomsky, são construtivistas. De fato, a idéia de que o conhecimento é algo que se constrói, sobretudo a partir do que as crianças já sabem, é de uma banalidade tal que não mereceria maiores comentários, se não fosse, como costuma ser, repetida tantas vezes, com seriedade e circunspeção, como se se tratasse do registro de algo absolutamente novo e alvissareiro. A questão fundamental do debate supra-referido não era essa, mas sim a da existência ou não, na ontogênese do conhecimento, de uma estrutura inicial inata; Chomsky diria que sim, enquanto Piaget nega peremptoriamente a existência de tais estruturas, estabelecendo que inato seria apenas o “funcionamento geral da inteligência”. A partir daí, ambos concordam em que, por diferentes percursos, o conhecimento deve ser construído por meio das ações e das interações com o meio.
Piaget e Chomsky: enquanto o primeiro postula certo isomorfismo entre a estruturação das ações e a estruturação do raciocínio lógico dos indivíduos, o segundo atribui às ações o papel de “chave de ignição” dos
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processos cognitivos. Para Chomsky, portanto, as ações/interações são fundamentais para “dar a partida”, mas tal como inexistem semelhanças estruturais entre o motor de partida e o motor à explosão, em um automóvel, não existiria qualquer relação analógica entre a estruturação das ações e os processos mentais. “ Em parte, em razão do debate citado, hoje não parecem existir mais não-construtivistas. E como a ausência de sombra também pode dificultar a visão, diminuiu bastante a nitidez na caracterização do construtivismo em seus inúmeros matizes. Insistimos, no entanto, em que a construtibilidade, ou não, não é mais a questão a ser discutida: o modo como o conhecimento se constrói é a verdadeira questão. E a palavra-chave para uma reflexão conseqüente sobre o tal tema é o encadeamento, ou a linearidade.”
Conhecimento: imagens
A concepção de conhecimento costuma estar associada, implícita ou explicitamente, a uma imagem metafórica que, em grande parte, determina o papel das disciplinas e organiza as ações docentes, como o planejamento, a avaliação. Durante um tempo, a produção do conhecimento esteve associada à imagem de “encher o balde”. Os alunos seriam tal recipientes vazios e aos professores caberia “dar a matéria” para “encher o balde”. Hoje, não há mais defensores dessa imagem simplória, mas, por vezes, as ações docentes permaneçam dessa forma. Apenas para ilustrar: a concepção da avaliação como um processo de medida em sentido físico ou matemático é inteiramente compatível com a imagem do enchimento do balde, embora não faça o menor sentido em um contexto de construção do conhecimento. De modo geral, a imagem dominante para a construção do conhecimento está associada às idéias cartesianas apresentadas em 1637, no livro Discurso do Método. Nesse trabalho, que viria a influenciar profundamente todo o pensamento ocidental, Descartes propõe que, diante de uma grande dificuldade, em termos cognitivos, deve-se decompô-la, subdividi-la em partes cada vez mais “simples”, até chegar-se a “idéias claras e distintas”. Depois da fragmentação, para reconstituir o objeto de estudo, o caminho é o encadeamento lógico, do simples para o complexo, articulando-se as partes por meio de esquemas do tipo “se A, então B”, “se B, então C”, e assim por diante. Conhecer estaria associado, então, a encadear, e a cadeia é a imagem forte para o conhecimento que predominará no cenário ocidental, sendo inclusive “exportada” do universo da Ciência para o do trabalho, quando o taylorismo, e posteriormente, o fordismo aí se instalaram. Palavras-chave que decorrem dessa imagem são: ordem necessária para os estudos, pré-requisitos, seriação, ordenação ou encadeamento linear. Tais idéias permanecem dominantes no cenário educacional em seus diversos níveis, e o modo excessivamente rígido com que, às vezes, são consideradas, encontra-se na raiz de grande parte dos números desconfortáveis associados à repetência ou à evasão escolar.
Conhecimento: linearidade
De modo geral, a organização linear perpassa o conjunto das disciplinas escolares, embora seja especialmente aguda no caso da Matemática. Aqui, talvez em conseqüência de uma associação direta entre a linearidade e o formalismo, entendido como a organização dos conteúdos curriculares sob a forma explícita ou
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disfarçada de teorias formais, parece certo e indiscutível que existe uma ordem necessária para a apresentação dos diversos assuntos, sendo a ruptura da cadeia fatal para a aprendizagem. A característica mais marcante de tal organização é a fixação de uma cadeia linear de marcos temáticos que devem ser percorridos seqüencialmente, expressando passos necessários no caminho do que se julga mais simples até o mais complexo. Se a cadeia for, digamos, A B então a não-abordagem do tema G impossibilitaria o tratamento do tema X, retendo-se o aluno no ponto G até que o mesmo seja aprendido. Apesar de multiplicarem- se os exemplos de casos em que, por exemplo, o conhecimento de S favoreceu o conhecimento de X, ou de que o conhecimento de X é possível sem o perfeito conhecimento de G, a linearidade, como um dogma, nunca parece ser posta em questão. Existem, obviamente, etapas necessárias a serem cumpridas antes que outras advenham: por exemplo, não se poder ensinar os algoritmos usuais das operações básicas a quem ainda não aprendeu a representar os números no sistema de numeração posicional. Entretanto, limitações desse tipo são excessivamente óbvias e claramente insuficientes para condicionar tão fortemente os programas, já aprisionados nas costumeiras seriações. Por exemplo, o fato de na quase totalidade dos livros didáticos a demonstração do Teorema de Pitágoras utilizar-se da noção de Semelhança de Triângulos não significa, como se poderia pretender, que tal noção deve ser ensinada antes da apresentação do referido teorema. Na verdade, a própria noção de Semelhança pode ser apresentada ou motivada a partir do Teorema de Pitágoras, cuja demonstração pode ser apresentada de múltiplas formas, praticamente sem pré-requisitos formais. Quando se planeja o trabalho anual nas diversas disciplinas, é muito difícil escapar-se de determinações resultantes da pressuposição da existência de uma ordem linear necessária para a apresentação dos conteúdos, tanto no interior de cada disciplina quanto no estabelecimento de relações entre as diferentes disciplinas. É célebre uma querela desse tipo no relacionamento entre a Física e a Matemática nos vários níveis de ensino: sem ter estudado funções, não se poderia estudar cinemática; sem saber o que é derivada, não se poderia compreender a idéia de velocidade ou de reta tangente; sem a integral, não se poderia calcular áreas... etc. Afirmações como essas constituem sempre meias-verdades – ou meias-mentiras. Com igual pertinência, poder-se-ia afirmar, dependendo do contexto, que nunca compreenderá o significado da integral quem não souber calcular áreas (ainda que de retângulos), nunca saberá o que é derivada quem não conhecer a noção de rapidez, de taxa de variação, ou de velocidade (ainda que constante). No caso específico das relações entre a Matemática e a Física, a questão da precedência do que deve ser ensinado assemelha-se bastante a uma outra de mesma estirpe que se pode formular com relação ao par ovo/galinha. Na verdade, é necessário refletir com mais vagar sobre tais ordenações, examinando criticamente sua contingência ou seu caráter necessário, que parece estar restrito a situações não muito numerosas, nem de longe justificando a rigidez das seriações e das retenções que são juradas em seu nome. Uma concepção de conhecimento em que tais cadeias lineares sejam substituídas, tanto nas relações interdisciplinares quanto no interior das diversas disciplinas, pela imagem metafórica de uma rede, de uma teia de significações, poderia, a nosso ver, contribuir decisivamente para a viabilização do necessário trabalho interdisciplinar.
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Conhecimento: a imagem da rede
Esta nos parece ser a chave para a emergência, na escola ou na pesquisa, de um trabalho verdadeiramente interdisciplinar: a idéia de que conhecer é cada vez mais conhecer o significado, de que o significado de A constrói-se por meio das múltiplas relações que podem ser estabelecidas entre A e B, C, D, E, X, T, G, K, W, etc., estejam ou não as fontes de relações no âmbito da disciplina que se estuda. Insistimos: não se pode pretender conhecer A para, então, poder-se conhecer B ou C, ou X, ou Z, mas o conhecimento de A, a construção do significado de A faz-se a partir das relações que podem ser estabelecidas entre A e B, C, X, G, ... e o resto do mundo. Para que a imagem do conhecimento como uma rede de significações, possa ser mais aproximada de ações docentes como planejar ou avaliar, sublinharemos mais detidamente algumas características da referida imagem. O “acentrismo” é uma de suas características fundadoras: em outras palavras, redes de significações não têm um centro. Na verdade, as próprias redes informáticas, quando foram criadas, há cerca de 30 anos, visavam à construção de um sistema acentrado, onde as informações pudessem circular entre os diversos “nós” sem a necessidade de uma irradiação central. Por mais desconcertante que pareça a um olhar cartesiano, a rede de significados não tem centro, ou tem múltiplos centros... de interesse. Dependendo dos olhares e dos contextos, o centro pode estar em qualquer parte. Não são centros endógenos, mas centros de interesse. Ainda que os livros didáticos, muitas vezes, cristalizem certos percursos, certos focos de atenção, é possível “entrar na rede” de significações que representa (e é representada) pelo conhecimento por múltiplas portas, com diferentes características. É o professor, juntamente com seus alunos, com suas circunstâncias, que elege ou reconhece o centro de interesses e o transforma em instrumento para enredar na teia maior de significações relevantes. A “metamorfose”, ou o permanente estado de atualização, é outra característica fundamental das redes. Um significado nunca está definitivamente construído. O feixe de relações que o constitui transforma-se continuamente, incorporando novas relações ou depurando-se de outras, que se tornam menos expressivas. O significado dos logaritmos, por exemplo, transformou- se substancialmente do século 17 até os dias de hoje. Relações fundadoras, como a da simplificação nos cálculos, perderam importância, ascendendo outras, como as que se referem ao estudo de fenômenos que envolvem crescimento ou decrescimento “exponencial”, como fenômenos radioativos, ou relativos ao crescimento de populações. Não se trata, no entanto, de uma transformação aleatória, ou caleidoscópica. Algum sentido pode ser associado às mudanças, e para isso é fundamental o recurso à História. A metamorfose, como uma característica das redes de significações, constitui um argumento decisivo para destacar a importância da História para o ensino de qualquer tema, tanto a História em sentido pleno quanto a história da disciplina que se pretende ensinar. Destaquemos agora a “heterogeneidade”, uma característica das redes diretamente associada à idéia de interdisciplinaridade. De fato, os nós/significações que compõem a rede são constituídos por relações heterogêneas, quando se pensa na natureza disciplinar das mesmas. Cada feixe envolve naturalmente relações que se situam no âmbito de diferentes disciplinas.
Quase nada de relevante, que não seja de interesse apenas de “especialistas” em sentido estrito, pode ser estudado sem a compreensão do caráter essencial dessa heterogeneidade. Claro que um professor de Matemática,
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pode construir a idéia de semelhança restringindos e apenas ao estudo dos casos de semelhança de triângulos, no âmbito apenas da Matemática. Isso, no entanto, sempre constituirá uma simplificação que acarreta um empobrecimento no significado que se constrói. A idéia de semelhança pode ser diretamente associada a temas como Geografia (construção de escalas e mapas), Biologia (proporções no corpo humano nas diversas fases da vida), Fotografia (ampliações ou reduções), entre outros. Considerando-se a função primordial da educação básica, que é a construção da cidadania, raros são os conceitos realmente significativos que não envolvem naturalmente relações referentes a diversas disciplinas. A imagem da rede constitui, portanto, um permanente convite à exploração das possibilidades que tal característica sublinha. A rede e as disciplinas: De modo algum a concepção do conhecimento como uma rede de significações implica a eliminação ou mesmo a diminuição da importância das disciplinas. Na construção do conhecimento, sempre serão necessários disciplina, ordenação, procedimentos algorítmicos, ainda que tais elementos não bastem, isoladamente ou em conjunto, para compor uma imagem adequada dos processos cognitivos. Afirmar-se, no entanto, que os procedimentos algorítmicos não esgotam os processos cognitivos não significa que tais procedimentos possam ser dispensados. Numa analogia com os relacionamentos funcionais no estudo dos fenômenos naturais, é tão verdadeiro que nem todos os fenômenos podem ser expressos por funções lineares quanto o é que nenhum fenômeno pode ser funcionalmente descrito sem referência aos processos lineares. No que tange às disciplinas, por mais que se pretenda valorizar a imagem alegórica da teia de significações, a ser desenvolvida de modo contínuo e permanente a partir da proto-teia que todos aportamos à escola, sempre será necessário um mapeamento para ordenar e orientar os caminhos a seguir, sobre a teia. Literal e metaforicamente, para navegar na rede é preciso ter-se um um projeto, um rumo e um mapa na mão. O quadro de disciplinas desempenha sempre o papel de um mapeamento da rede. A rede, portanto, não subestima o papel das disciplinas e, em múltiplos sentidos, a escola será sempre um espaço propício ao trabalho disciplinar. Entretanto, as tentativas de equacionamento do referido trabalho têm-se concentrado exclusivamente em uma de suas duas e imprescindíveis dimensões: o eixo multidisciplinar/interdisciplinar. A outra dimensão, o eixo intradisciplinar/transdisciplinar, tem sido rotineiramente subestimada ou esquecida. Registremos aqui, sucintamente, algumas considerações a respeito.
Interdisciplinaridade/transdisciplinaridade
O trabalho na escola é naturalmente multidisciplinar, no sentido de que faz apelo ao contributo de diferentes disciplinas. Na multidisciplinaridade, os objetivos próprios de cada disciplina são preservados, conservando-se sua autonomia, seus objetos particulares, sendo tênues as articulações entre as mesmas. A interdisciplinaridade é hoje uma palavra-chave para a organização escolar. O que se busca com isso é o estabelecimento de uma intercomunicação efetiva entre as disciplinas, por meio do enriquecimento das relações entre elas. Almeja-se a composição de um objeto comum, por meio dos objetos particulares de cada uma das disciplinas componentes.
No eixo multi/interdisciplinar, as unidades disciplinares são mantidas, tanto no que se refere aos
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métodos quanto aos objetos, sendo a horizontalidade a característica básica das relações estabelecidas. Já no eixo intra/transdisciplinar, a característica básica das relações estabelecidas é a verticalidade. Na intradisciplinaridade, as progressivas particularizações do objeto de uma disciplina dão origem a uma ou mais subdisciplinas, que não chegam verdadeiramente a deter uma autonomia nem no que se refere ao método nem quanto ao objeto. No caso da transdisciplinaridade, a constituição de um novo objeto dá-se em um movimento ascendente, de generalização. A Educação é um tema naturalmente transdisciplinar. Assim, muito do que se pretende instaurar na escola sob o rótulo da interdisciplinaridade, poderia situar-se de modo mais pertinente sob o signo da transdisciplinaridade. O que se busca, efetivamente, é uma ampliação nos objetos e nos objetivos dos estudos, em um movimento de complementação e compensação da progressiva fragmentação a que o desenvolvimento da Ciência tem sistematicamente conduzido. A transformação dos objetos mais abrangentes em meros conteúdos de novas macrodisciplinas pode ser um caminho que conduz a parte alguma: o que verdadeiramente importa é o deslocamento das atenções das disciplinas para as pessoas.
Transdisciplinaridade: pessoas
No cerne da idéia de transdisciplinaridade está o fato de que, na organização do trabalho escolar, as pessoas, e não os objetos ou os objetivos disciplinares deveriam estar no centro das atenções. É preciso ir além das disciplinas, situando o conhecimento a serviço dos projetos das pessoas. A função precípua da escola básica é a formação da cidadania e não a formação de especialistas em qualquer das disciplinas. Um professor de Matemática, por exemplo, que busca interessar um aluno pela sua matéria argumentando em termos da beleza intrínseca do tema, de sua exatidão, de seu rigor, da sofisticação de seus raciocínios, pode estar despertando esporadicamente uma ou outra vocação, mas, de modo geral, não age de modo plenamente adequado. Os alunos precisam ser estimulados para estudar a matéria em função de seus interesses, de seus projetos. Ainda que deva buscar convencer a todos sobre a importância de se estudar Matemática, os argumentos precisam considerar a diversidade de interesses e de perspectivas. Para um aluno que quer ser engenheiro, os argumentos são de determinada ordem; para outro, que quer ser jornalista, a motivação pela Matemática, ainda que igualmente forte, deve ser de outra natureza. Mesmo um aluno que deseja ser, digamos, um poeta, pode ser adequadamente estimulado a estudar Matemática, mas certamente com argumentos diferentes dos utilizados com o futuro engenheiro. Na escola básica, nenhum conhecimento deveria justificar-se como um fim em si mesmo: as pessoas é que contam, com seus anseios, com a diversidade de seus projetos. E assim como um dado nunca se transforma em informação se não houver uma pessoa que se interesse por ele, que o interprete e lhe atribua um significado, todo o conhecimento do mundo não vale um tostão furado, se não estiver a serviço da inteligência, ou seja, dos projetos das pessoas.
Naturalmente, tal afirmação não estabelece qualquer subordinação do conhecimento a uma aplicabilidade prática: a construção do conhecimento está relacionada à produção e à compreensão de significados muito mais do que à mera produção de bens materiais. Também não é o caso de se associar a linha direta entre os conhecimentos e os interesses das pessoas a uma superestimação do individualismo. A vacina contra isso é a idéia subjacente de que a finalidade precípua da Educação é a construção da cidadania, entendida
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como a construção de uma articulação permanente e consistente entre projetos individuais e coletivos. Conhecimento: a dimensão tácita. O conhecimento apresenta outra característica importante, que põe em evidência sua ligação direta com as experiências pessoais: trata-se da imanência de sua dimensão tácita. De fato, cada um de nós sempre sabe muito mais sobre qualquer tema do que consegue explicitar em palavras. Em Personal Knowledge (1958), Polanyi expressou tal fato de modo representando o conhecimento pessoal como um grande iceberg: a parte emersa seria o que é passível de explicitação e o montante submerso corresponderia à dimensão tácita do conhecimento, que sustenta o que é explícito ou explicitável. Um atleta, por exemplo, pode demonstrar uma extrema competência na realização de determinada prova, ainda que não consiga explicar em palavras as ações que realiza. Por razões análogas, um aluno pode conhecer um assunto e não ter um bom desempenho em uma prova. A relação entre o conhecimento focal, que se pode explicitar, e o conhecimento subsidiário, ou tácito, que subjaz em qualquer tema não é a mesma que existe entre o que se conhece conscientemente e o que se tem registrado, de alguma forma, no inconsciente, como bem registra Polanyi (1983): [...] é um erro identificar a consciência subsidiária com o inconsciente... O que torna uma consciência subsidiária é a função que ele preenche; ela pode ter qualquer grau de consciência, embora sua função seja a de apontar para o objeto em que focalizamos a atenção (p. 95). Apesar da distinção supra-referida, uma comparação entre os elementos do par consciente/ inconsciente e a que subsiste entre o conhecimento tácito e o explícito pode ser esclarecedora da necessidade, da imanência da dimensão tácita. De fato, as ações de uma pessoa “normal” são continuamente motivadas tanto por elementos conscientes quanto por elementos inconscientes. A pretensão da plena consciência corresponderia a uma exacerbação do ego mais propriamente associada a uma patologia. A interação e a mescla de elementos conscientes e inconscientes, com os últimos sustentando os primeiros, constituem o natural fluir de uma existência ordinária. Analogamente, não seria razoável pretender-se que todo o conhecimento sobre qualquer tema possa tornar-se focal, que seja explícito ou mesmo explicitável. O reconhecimento da necessária dimensão inconsciente dos processos psíquicos corresponde, pois, à consciência do papel fundamental desempenhado pelo conhecimento tácito na sustentação daquilo que é passível de explicitação. Os processos de avaliação centram as atenções, como não poderia deixar de ser, apenas na dimensão tácita do conhecimento. Normalmente, são examinados os conteúdos disciplinares, expressos por meios lingüísticos ou lógico-matemáticos, permanecendo ao largo todas as motivações inconscientes, todos os elementos subsidiários que necessariamente sustentam tais conteúdos. Ao pretender-se que todo conhecimento deve estar a serviço das pessoas, de seus projetos, de seus interesses como cidadãos, é fundamental, portanto, uma reconfiguração dos instrumentos de avaliação, buscando-se canais adequados para a emergência, em cada pessoa, do conhecimento tácito que subjaz. O deslocamento das atenções dos conteúdos disciplinares para as competências pessoais constitui um passo decisivo nesse sentido.
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A mediação das competências
Numa sociedade em que o conhecimento transformou-se no principal fator de produção, é natural que muitos conceitos transitem entre os universos da economia e da Educação. Idéias como as de qualidade, projeto e valor são exemplos importantes desse trânsito, bem como da cautela necessária para lidar com ele. A idéia de qualidade na empresa não significa o mesmo que na escola. Uma categoria chave para a caracterização da qualidade na empresa é a de “cliente”, e um princípio a ser considerado é o de que o cliente deve sempre estar satisfeito. Na escola, “cliente” é categoria que ocupa papel secundário: o protagonista é o cidadão. Claro que o consumidor, ou o cliente, constitui uma dimensão da formação do cidadão, mas reduzir a idéia de cidadão à de mero consumidor é uma simplificação absolutamente inaceitável. Projetos e valores também apresentam características muito diversas, quando se referem aos universos das empresas ou das escolas. Num projeto empresarial e num projeto educativo as diferenças incluem principalmente a amplitude das variáveis e dos valores envolvidos. A mais complexa das empresas é mais simples, do ponto de vista dos projetos que a mobilizam, do que a mais simples das escolas. Ainda que a redução dos valores empresariais à dimensão econômica possa ser uma caricatura, ela não é mentirosa, e seguramente a questão dos valores no universo educacional é muito mais fecunda e abrangente. A palavra “competência” também comparece no discurso dos administradores da chamada “economia do conhecimento”. Nesse contexto, não basta dispor de certa tecnologia para auferir lucros: é fundamental idealizar produtos que a utilizem adequadamente e que penetrem no mercado. A idéia de competência surge, então, como a de uma capacidade de transformar uma tecnologia conhecida em um produto atraente para os consumidores. Trata-se de uma noção extremamente pragmática, que pode ser caracterizada, grosseiramente, como a colocação do conhecimento (tecnológico) a serviço de empresas ou de empreendedores, visando ao lucro. É interessante analisar o parentesco semântico existente entre as idéias de “competência” e de “competitividade”. A origem comum é o verbo “competir (com+petere)”, que originariamente, em latim, significava “buscar junto com, esforçar-se junto com, ou pedir junto com”. Apenas no latim tardio passou a prevalecer o significado de “disputar junto com”. Quando se disputa um bem material juntamente com alguém, é natural o caráter mutuamente exclusivo: para alguém ganhar, alguém deve perder. O mesmo não necessita ocorrer quando o “bem” que se disputa, ou que se busca junto com alguém, é o conhecimento. Pode-se dar ou vender o conhecimento que se tem sem ter que ficar sem ele. Além disso, o conhecimento não é um bem fungível, não se gasta: quanto mais usamos, mais novo ele fica. Isso acarreta necessariamente uma ampliação no significado original da competição, no sentido de se buscar junto com. No contexto educacional, mesmo mantendo o caráter de mediação, a idéia de competência é muito mais abrangente e fecunda. No documento básico referente ao Exame Nacional do Ensino Médio, por exemplo, as competências são associadas a “modalidades estruturais da inteligência”, ou a “ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas”.
O conhecimento é aqui caracterizado como uma rede de significações, onde os diversos nós/significados
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são construídos dualmente por meio de relações estabelecidas entre eles. Além disso, também já se chamou a atenção para o fato de que todo conhecimento justifica-se apenas à medida que é mobilizado a serviço das pessoas. Assim, uma vez que não basta apenas o voluntarismo, ou uma declaração de intenções, abre-se a porta, naturalmente, para a emergência de um elemento mediador entre o conhecimento e a inteligência, para operacionalizar o deslocamento do foco das atenções das matérias, ou dos conteúdos disciplinares, para a construção da cidadania, para as pessoas, com seus projetos. Algo análogo poder-se-ia dizer relativamente à necessidade de consideração do conhecimento tácito que subjaz a qualquer forma de explicitação: a grande questão é como promover a emergência do tácito no explícito. Nos dois casos, a idéia de competência como mediação é esclarecedora e parece inteiramente adequada. Tanto no que se refere à instrumentação da inteligência pelo conhecimento, quanto no enraizamento do conhecimento explícito no tácito que subjaz, as competências representam a potencialidade para a realização das intenções supra-referidas: articular os elementos dos pares conhecimento/inteligência e tácito/explícito. Os vestibulares, por exemplo, procuram avaliar o conhecimento explícito sobre as diversas disciplinas. Quando o que se busca é o desenvolvimento das potencialidades humanas, a construção da identidade pessoal e da cidadania, é natural que se procure reconhecer as motivações mais radicais das questões usualmente formuladas nos âmbitos das disciplinas. É possível, então, mapear um espectro de formas de manifestação de tais potencialidades, que podem ser denominadas habilidades. Uma análise de tais habilidades, por sua vez, pode revelar um “núcleo duro” das mesmas, um conjunto de capacidades fundamentais, que se irradiam pelas habilidades e se manifestam por meio dos conteúdos disciplinares: as competências são os elementos desse conjunto nuclear. Estimular e avaliar tal conjunto de competências é o que verdadeiramente importa: as disciplinas são instrumentos para atingir tal meta. Nesse sentido é que foram caracterizadas, sinteticamente, competências como a capacidade de expressão, tanto na língua materna quanto em diferentes linguagens, de compreensão de fenômenos, de resolução de problemas, de construção de argumentos para viabilizar uma interação comunicativa, de articulação entre o individual e o coletivo, por meio da elaboração de projetos/propostas de intervenção na realidade. É importante salientar que as idéias de disciplina e de competência não disputam o mesmo espaço. Se, como já foi dito, o quadro de disciplinas representa um mapeamento do conhecimento em sua dimensão explícita ou explicitável, um espectro de competências como o anteriormente referido, além de situar-se no caminho da articulação entre o conhecimento e a inteligência, constitui uma tentativa de compreensão do modo como o conhecimento explícito enraiza-se no tácito. Tal enraizamento, fundamental para fomentar a emergência do conhecimento, tem o significado de uma inserção do conhecimento disciplinar em um contexto mais amplo, em uma realidade plena de vivências, sendo propriamente caracterizado como uma “contextuação”. (Apesar de freqüente, a palavra “contextualização” não faz parte do léxico, que inclui contexto, contextuar e contextuação) Síntese: da interdisciplinaridade à contextuação
A insatisfação com a excessiva fragmentação a que o trabalho multidisciplinar tem conduzido é responsável pelo aparente consenso em torno da necessidade da interdisciplinaridade.Entendida, no entanto,
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como mero incremento das relações entre as disciplinas, mantidos seus respectivos objetivos/objetos, e mantidas as relações determinadas pelo sistema que constituem, as ações interdisciplinares têm produzido efeitos apenas paliativos. Associada a esse fato, cresce a consciência da necessidade de organização do trabalho escolar em torno de objetivos que transcendam os limites e os objetos das diferentes disciplinas, o que tem contribuído para situar no centro das atenções a idéia de transdisciplinaridade. No mesmo sentido, consolida-se a sensação de que o conhecimento precisa estar a serviço da inteligência, e a transdisciplinaridade passa a significar o deslocamento do foco das atenções dos conteúdos disciplinares para os projetos das pessoas. Para que tais concepções possam produzir efeitos, é necessário repensar-se a própria concepção de conhecimento, incrementando-se a importância da imagem do mesmo como uma rede de significações, em contraposição e complementação à imagem cartesiana do encadeamento, predominante no pensamento ocidental. Ao lado do acentrismo e da metamorfose, a heterogeneidade é uma característica das redes de significações que constitui um natural convite ao trabalho transdisciplinar. Por outro lado, sempre conhecemos, sobre qualquer tema, muito mais do que conseguimos expressar, lingüística ou conscientemente, e esse conhecimento tácito é absolutamente fundamental para a sustentação daquele que se consegue explicitar. Como as avaliações levam em consideração essencialmente a dimensão explícita, é necessário desenvolver-se estratégias de enraizamento de tais formas de manifestação nas componentes da dimensão tácita do conhecimento, continuamente alimentadas por elementos culturais de natureza diversa. Tal enraizamento na construção dos significados constitui-se por meio do aproveitamento e da incorporação de relações vivenciadas e valorizadas no contexto em que se originam, na trama de relações em que a realidade é tecida; em outras palavras, trata-se de uma contextuação. Etimologicamente, contextuar significa enraizar uma referência em um texto, de onde fora extraída, e longe do qual perde parte substancial de seu significado. Analogamente, no sentido em que aqui se utiliza, contextuar é uma estratégia fundamental para a construção de significações. À medida que incorpora relações tacitamente percebidas, a contextuação enriquece os canais de comunicação entre a bagagem cultural, quase sempre essencialmente tácita, e as formas explícitas ou explicitáveis de manifestação do conhecimento. Em The End of Education (1995), Postman defende o ponto de vista de que o significado da vida expressa-se por meio de uma narrativa, ou de que sem uma narrativa, a vida não tem significado; sem significado, a Educação não tem propósito; e a ausência de propósito é o fim da Educação. Tal associação da vida a uma densa teia de significações, como se fosse um imenso texto, conduz a que a contextuação seja naturalmente associada a uma necessidade aparentemente consensual de aproximação entre os temas escolares e a realidade extra-escolar. Assim, muito do que se busca por meio de rótulos como interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, ou mesmo transversalidade atende pelo nome de contextuação.

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