domingo, 22 de abril de 2012

Deuses Gregos Mitologia - Documentário Completo

Hidrelétricas em afluentes do Amazonas podem ter grave impacto

by Grupo Hannah Arendt - Brasil ALEJANDRA MARTINS da BBC Um estudo realizado nos Estados Unidos sugere que um grande número de represas planejadas por governos do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru para serem instaladas nos afluentes do rio Amazonas podem ter um grande impacto ecológico em toda a região. A pesquisa foi liderada por Matt Finer, do Centro para Legislação Ambiental Internacional, sediado em Washington, e avaliou o impacto conjunto de mais de 150 represas planejadas por estes governos. O estudo, publicado na revista especializada PLoS One, afirma que 60% destas represas podem afetar o fluxo de água que corre da cordilheira dos Andes e é vital para alimentar o Amazonas. "Os resultados do estudo são muito preocupantes, devido à ligação importante entre as montanhas andinas e as planícies amazônicas", disse Finer. "Parece que não existem planos estratégicos para as consequências que podem ocorrer quando se perturba uma conexão ecológica que existe há milhões de anos", disse o pesquisador. Grandes afluentes Finer e a equipe de pesquisadores do Centro para Legislação Ambiental Internacional analisaram represas planejadas para seis grandes afluentes do Amazonas: Madeira, Caquetá, Marañon, Napo, Putumayo e Ucayali. O pesquisador disse à BBC que até agora o fluxo livre nestes seis rios praticamente não foi afetado. Mas, "com a construção de duas megarrepresas no rio Madeira, que já estão quase terminadas, o número de conexões não afetadas cairá para cinco. E com a variedade de represas planejadas para pelo menos quatro afluentes, poderia sobrar apenas uma ou duas vias que fluem livremente. Quais as implicações para o futuro? Ninguém sabe", afirmou. O pesquisador disse à BBC que levou em conta no estudo todas as represas hidrelétricas planejadas com capacidade de mais de 2MW. "Contamos 151 projetos." "Cerca de 40% já estão em uma etapa avançada de planejamento, ou seja, já existem processos contratuais. O número representa um grande aumento, já que atualmente existem 48 represas com capacidade de mais de 2MW na Amazônia andina." "É importante destacar que 53% das represas novas seriam de 100 MW ou mais e isto é um aumento de mais de seis vezes no número de represas grandes. Atualmente, por exemplo, só existe uma grande represa de mais de 1.000 MW na Amazônia andina, mas há projetos para outras 17", afirmou Finer à BBC. O pesquisador também disse que o rio Amazonas está "intimamente ligado às montanhas dos Andes por mais de 10 milhões de anos". "Os Andes fornecem a grande maioria dos sedimentos, nutrientes e material orgânico para o Amazonas, alimentando um ecossistema que é um dos mais produtivos do planeta. Muitas das espécies de peixes importantes economicamente desovam apenas em rios alimentados pelos Andes." O estudo destacou também que mais de 80% das represas planejadas na região contribuiriam para a devastação da floresta - uma consequência da construção de estradas ou das inundações geradas pelas represas. Necessidades energéticas Matt Finer disse à BBC que "a falta de políticas regionais" se deve principalmente a duas razões. "Os projetos estão sendo avaliados de forma individual antes de ser construídos e, além disso, a trajetória dos rios que nascem nos Andes é complexa e passa por muitos países", afirmou. Muitos governos afirmam que as represas são necessárias para atender às necessidades energéticas e de desenvolvimento econômico. "Encontramos nos informes oficiais divulgados pelos governos do Equador, Peru e Bolívia, por exemplo, a afirmação de que a energia hidrelétrica é uma peça central de seus planos energéticos no longo prazo", disse Finer. "A demanda doméstica projetada para os três países é de 7.000 MW adicionais, devido a um maior uso de energia e a esforços para substituir as centrais termelétricas." "Nós responderíamos aos governos que, utilizando uma análise estratégica, eles poderiam identificar melhor e priorizar as represas de impacto baixo ou médio e eliminar a necessidade de construir represas de alto impacto", acrescentou Finer. O estudo recomenda um planejamento estratégico que avalie o impacto de represas em escalas espaciais maiores, por exemplo, em toda a bacia de um rio. A pesquisa também sugere criar um plano estratégico para garantir que o livre fluxo dos rios, desde os Andes até a Amazônia, seja mantido

quinta-feira, 19 de abril de 2012

La isla de las flores (Ilha das Flores). Audio portugués, subtítulos esp...

Vênus adormecida e Cupido

Vênus adormecida e Cupido

Título da Obra:  Vênus adormecida e Cupido
Artista:   GENTILESCHI, Artemisia
Index Iconográfico:  12Ven - Afrodite Vênus; 12Ven1 - Vênus e Cupido (Afrodite e
Eros)
Técnica:   Óleo sobre tela
Data:   1625c. - 1630
Período Histórico:   40 - SÉCULO XVII
Dimensões:  94 x 144 cm
Local:   Princeton (New Jersey), The Barbara Piasecka Johnson Foundation
Texto:  Vênus deita-se nua, adormecida, sobre um leito recoberto por 
um lençol de um azul muito profundo (pintado com dois 
estratos de lápis-lazúli), em forte contraste com o vermelho 
dos veludos da almofada e das cortinas. Ela segura na mão 
esquerda um véu transparente que lhe cobre a coxa direita e 
o braço esquerdo. Seu filho, Cupido, abana-a com um leque de 
plumas de pavão, a ave atributo da deusa.

O modelo antigo dessa Vênus adormecida (a Vênus adormecida 
não foi jamais um tema tratado pelos artistas da 
Antiguidade) seria a famosa escultura do Cortile delle
Statue
 do Vaticano, a "Ariadne adormecida" (após ser 
abandonada por Teseu em Naxos), cópia romana do século II 
d.C. a partir de um original pergameno de 200 a.C. circa.

Como se sabe, esta estátua, adquirida em 1512 por Júlio II 
para seu Cortile e longamente confundida com uma 
Cleópatra suicida, foi muitíssimo admirada e copiada pelos 
artistas do século XVI. Ela era com certeza bem conhecida de 
Artemisia Gentileschi (1593-1653). 

Uma mediação possível seria a "Vênus adormecida" de Annibale 
Carraci, do Musée Condé de Chantilly, por certo derivada da 
mesma estátua vaticana. Contudo, conforme notado por Garrard 
(1989), o modelo imediato da pose desta Vênus de Artemisia é 
sem dúvida o "Cupido adormecido" de Caravaggio, hoje na 
Galleria Palatina de Palazzo Pitti em Florença.

Ao fundo, pintado ao que parece por outra mão, descortina-se 
uma paisagem noturna, iluminada pelo luar, onde se discerne 
um templo circular, alusivo talvez ao santuário de Afrodite 
em Cnido, que era circular justamente para que se pudesse 
admirar de todos os ângulos a célebre estátua de Praxíteles.

Dado o amplo emprego de um material tão custoso como o 
lápis-lazúli, Christiansen cogita na possibilidade de que 
esta Vênus seja a obra que Artemisia enviou de Nápoles ao 
Cardeal Antonio Barberini, conforme uma notícia conservada 
em uma carta do cardeal a Cassiano del Pozzo de 1635. Seria 
a mesma tela inventariada em 1644 sob o título: "una donna 
con amorino".

Luiz Marques
18/04/2012


Bibliografia:
1986 - P. P. Bober, R.O. Rubinstein, Renaissance Artists and 
Antique Sculpture. A Handbook of Sources, Londres: Harvey 
Miller, pp. 113-114.
1999 - M. Garrard, Artemisia Gentileschi. The Image of the 
Female Hero in Italian Baroque Art. Princeton, 1999, pp. 
105-106 e 274-276.
2001 - K. Christiansen, J.W. Mann, Orazio e Artemisia 
Gentileschi. Catálogo da exposição, Roma, Palazzo Venezia. 
Genebra-Milão: Skira, pp. 371-373

quarta-feira, 18 de abril de 2012

BATISMO DE SANGUE BRASIL DÉCADA DE 60 (CONTA UM POUCO DA HISTÓRIA DO BRA...

Rosa de Luxemburgo Fui, soy y seré

Eles se Atreveram — A Revolução Russa de 1917

Caos e medo em Caetité: a violação dos direitos humanos. Entrevista especial com Marijane Lisboa

by Grupo Hannah Arendt - Brasil
do IHU Online

A Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil – URA-INB, "que minera e transforma urânio mineral em licor de urânio e este em concentrado de urânio, a principal matéria-prima do combustível nuclear", entrou em funcionamento há uma década no município de Caetité, na Bahia e desde então aumentam as denúncias de crimes ambientais e violação dos direitos humanos. Nesses dez anos de atuação, "registraram-se muitos acidentes, objeto de autuações e multas dos órgãos federais e estaduais", diz Marijane Lisboa, autora do relatório sobre o vazamento de urânio na cidade baiana. Entre os desastres ambientais, a pesquisadora menciona que já "transbordaram cinco milhões de litros de licor de urânio das bacias de sedimentação para o meio ambiente. (...) Entre janeiro e junho de 2004, a bacia de barramento de "finos’ transbordou sete vezes, liberando efluentes líquidos no Riacho da Vaca. O último vazamento de substância oleosa (solvente com urânio) custou à INB uma multa de um milhão de reais, em setembro de 2010".

Ao visitar as comunidades que residem proximamente à mina de urânio, Marijane Lisboa ouviu diversas queixas em relação à falta de informações sobre os impactos ambientais e sociais. "Essas populações temem estarem sendo envenenadas devido à proximidade da mina e se alarmam com a grande frequência de mortes por câncer na região. (...) Todas as comunidades se queixaram de uma súbita falta de água, que inviabiliza suas atividades agrícolas e domésticas, como lavar roupa e cozinhar. Eles relacionam essa diminuição súbita da água com a abertura da mina dez anos atrás, pois foi aí quando começou o problema. Quando a INB se implantou no local, ela assinou contratos com vários agricultores para perfurar poços em suas propriedades e dividir o uso da água. Desde então muitos desses poços estão secos", relata.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Marijane Lisboa enfatiza que ainda não há uma solução segura para as milhares de toneladas de rejeitos radioativos gerados em todo o mundo. "Todas as usinas nucleares podem falhar e há um número enorme de acidentes menores, que não chegam às páginas dos jornais, mas que mostram os riscos intrínsecos à geração de energia nuclear. Em resumo, a energia nuclear é perigosa, cara e pouco eficiente e provavelmente só foi desenvolvida no mundo porque servia de biombo aos programas militares paralelos".

Marijane Lisboa é uma das fundadoras do Greenpeace Brasil, onde coordenou campanhas nas áreas de transgênicos, resíduos sólidos e poluição do ar, e é ex-secretária de Qualidade Ambiental de Assentamentos Humanos – SQA do Ministério do Meio Ambiente. É graduada em Sociologia, pela Freie Universität Berlin, e doutora na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, instituição na qual leciona. É membro do Conselho Deliberativo da Associação de Agricultura Orgânica – AAO, da Rede Brasil Ecológico Livre de Transgênicos e Agrotóxicos e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Autora do livro Ética e cidadania planetárias na era tecnológica (Civilização Brasileira), também realiza consultorias para órgãos europeus e traduções de literatura científica e ficção alemã para o português.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais informações apresentadas pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente em relação à exploração de urânio na cidade de Caetité?

Marijane Lisboa – Em primeiro lugar, preciso explicar o que é esse relatório. A Relatoria de Direito Humano Ambiental é parte do Projeto "Relatorias", da Plataforma DhESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), um conjunto formado por entidades que buscam fomentar a cultura dos direitos humanos no Brasil. Há "relatorias" para várias áreas, como Educação, Direito a Cidade, Saúde Reprodutiva, Direito a Terra, Território e Alimentação Adequada e Meio Ambiente. Junto com o Dr. Guilherme Zagallo, respondo pela Relatoria de Direito Humano Ambiental.

Funcionamos ao modo das relatorias da ONU. Realizamos missões investigativas a lugares onde populações locais nos enviam denúncias de violação dos seus direitos humanos e, após realizarmos as missões, elaboramos relatórios com conclusões e recomendações às autoridades responsáveis. O relatório da Missão Caetité foi o resultado de uma visita à cidade de Caetité, Bahia, em fins de julho de 2010, para averiguar denúncias sobre violações de direitos humanos ambientais da população local, ocasionadas pela Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares Brasileiras – URA-INB, que minera e transforma urânio mineral em licor de urânio e este em concentrado de urânio, a principal matéria-prima do combustível nuclear, nas cercanias da cidade de Caetité. A denúncia foi encaminhada pela Associação Movimento Paulo Jackson: Ética, Justiça, Cidadania, entidade que é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, rede de referência da nossa Relatoria. A Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité também prestou seu apoio à Associação e esse apoio custou ao seu dirigente, o Pe. Osvaldino Barbosa, ameaças anônimas à sua vida e à sua família.

Queixas da comunidade

A entidade nos trouxe as diversas queixas das comunidades rurais que vivem no entorno da mina. Elas temiam por sua saúde, pois vários poços que abasteciam seus lugarejos haviam sido fechados em novembro de 2009 pelos órgãos estaduais de saúde e de água, em virtude de testes haverem revelado altos teores de substâncias radioativas. Sem água, acabaram sendo abastecidos com carros-pipa por ordem judicial durante longo tempo. Meses depois – com a exceção de um deles – os poços foram reabertos, sem que houvesse explicações satisfatórias do porquê foram fechados e depois reabertos. Essas populações temem estarem sendo envenenadas devido à proximidade da mina e se alarmam com a grande frequência de mortes por câncer na região.

Todas as comunidades se queixaram de uma súbita falta de água, que inviabiliza suas atividades agrícolas e domésticas, como lavar roupa e cozinhar. Eles relacionam essa diminuição súbita da água com a abertura da mina dez anos atrás, pois foi aí quando começou o problema. Quando a INB se implantou no local, ela assinou contratos com vários agricultores para perfurar poços nas suas propriedades e dividir o uso da água. Desde então muitos desses poços estão secos.

Outra grande queixa dos vizinhos da INB são as explosões frequentes para extração do minério, que provocam rachaduras em suas casas e os assustam. As explosões e rachaduras, a falta de água e a dificuldade em vender seus produtos nos mercados locais, pois contra eles pesa o estigma de que estejam contaminados com urânio, tem inviabilizado a vida desses agricultores. Muitos gostariam de vender suas casas e terrenos, mas não encontram compradores e o que a empresa tem oferecido em casos particulares é muito pouco. Há muitas casas fechadas, cujos moradores abandonaram a agricultura e foram tentar a vida nas cidades mais próximas.

Uma queixa das comunidades vizinhas que engloba todas essas anteriores é a falta de informações e de atendimento às suas preocupações e reclamações por parte das autoridades. Os moradores dizem que não têm a quem se queixar ou reclamar, pois nem a empresa, a INB, nem a prefeitura, tampouco os órgãos estaduais lhes dão ouvidos. Isso ficou patente no Seminário sobre Segurança, Saúde e Meio Ambiente, que organizamos juntamente com a Fundacentro e na Audiência Pública que se seguiu, coordenada pela promotora Luciana Khoury, do Ministério Público Estadual/núcleo São Francisco.

O auditório da Universidade Estadual da Bahia – Uneb ficou repleto de moradores que vieram das várias comunidades vizinhas e que demonstraram às autoridades presentes a sua grande insatisfação com a falta de informação e atendimento às suas reclamações e pedidos de esclarecimento. A rádio comunitária da paróquia local também acusou uma audiência de 20 mil pessoas! Todos estavam sedentos por informação nas redondezas. Enquanto estivemos em Caetité, visitamos várias comunidades atingidas, como Juazeiro, Riacho da Vaca e Gameleira, bem como o Quilombo da Malhada. Visitamos também o juiz da Comarca de Caetité, Dr. José Eduardo Brito, o prefeito, José Barreira de Alencar Filho e a Secretária da Saúde, Cíntia Lopes Abreu Marques.

Antes de concluir o relatório, decidimos voltar à Bahia para entrevistar as autoridades estaduais e tentar esclarecer vários dos problemas apontados pela população. Em abril de 2011, estivemos em Salvador e tivemos entrevistas com os ministérios públicos estadual e federal que entraram com ações civis públicas em virtude das denúncias recebidas, com a Superintendência da Vigilância Sanitária e Proteção à Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, com o Instituto de Gestão das Águas e Clima do Estado da Bahia e com a Superintendência do Ibama no Estado. Muitos desses órgãos nos prometeram enviar documentações solicitadas, promessas que só em parte foram cumpridas, apesar de nossas insistentes solicitações.

IHU On-Line – Como foi a audiência pública e a repercussão do relatório sobre a exploração de urânio em Caetité?

Marijane Lisboa – A Audiência Pública foi muito concorrida. Pelo que pude perceber, metade da sala estava ocupada por representantes de movimentos sociais e ONGs, que lutam contra os riscos das atividades nucleares – moradores de Caetité, vítimas do acidente do césio em Goiânia, moradores de Santa Quitéria, no Ceará, onde o governo quer abrir uma nova mina de urânio, o Greenpeace e várias entidades da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. A outra metade era composta pela "comunidade nuclear", que na maior parte não se identificou, a não ser pelos bilhetinhos aflitos que passavam entre si.

A grande surpresa da audiência, contudo, não foi o relatório que apresentei, nem o testemunho do Pe. Osvaldino e representantes da população local, mas os depoimentos de dois líderes sindicais presentes. Em greve devido à tentativa da empresa de lhes cortar as horas extras, os dois líderes relataram com abundância de detalhes as condições lamentáveis, perigosas e improvisadas em que funciona a empresa. Denunciaram o emprego de funcionários terceirizados nas operações mais perigosas, a falta de equipamentos adequados, a lavagem e uso renovado de macacões descartáveis, a não divulgação dos resultados dos exames médicos a que são periodicamente submetidos e as ameaças constantes de demissão, caso reclamem das condições de trabalho perigosas.

Quanto à repercussão, foram o deputado José Pena, que presidiu a sessão, e uma deputada do PSB, que veio fazer um misterioso voto de fé cega na seriedade das nossas autoridades nucleares – e saiu sem ouvir nenhuma linha do relatório –; nenhum deputado ou senador. A grande mídia tampouco compareceu, embora fartamente convidada. No entanto, no dia anterior, um seminário chapa-branca, organizado pelo TCU no Rio de Janeiro para discutir "segurança nuclear", onde se teceram muitos comentários elogiosos sobre o alto nível de segurança das nossas atividades nucleares mereceu boa cobertura. Apenas a TV Câmara cobriu a audiência.

IHU On-Line – Há quanto tempo acontece exploração de urânio em Caetité? Há registros de vazamento de urânio ou de acidentes por causa da exposição?

Marijane Lisboa – A Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil – URA-INB entrou em funcionamento em janeiro de 2000. Desde que começou a funcionar, registraram-se muitos acidentes, objeto de autuações e multas dos órgãos federais e estaduais. Alguns exemplos eu trago: logo que começou a funcionar, transbordaram cinco milhões de litros de licor de urânio das bacias de sedimentação para o meio ambiente. O órgão ambiental estadual de então, o CRA, aplicou multa máxima, o Ministério Público Estadual abriu uma Ação Civil Pública, e o Ibama suspendeu a licença de instalação. Entre janeiro e junho de 2004, a bacia de barramento de "finos" transbordou sete vezes, liberando efluentes líquidos no Riacho da Vaca. Outros acidentes se repetiram nos anos que se seguiram, como o comprovam a nota técnica que obtivemos da superintendência do Ibama, a duras penas, e que lista diversos "eventos não usuais na URA-Caetité", além de multar a empresa por deixar de comunicar acidentes e entregar relatórios de atividades sobre procedimentos de controle ambiental desde 2006 até 2009. O último vazamento de substância oleosa (solvente com urânio) custou à INB uma multa de um milhão de reais, em setembro de 2010. Pelo visto os "eventos não usuais" são a norma de funcionamento da empresa.

IHU On-Line – Quais são os impactos ambientais do vazamento de urânio? Há registros de contaminação dos lençóis freáticos?

Marijane Lisboa – Este é justamente o problema: não sabemos quais foram os impactos, não sabemos se há contaminação dos lençóis freáticos. Não sabemos, porque o órgão encarregado de fiscalizar e garantir a segurança das operações da UR-INB, a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, diz que faz estudos sistemáticos, que não há impactos e que tudo funciona às mil maravilhas. Mas não mostra os exames e seus resultados. O problema é que a CNEN é a acionista majoritária (99,9% das ações) da INB, ou seja, da empresa cujo funcionamento ela mesma deveria fiscalizar. Esse desenho institucional em que a empresa que fomenta é a mesma que fiscaliza contraria todo o bom-senso em matéria de gestão, como também desobedece à Convenção Internacional de Segurança Nuclear, da qual o Brasil é signatário, que recomenda a "efetiva separação" entre as funções regulatórias e as de fomento.

A CNEN proíbe seus fiscais de divulgarem os resultados de suas fiscalizações e tampouco divulga laudos de exames realizados. Por exemplo, os laudos dos testes das águas dos poços interditados em Caetité nunca foram divulgados. ACNEN simplesmente lançou uma nota dizendo que tudo estava bem. Ela exige a fé cega nas suas palavras. A secretividade, aliás, não é característica das atividades nucleares somente no Brasil. Porque a exploração da energia nuclear sempre teve interfaces muito íntimas com programas nucleares militares, esse ramo industrial é bem menos acessível à fiscalização e controles públicos e sociais. No Brasil, também, ele surge ligado a um programa militar paralelo, que ambicionava fabricar bombas atômicas. Mas, se nossa Constituição proíbe a fabricação de armas nucleares, temos que acabar com essa secretividade que apenas põe em risco o país. Essa é uma verdadeira "herança maldita da ditadura" que ainda precisa ser eliminada.

IHU On-Line – A senhora visitou o hospital da cidade de Caetité. Qual sua impressão sobre o local? Como a população de Caetité reage diante da exploração de urânio na cidade?

Marijane Lisboa – A cidade tem dois hospitais grandes, mas só em parte utilizados. O hospital público tem apenas o pronto socorro funcionando e o hospital particular só tem algumas unidades abertas. Houve emendas parlamentares para construir hospitais, que custam caro, mas não para equipá-los e contratar profissionais. Não há nenhuma unidade de oncologia na cidade. Não há nenhum programa de saúde preventiva para câncer e outras enfermidades que podem ser provocadas pela presença de material radioativo, nem para trabalhadores, nem para a população. Nunca se fez um estudo de base sobre a incidência de cânceres antes do estabelecimento da empresa em Caetité, de modo que fica fácil alegar que um maior índice de cânceres já fosse o "normal" anteriormente, por ser uma região uranífera. Quem contrai câncer precisa viajar para Vitória da Conquista, Salvador ou São Paulo para se tratar. Muitos morrem fora, ou voltam apenas para morrer em casa.

O que vi na Audiência Pública realizada em junho de 2010 em Caetité foi o medo. A população do entorno da mina, em Caetité, tem medo, pois sabe que o urânio é radioativo e que pode contaminar água e alimentos. Além disso, teme as explosões provocadas pela mina, as rachaduras e possíveis acidentes. A secretividade que cerca a INB, pois a empresa sempre nega que tenha havido acidentes, ou trata de minimizá-los, embora tais assertivas contrariem o que contam os trabalhadores da mina aos seus parentes e amigos, faz com que a empresa tenha perdido toda a credibilidade.

IHU On-Line – Quais são os riscos da exploração de urânio para a saúde humana? Há informações sobre casos de doenças em Caetité por causa da exploração de urânio ou contaminação radioativa?

Marijane Lisboa – A exploração de urânio é sempre perigosa para a saúde humana, particularmente para os seus trabalhadores, que sofrem uma exposição crônica e ainda podem sofrer exposições agudas em decorrência de acidentes. Pessoas que vivem nas imediações de uma mina de urânio podem também sofrer uma contaminação crônica em virtude da contaminação da água e do solo, decorrentes de vazamentos e a subsequente contaminação de alimentos e animais. Também são vítimas das explosões para extrair o minério, que liberam o gás radônio, inodoro e invisível, mas muito perigoso para a saúde.

Há farta literatura sobre as lamentáveis condições de saúde de populações vizinhas a antigas minas de urânio nos EUA e na ex-URSS: enorme incidência de cânceres, inutilização de grandes extensões de terras. Mesmo supondo que as minas de hoje em dia sejam exploradas com métodos mais seguros, elas sempre são perigosas. Um excelente exemplo é Caldas, em Poços de Caldas, onde vemos rejeitos radioativos abandonados ao ar livre nas piores condições.

IHU On-Line – Quais são as condições de trabalho dos funcionários da Indústrias Nucleares do Brasil – INB? Como eles se manifestam diante do trabalho praticado na empresa?

Marijane Lisboa – Quando realizamos a visita a Caetité, em julho de 2010, não tivemos contato oficiais com trabalhadores. Tínhamos informações sobre condições de trabalho precárias, mas por temerem retaliações, os poucos trabalhadores que nos procuraram não quiseram ser identificados. Na Audiência Pública, semana passada, no entanto, todos ficamos estarrecidos com o que os líderes sindicais relataram de viva voz. Entre outras coisas, impressionou-nos ouvir que eles nunca tiveram acesso aos seus exames. A auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, Dra.Fernanda Gianazzi, já havia explicado que a empresa não estava realizando todos os testes necessários para acompanhar a saúde dos trabalhadores e que o Brasil não cumpria com legislação internacional da Organização Internacional do Trabalho para trabalhadores em atividades relacionadas com material radioativo.

IHU On-Line – Em que sentido pode-se falar em violação de direitos humanos e ambientais em Caetité?

Marijane Lisboa – O caso de Caetité é emblemático da tese que os direitos humanos devem ser entendidos sempre como um conjunto de direitos interligados e interdependentes. Ali a violação do direito humano a um meio ambiente equilibrado em decorrência das atividades da INB implica a violação do direito à saúde, à moradia, à água potável e à atividade econômica da população vizinha da empresa. Além disso, as dificuldades enfrentadas pela população em receber informação adequada, ser ouvida e atendida pelas autoridades configura um quadro de violações aos direitos políticos de acesso à informação, manifestação e participação nas decisões políticas que lhe afetam. A população deCaetité nunca foi ouvida pelas autoridades federais, quando elas decidiram ali localizar essa empresa. As licenças prévias de instalação e operação foram sucessivamente concedidas pelo Ibama/Brasília, apesar de todos os acidentes e do descumprimento das condicionantes, sem que nunca a população local tenha sido ouvida. Assim, quem mais sofre com a empresa é quem nunca teve direito de ser ouvido.

IHU On-Line – Como vê a postura do Brasil de investir em energia nuclear?

Marijane Lisboa – Acredito que o governo brasileiro deveria fomentar amplo debate nacional sobre a conveniência de se continuar a desenvolver o Programa Nuclear Brasileiro, dados os seus riscos e danos que vão muito além daqueles que podem originar-se de acidentes em usinas nucleares, como em Chernobyl ou Fukushima. Ao se considerar o ciclo do combustível nuclear como um todo, que se estende desde a mineração, processamento de urânio, transporte, uso como combustível e descarte final, mutliplica-se consideravelmente o número de vítimas que ele produz, vítimas que são objeto de uma contaminação crônica e invisível, mas wque nem por isso é menos irreversível ou grave, e que vivem sobre o terror de acidentes, aparecimento de doenças graves e morte.

Até hoje não há solução segura para os rejeitos radioativos e já são milhares de toneladas em depósitos provisórios pelo mundo afora. O transporte de material radioativo por terra e navios pode ser objeto de acidentes graves e de atentados terroristas. Todas as usinas nucleares podem falhar e há um número enorme de acidentes menores que não chegam às páginas dos jornais, mas que mostram os riscos intrínsecos à geração de energia nuclear. Os acidentes em usinas condenam gerações de pessoas à morte por câncer, inutilizam enormes extensões de terras, criam cidades fantasmas. Finalmente, o descomissionamento de usinas nucleares, ou seja, o seu desmantelamento findada a sua vida útil, é uma operação economicamente caríssima, caso se busque uma segurança adequada.

Em resumo, a energia nuclear é perigosa, cara e pouco eficiente e provavelmente só foi desenvolvida no mundo porque servia de biombo para programas militares paralelos. Com tantas fontes alternativas de energia e um bom programa de eficiência energética descentralizado, o Brasil pode passar muito bem sem energia nuclear e economizar recursos, que certamente serão bem-vindos na saúde pública, educação, moradia, reforma agrária e combate à miséria.

IHU On-Line – Após a divulgação do relatório sobre a exploração de urânio em Caetité, qual sua expectativa?

Marijane Lisboa – O relatório faz uma série de recomendações às autoridades envolvidas, principalmente aos ministérios de Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente, mas também aos órgãos estaduais da Bahia e aos ministérios públicos estaduais e federal. A mais urgente é a que se refere à água consumida pela população vizinha à empresa. É preciso garantir a essa população o consumo de água dentro dos parâmetros de normalidade. Para isso propomos que se forme uma comissão mista, composta de vários órgãos públicos, instituições acadêmicas e sociedade civil – e não só da CNEN –, que encomende exames em laboratórios independentes daCNEN e divulgue os seus resultados.

Ainda com referência à saúde da população, recomendamos que se monte um plano de monitoramento da saúde dos trabalhadores e da população vizinha, formando para isso também uma comissão mista com vários órgãos e, se necessário, convidando especialistas do exterior, e que se equipe o sistema de saúde da cidade com recursos e técnicos necessários para tal. A CNEN, a INB e o Brasil devem isso à população da cidade de Caetité.

Outra recomendação importante que fizemos foi a de que se faça uma auditoria independente na URA-INB para se averiguar as condições de funcionamento, acidentes passados, contaminação de corpos hídricos, solo, etc. Desta auditoria devem participar também representantes da sociedade civil e especialistas de entidades de pesquisa. Seus resultados devem ser publicizados, pois quem não deve não teme.

Também recomendamos que o Ministério Público Federal nomeie urgentemente um procurador para a região, que o Ingá investigue as razões da súbita falta de água no entorno da empresa, que se suspendam novas licenças de mineração de urânio no Brasil; também que se crie um órgão de fiscalização separado do (órgão) de fomento de atividades nucleares e que se indenizem de forma justa os moradores cujas casas e atividades econômicas tenham sido afetadas pelo funcionamento da INB.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Marijane Lisboa – Às visitas aos órgãos públicos estaduais e à superintendência do Ibama em Salvador indicaram um quadro de "falência múltipla" dos nossos órgãos públicos. Uma "dança das cadeiras" permitia com que uns atribuíssem a outros as responsabilidades, culminando o empurra-empurra na poderosa CNEN, que, por sua vez, não costuma dar satisfações a ninguém. O fato de que a superientendência do Ibama, que a Secretaria da Saúde do Estado e que o Ingá não tenham técnicos em radioatividade configura o que chamamos de "conspiração da ignorância". Estes órgãos não podem dizer nada, porque não têm profissionais, equipamentos e laboratórios especializados. Volta-se ao começo do jogo, portanto, à CNEN. Isso não pode ter sido por acaso. Quem decidiu construir a URA-INB também decidiu não equipar os seus hospitais com unidades oncológicas, não contratar técnicos nos órgãos estaduais e municipais, não formar pessoal especializado. Se o Estado não é capaz de fiscalizar, não deveria permitir o estabelecimento de atividades intrinsicamente perigosas como a mineração e processamento de urânio

Vidas em risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault, de André Duarte.

by Grupo Hannah Arendt - Brasil
André Duarte (2010). Vidas em risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Resenha de Ivo Coser - Revista Estudos Politicos

A publicação do livro Vidas em risco constitui uma importante contribuição para a reflexão sobre os fenômenos políticos contemporâneos. O subtítulo menciona autores importantes para o pensamento ocidental. Entretanto, o leitor não deve supor que se trata de um trabalho no qual o autor se debruça sobre uma vasta bibliografia com vistas a uma exegese de Heidegger, Arendt e Foucault. André Duarte toma outro caminho, a trilha arriscada de indagar os fenômenos contemporâneos e pensá-los a partir das categorias dos autores selecionados, empreendendo recortes e extraindo conceitos que permitam iluminar a contemporaneidade.

Anteriormente, André Duarte havia produzido diversos trabalhos sobre Hannah Arendt, cuidando das novas traduções de suas obras e, em alguma delas, publicando ensaios pertinentes sobre a pensadora. Apresentou ao grande público O pensamento à sombra da ruptura[1], publicação de sua tese de doutorado defendida no Departamento de Filosofia da USP, em que efetuou uma análise aprofundada da obra da pensadora. O livro, agora publicado, apesar de manter um diálogo denso com a sua obra, busca pensar seus conceitos a partir da experiência política atual, oferecendo um material de reflexão que transcende a análise da obra da importante pensadora.

Esta resenha não tem a pretensão de esgotar a rica reflexão que o livro oferece aos leitores, mas apenas lançar algumas perguntas. Para tanto, vejamos o diagnóstico que o autor apresenta.

O autor compartilha de um diagnóstico da contemporaneidade que se manifesta de diversas maneiras, inclusive na escolha dos autores. As sociedades contemporâneas são marcadas pelo controle da vida através de estratégias e cálculos operatórios. Neste tipo de sociedade, o poder político e a política desempenham um papel central. É neste âmbito que são construídos e implementados os mecanismos disciplinares de controle. A política passa a ser o instrumento que visa assegurar que a vida biológica possa se reproduzir indefinidamente, todas as esferas da sociedade devem estar submetidas em última instância à sua lógica. Cada um dos autores mencionados de alguma maneira refletiu sobre este painel, produziu categorias que permitiram aclarar estes mecanismos, de maneira que não fossem naturalizados. O animal laborans de Hannah Arendt, a essência da técnica moderna em Heidegger e a biopolítica de Foucault – ou ainda o homo sacer de Agambem, abordado com menos ênfase no livro – todos de alguma maneira apontaram para este diagnóstico.

Este diagnóstico da contemporaneidade traz uma marca, o fenômeno totalitário. Este fenômeno, radicalmente novo, produz um abismo entre o passado e o futuro e ameaça aos seres humanos com o epíteto “tudo é possível”. Na reflexão de André

Duarte, olhar para o nosso presente significa ver a possibilidade de que os campos da morte voltem a ocupar a paisagem ou que eles já estejam presentes, funcionando nas sociedades democráticas.

“Ao refletir sobre os campos de concentração, Arendt foi levada a pensar que neles ‘os seres humanos podem transformar-se em espécimes do animal humano, e que natureza do homem só é humana na medida em que dá ao homem a possibilidade de se tornar algo eminentemente não natural, isto é, um homem’. Tal consideração deve ser estendida a todas as instâncias não totalitárias nas quais o homem contemporâneo encontra-se reduzido à figura da vida nua, como nas favelas dominadas pelo tráfico de dorogas e armas, nos campos de trabalho escravo, nas prisões superlotadas do terceiro mundo etc. Afinal, se o que caracteriza os regimes totalitários, é a redução do homem ao seu mínimo denominador comum natural, não há como não perceber que uma similar naturalização do humano e da coisa política continua a operar nas modernas sociedade democráticas de trabalho e consumo de massa”(Duarte,2010, p.325-326).

Neste quadro sombrio, podemos recortar algumas das categorias que estes autores formularam. Heidegger funciona como o autor que provoca a reflexão de Arendt e Foucault, um pensador que, apesar de não ter abordado os campos de concentração nem tampouco a experiência nazista, formulou conceitos que permitem pensar estas experiências. Neste sentido, os campos de concentração foram manifestações de uma ciência que rompeu as amarras da reflexão sobre o sentido e adentrou no mundo humano movida pela crença de que sua única tarefa consistiria em calcular as consequências. Para Heidegger, a técnica moderna é essencialmente um empreendimento destinado a controlar a vida. Esta técnica movida por uma vontade de poder, conforme o tratamento de Nietzche ao conceito, busca a reprodução infinita dos entes, destruindo as fronteiras entre o humano e a natureza, tornando-a uma extensão do ente. Uma das principais conseqüências desta reflexão consiste em apontar para a perda das capacidades genuinamente humanas, de compreender e pensar, em favor do cálculo estrito das conseqüências. Segundo Heidegger, na modernidade ocorria o predomínio do pensamento calculador sobre a meditação serena do sentido. Esta reflexão de Heidegger provoca um dialógo com as teses de Hannah Arendt.

Arendt teria depreendido diversas consquências desta tese. A primeira seria que a tentativa de reproduzir a vida, um dom misterioso e frágil, por meios artificiais poderia pôr em movimento processos que o homem não teria como controlar. A segunda seria que a pretensão de controlar a reprodução da vida traria a promessa de uma reprodução do homem, e não dos homens como ocorre a vida na terra; a pluralidade, condição humana por definição, seria trocada pela reprodução de um modelo de homem. A autora também chama a atenção para o tema da separação entre a ciência e a capacidade de julgar. André Duarte destaca com ênfase que a autora não pretende cercear o desenvolvimento científico através de pretensos comitês de cidadãos, procedimento sempre presente nos regimes totalitários. Tal preocupação procede da preocupação presente na reflexão da autora sobre o fenômeno da “politização total nas formas totalitárias de Estado” [2]. O receio da invasão da ideologia em todas as esferas da vida aproxima Hannah Arendt dos pensadores liberais, na sua preocupação em preservar a separação entre esfera privada e esfera pública. Entretanto, seu elogio do exercício da liberdade positiva, como diria Isaiah Berlin, a coloca, segundo Quentin Skinner, como uma neo-ateniense[3], uma cultora da liberdade dos antigos.

O diálogo entre Heidegger e Hannah Arendt permite a André Duarte enfrentar um dos problemas mais interessantes da obra desta autora e este o faz buscando um caminho próprio, afastando-se, em particular, da interpretação proposta por Seyla Benhabib[4]. Segundo Duarte, a relação entre ambos não poderia ser pensada em esquemas simplistas, que terminam reduzindo o rico dialógo entre ambos. Arendt não seria uma discípula de Heidegger, que produziu uma teoria política marcada pela grecofilia, nem a pensadora que a partir de uma apropriação Habermasiana, como teria feito Benhabib, produz uma reflexão contra Heidegger. Duarte propõe uma chave de leitura centrada na ideia de proximidade na distância. Em diversos momentos, o autor chama a atenção para um dialógo no qual Arendt, provocada pela reflexão de Heidegger, produz uma reflexão original, pensando sobre aspectos não abordados pelo seu antigo professor. Sem dúvida, a chave de leitura proposta por André Duarte é fundamentada em uma reflexão e conhecimento da obra dos dois autores.

Entretanto, algumas dúvidas permanecem, em particular a impressão que tenho de que Heidegger é um pensador apolítico). Sem dúvida, considerações políticas podem ser retiradas da sua reflexão, mas Heidegger comete um equívoco, comum a vários pensadores que buscam refletir sobre a esfera pública, ao não ponderar as várias formas que esta possui. Refletir sobre a técnica e suas consequências na esfera pública não pode ser desvinculado de uma reflexão sobre as diversas maneiras pela qual a esfera pública é organizada. Este problema nos permite abordar o diagnóstico que guia André Duarte ao longo do seu trabalho e, também, alguns dos problemas centrais da obra de Hannah Arendt, autora central ao longo do trabalho.

André Duarte nos adverte que sociedades democráticas e totalitarismo não são a mesma coisa e que tais diferenças não podem ser apagadas[5]. Entretanto, apesar de ter nos avisado que tais diferenças não podem ser neglicenciadas, André Duarte sintetiza sua idéia guia da seguinte maneira:

“Em suma, o que importa compreender é que, seja nos regimes totalitários, seja nas sociedades democráticas de massa e mercado, o animal laborans é sempre o objeto e o foco central das políticas vitalistas que levam ao seu incremento ou ao seu extermínio. Tal extermínio, por sua vez, se dá sempre por meio da conversão do animal laborans na figura da vida nua e supérfula do homo sacer, a qual se encontra de tal maneira generalizada que qualquer ser humano pode, a qualquer momento, transformar-se nessa figura humana à qual se pode dar morte sem mais.” (Duarte, 2010, p.324).

Apesar de André Duarte nos ter avisado que tais diferenças não podem ser apagadas, elas de fato o foram. As mediações da política são suprimidas em favor de um achatamento que torna as “democracias realmente existentes[6]” e as modalidades totalitárias (U.R.S.S. e Alemanha nazista) a mesma coisa, ou pelo menos seu funcionamento obedece à mesma lógica. A proeminência do animal laborans (Arendt), os mecanismos de controle (Foucault) ou do homo sacer (Agambem), segundo André Duarte, se manifestam da mesma maneira: os indivíduos estão sujeitos, a qualquer momento, a serem descartados, suas vidas suprimidas.Nas sociedades democráticas, os indivíduos vivem sem saberem que podem ser jogados na vala comum dos cadáveres.

Talvez, este achatamento das formas políticas encontre respaldo na própria análise do fenômeno totalitário, conforme Hannah Arendt apresentou. Presumir que sociedades de massa gerem Estados totalitários é desconhecer que nem todas as sociedades de massas que emergiram nos anos 20-40 produziram campos de concentração, tais como foram vistos na Alemanha Nazista e na era stalinista. Mesmo quando consideramos que a experiência com os povos não europeus preparou os campos de concentração, a sua implantação ocorreu em duas experiências políticas que não tiveram este contato e que foram exemplos de vias autoritárias de construção do Estado nacional (Alemanha e Rússia). Tenho a impressão de que apesar de em diversos momentos da sua obra, Hannah Arendt ter apontado distinções entre as sociedades democráticas ocidentais e os Estados totalitários, as categorias que descrevem a emergência da sociedade de massa não captam estas diferenças. O novo despotismo (o despotismo democrático), analisado na última fase de Tocqueville – autor importante para Hannah Arendt apesar pouco citado por ela[7] – e o Totalitarismo emergem como formas políticas radicalmente distintas na experiência política ocidental. Porém, será que novo despotismo é um conceito capaz explicar as diversas experiências políticas surgidas ao longo do século XX?

É difícil não pensar nos fenômenos que André Duarte cita como sendo sinais deste funcionamento, tais como as “prisões superlotadas no terceiro mundo”, “os campos de trabalho escravo” ou o “xenofobismo”. Será que estes se manifestam com o mesmo conteúdo político em todas as experiências políticas do final do século XX e começo do XXI. Não se trata de negar a presença, por exemplo, da xenofobia, mas será que não ocorre um conflito em torno desta prática nestas sociedades democráticas? Qual a natureza deste conflito? Como pensar fenômenos como o culturalismo, as tensões e o diálogo que este tema coloca na agenda política sem refletir sobre a maneira pela qual este emerge na esfera da política. Será que os campos de trabalho escravo são aceitos indistintamente como o modelo de funcionamento para as relações trabalho e capital?

Neste sentido, cabe a pergunta sobre se Heidegger não seria um pensador apolítico. Numa importante passagem, Maquiavel chamava a atenção para as diferenças existentes no âmbito do domínio político entre a França e a Turquia[8]. O político refere-se tanto à maneira pela qual as instituições políticas se organizam, seja no seu aspecto formal seja no comportamento informal dos cidadãos. Neste filão de análise, podemos encontrar Gramsci, na sua reflexão sobre a sociedade civil[9] e Max Weber, e o tema dos tipos de dominação[10]. As mediações da política, a maneira pela qual a esfera pública está organizada, desaparecem nesta análise, que toma a emergência do animal laborans como conteúdo determinante da política.

Um dos aspectos mais originais de Hannah Arendt, que recebe de André Duarte uma abordagem audaciosa, vem a ser o tema do juízo na política e, diretamente associado a este, a questão do dialógo.

Anteriormente, André Duarte havia abordado este tema num ensaio acerca da leitura empreendida por Hannah Arendt da filosofia política de Kant[11]. Neste ensaio, André Duarte ponderou, dentre outros aspectos, que o procedimento de se colocar no lugar do outro não seria uma empatia que impediria o julgamento[12]. No trabalho agora publicado, ocorre um aprofundamento deste tema. Segundo André Duarte, o juízo reflexionante acarretaria uma referência a todos os outros que compartilham o mundo comum por meio da atividade imaginativa imparcial e, principalmente, da mentalidade alargada, procedimentos através dos quais aquele que julga se põe no lugar do outro[13]. André Duarte formula a seguinte visão:

“Arendt não se cansa de enfatizar a importância ético política desta escolha de si, a qual não se confunde com o egoísmo, na medida em que não é mobilizado por interesses subjetivos idiossincráticos ou patológicos, mas pela pura satisfação desinteressada, isto é, pela capacidade do indivíduo de deleitar-se com algo ou alguém – em suma, com um exemplo-que não lhe trazem benefícios imediatos ou calculáveis. Não por acaso, tal escolha de si- em verdade, escolha do outro com o qual convivo no dialógo silencioso do pensamento- conformar-se plenamente com o sentimento desinteressado da felicidade pública, isto é, com a capacidade de contentar-se com decisões políticas que concernem a todos, sem levar em consideração o interesse particular. (Duarte, 2010, p.447)”.

A ênfase que André Duarte coloca no “sentimento desinteressado da felicidade pública” poderia ser pensada conjuntamente a outro aspecto que me parece muito presente no texto “Sócrates”[14]. Quando Hannah Arendt busca estabelecer uma base sólida para a esfera pública, esta não se encontra na justiça, como em Platão, mas na amizade fundada no diálogo, conforme Aristóteles[15]. A autora estabelece que o componente político da amizade residiria na capacidade que o indivíduo possui de enxergar os assuntos públicos do ponto de vista do outro. Segundo Aristóteles, no amor de si mesmo, base da verdadeira amizade, o agente pratica o bem não apenas porque é justo, mas porque é benéfico ao outro, e o faz porque é capaz de se colocar no lugar do outro[16]. Esta capacidade não exclui a produção de benefícios àquele que a pratica, bem como o reconhecimento da sua ação por parte do outro. A amizade é distinta da benevolência. Nesta, amam-se pessoas com as quais não foram estabelecidos vínculos, ignorando o que estes possam oferecer, ama-se ao gênero humano, sem que exista um sentimento mútuo; a amizade requer que o outro também deseje o bem do amigo[17]. Tal elemento de reciprocidade serve para distinguir do amor cristão, no qual se ama ao inimigo, oferecendo-lhe a outra face. Os amigos trocam sentimentos, numa relação na qual existe um proveito distinto da utilidade. Esta capacidade, de ver o mundo público da maneira que o outro enxerga, e ser capaz de incorporá-la, Arendt designa como “verdadeira liberdade”. Em outras palavras, ser livre significa a capacidade de se deslocar entre as várias opiniões acerca do mundo público; é não estar atado a uma única visão, dispor de liberdade para dialogar entre as diversas apreciações dos assuntos públicos. Gostaríamos de sugerir que esta característica da mentalidade alargada apontada por André Duarte, o “sentimento desinteressado da felicidade pública”, pudesse ser pensada conjuntamente a idéia de ganho, de reconhecimento e de tolerância. Aquele que pratica a mentalidade alargada possui um conhecimento acerca dos assuntos públicos que aquele que permanece preso à sua opinião jamais terá ao mesmo tempo, a amizade requer que haja um reconhecimento, que os atores envolvidos reconheçam nos demais participantes o direto a participar. Somente participo se minha opinião for ouvida. André Duarte chama a atenção, com plena razão, que na mentalidade alargada não só não ocorre uma empatia que paralise o juízo, como jamais ocorre a dissolução do outro[18]. Seria interessante pensar que o momento no qual os participantes mantêm as suas diferenças a um ponto irreconciliável seja o tempo de se incorporar a ideia de tolerância, como um elemento central da esfera pública. As sociedades contemporâneas experimentam com a emergência do culturalismo não a dissolução do outro numa comunidade republicana integradora, mas uma ampliação do ideal de tolerância.

A filosofia política e a teoria política ganham com o livro ora publicado uma importante contribuição. É um caso raro de autor que aborda os pensadores mencionados com domínio e originalidade e, ao mesmo tempo, se debruça com acuidade sobre os fenômenos contemporâneos. Os dois aspectos ganham densidade, o estudo dos autores se nutre da análise da contemporaneidade e esta recebe um tratamento conceitual que esclarece questões fundamentais da pós-modernidade.

[1] André Duarte. O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

[2] Hannah Arendt. O que é política. Rio de Janeiro, Bertrand, Brasil, 2006, p.40

[3] Quentin Skinner. A third concept of liberty. (2001). In: Contemporary Political Philosophy: an anthology. Robert Goodin and Philip Pettit (ed.). Blackwell Publishing, USA, 2008.

[4]Seyla.Benhabib. The reluctant modernism of Hannah Arendt. New York, Rowman & Littlefield: New Edition, 2003.

[5] Duarte, Vidas em risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, pp.310-311.

[6] Idem, p. 323.

[7] Ver Hannah Pitkin: Absent authorities: Tocqueville and Marx. In: The attack of the blob: Hannah Arendt´s concept of the social. Chicago: The University of Chicago Press, 1998.

[8] Nicolau Maquiavel. O príncipe. In: O príncipe; Escritos Políticos. 3ª edição. São Paulo; Abril, 1983, Col Os pensadores.

[9] Antonio Gramsci. Cadernos do Cárcere. Vol. 3. Civilização Brasileira. 3ª Edição.: Rio de Janeiro, 2007.

[10] Max Weber. O cientista e o político. In Ensaios de Sociologia. Editora Guanabara. Rio de Janeiro. 1982.

[11] André Duarte. A dimensão política da filosofia kantiana segundo Hannah Arendt. In: Hannah Arendt. Lições sobre a filosofia política de Kant. Relume-Dumará. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1993.

[12] Idem, p. 125.

[13] Duarte, 2010, p.445.

[14] Arendt. A promessa da política. Rio de Janeiro: Difel: 2009.

[15] Idem, pp.59-60.

[16] Aristóteles. Ética a Nicômaco. In: Aristóteles. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, 1984.

[17] Idem.

[18] Duarte, 2010, p.437

Memória histórica da ditadura militar, por Carlos Eduardo Rebello de Mendonça

by Grupo Hannah Arendt - Brasil
Fonte: blog Outro Olhar - Revista Forum

No clássico de Erich Auerbach sobre a evolução da representação da realidade na tradição literária ocidental, Mimesis, é citado um trecho das Memórias do Duque de S. Simon em que este conta o encontro reservado que teve em Versalhes com o confessor de Luis XIV, o jesuíta Tellier, que lhe pedia apoio político a uma perseguição religiosa, episódio este que o Duque descreveu , muitos anos mais tarde, horrorizado diante da sua recordação de um jesuíta que, “nada podendo esperar para sua família, nem, pelo seu estado e votos, para si mesmo, nem uma maçã ou um copo de vinho a mais que outros; que, pela sua idade mesma, estava a ponto de prestar contas a Deus, mas que, deliberadamente e através de grandes artifícios, lançaria o Estado e a religião na mais terrível combustão, e começaria uma perseguição terrível por questões que não lhe diziam respeito [...] Tudo isto me lançou num tal êxtase, que, subitamente percebi-me perguntar enquanto o interrompia: ‘Meu padre, que idade tendes?’ [Mon Père, quel âge avez vous?]”. O Duque descobre, então, que o jesuíta tinha então 73 anos – o que, no século XVIII, era obviamente uma idade mais do que provecta. E Auerbach comenta: quando S. Simon olha Tellier de tous ses yeux,ele percebe , para além do indivíduo, “a essência de qualquer comunidade solidária rigidamente organizada” – a noção da ideologia como algo que “torna-se uma força material ao tomar a mente das massas”.

Quando, no Rio de Janeiro, três séculos após o encontro de S.Simon, vê-se uma comunidade de velhos torcionários, dos quais, pela idade igualmente provecta, poder-se-ia esperar que estivessem concentrados no seu memento mori , e ainda mais necessitados que o bom Padre Tellier em compenetrarem-se do julgamento divino (ou da posteridade, c’est égal) ; um bando de octogenários , muitos com dificuldades de locomoção, dirigirem-se , mesmo trôpegos, a um lugar público para aí darem vivas, da maneira mais acintosa, numa provocação meticulosamente preparada, a um atentado contra a mera legalidade burguesa, à tortura e ao homicídio, e encontrarem apoio na repressão policial para provocarem , num breve espaço de tempo, uma combustão que pouco faltou para concluir-se com uma morte entre seus opositores – diante de tal espetáculo, cabe novamente a pergunta do Duque: qual, afinal, a idade dessa gente? Pois tanto endurecimento no prazer perverso na extrema velhice não pode ser considerado como justificativa, e sim como agravante…

Seja como for, em si mesma, tal comemoração deveria suscitar mais a repugnância do que a cólera, e o maior paradoxo da manifestação de 29 de março de 2012 estava em que os mais encarniçados na denúncia aos golpistas eram, na maioria, pessoas que, pela idade, não eram nem nascidas quando terminou a ditadura. Só que, em política, nenhuma evocação do passado existe “em si mesma”; quando o morto “ressurge”, é porque ele não estava , de fato, morto… ou porque se trata de outra coisa.

De certo modo, o Golpe de 1964 e os vinte e um anos de ditadura que a ele se seguiram representaram a conclusão da nossa Revolução Burguesa, a “Revolução Brasileira” dos isebianos – apenas (três)lida pela ótica do interesse mais reacionário. Neste processo, tudo que havia sobrevivido de pré-capitalista na nossa cultura e política – as tradições paternalistas, a “cordialidade” privada temperando a brutalidade das relações econômicas, a democracia informal dos botequins cariocas , etc.etc. – tudo isto, entre 1964 e 1985, foi extirpado, eliminado , aniquilado – em função do simples interesse econômico mais grosseiro, o pagamento a vista doManifesto Comunista. De lá para cá, chegamos finalmente à modernidade – mas uma modernidade inteiramente reacionária, e daí o nosso sentimento difuso de habitarmos uma sociedade profundamente embrutecida.

Já que estamos falando de política por meio da literatura, vem a propósito lembrar a sátira do falecido Millôr Fernandes, que, diante do deserto do pós-ditadura e do governo Sarney, fazia um pasticho de Manuel Bandeira para falar do Brasil como país da falsa modernidade , onde “Telefone não telefona/A droga é falsificada/E prostitutas aidéticas/ Se fingem de namoradas”. Estava, lamentavelmente, errado: trinta anos depois, ainda que os telefones (privatizados) telefonem (a preços extorsivos) e as drogas talvez possam ser mais confiáveis, o grande problema da modernidade brasileira presente é que ela nada tem de “ideológico” no seu sentido de senso comum, de mistificação; as prostitutas não “se fingem” mais de namoradas – ou de qualquer outra coisa; o interesse capitalista nu e cru mostra em toda parte a sua cara. Os tempos não se prestam mais à sátira – e é precisamente por isso que enquanto os octogenários da repressão fanfarroneiam na rua, dos octogenários da Turma de Ipanema, “os que teimam em viver, estão entrevados” (ou aderiram…). No Brejal dos Guajajaras high-tech , o “latifúndio feudal” virou agribusiness e imperialismo “globalização”.

A Direita neoliberal, quando quer se dessolidarizar da ditadura, adora dizer que esta foi “de Esquerda” (i.e., nacionalista e estatista). O que há de falso neste sofisma é considerar que o nacionalismo e a intervenção estatal, possam, em si mesmos, serem de “Esquerda”. Mas uma coisa é certa: a ditadura foi desenvolvimentista; de certa forma, ela confirmou Álvaro Vieira Pinto e Guerreiro Ramos quando estes, no ISEB, escreviam que a consciência da necessidade do desenvolvimento econômico era algo que penetrava todas as classes da sociedade brasileira. Estavam completamente corretos: no meio século seguinte, o que caracterizou todos os atores políticos brasileiros foi compartilharem da crença no desenvolvimento econômico como supremo dissolvente do “atraso” , em versões mais ou menos “igualitárias” – a trajetória do PT, por exemplo, só faz sentido se vista por esta ótica.

O erro, se erro houve (pois, bem ou mal, uma teoria passada não pode dar conta das tarefas do futuro) estava na incapacidade de prever que a “base” econômica, em si mesma, não é capaz de dar direção aos eventos; o desenvolvimento econômico, superposto a relações sociais e políticas atrasadas, só é capaz de gerar um desenvolvimento ….atrasado: a promessa dos arcos de Brasília encontrou sua realização prática… no ecocídio de Belo Monte. Num certo sentido, trata-se de algo que já estava anunciado no aforisma de outro isebiano, Roland Corbisier : “na Colônia, tudo é colonial”. Ou, mais exatamente: desenvolvimento desigual e combinado. Chegamos a um ponto em que temos de reconhecer o simples fato de que nossa modernidade está completa – e, por isso mesmo, desprovida de todo e qualquer elemento progressista (com a exceção recente de um distributivismo limitado, que começa a dar sinais de esgotamento).

E assim, quando em 2012 vemos uma repetição em miniatura das batalhas de rua de 1968, o que faz com que esta repetição não seja uma “farsa” à maneira do 18 Brumário, é que, quando os jovens de 2012 tentam reabrir o processo de 1964, não é apenas o processo de 1964, mas o processo de 1964 e de toda a dominação burguesa a ele subsequente, que está em jogo. E, como não se podem criticar os subsequentes sem os precedentes, podemos concluir dizendo que, no limite é toda a nossa história que está em jogo.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Leituras sobre o ecocídio de Belo Monte

by Grupo Hannah Arendt - Brasil
por Idelber Avelar (Blog Outro Olhar - Revista Forum)

A bibliografia comentada que segue abaixo é um guia para se entender melhor a gravidade do que o Brasil está prestes a fazer com as populações indígenas, ribeirinhas e lavradoras do Xingu, e com seu próprio ecossistema como um todo. Dividida por tópicos, essa bibliografia inclui estudiosos que se debruçam sobre o tema Belo Monte há décadas, como Oswaldo Sevá, da Unicamp, e Célio Bermann, da USP, lideranças indígenas como Raoni Metuktire, um intelectual brasileiro que está entre os mais respeitados do mundo hoje, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, materiais produzidos pelo Ministério Público Federal e testemunhos de movimentos populares da região do Xingu. Depois de cada link, há um breve parágrafo de minha autoria que tenta resumir a importância daquele ítem. Nada substitui, claro, a leitura completa dos próprios textos.

Como se verá, várias das afirmativas usadas para justificar a construção da usina não resistem à análise. Quando se diz que “o Brasil precisa” de mais energia, há que se questionar o que se entende aqui por “Brasil” e o que se entende por “precisar”. Quando se fala de impacto “indireto” sobre uma determinada população, há que se interrogar o que essa palavra, “indireto”, esconde. Ao ouvir falar de consequências “locais” da obra, também vale a pena se perguntar o que quer dizer exatamente “local”. Quando a defesa de Belo Monte se traveste da pergunta “qual é a alternativa”, há que se saber alternativa a quê, para quem e segundo qual modelo.

Introdução

1. Cronologia do caso: o projeto de Belo Monte foi concebido pela ditadura militar brasileira em 1975. Ele traz as marcas da geopolítica de Golbery do Couto e Silva, que vê a Amazônia como tábula rasa, fonte de recursos a serem pilhados e região que deve se submeter a uma modernização tecnocrática. Os defensores do projeto hoje argumentam que ele já não é o mesmo da ditadura, o que é verdade. O projeto original concebia uma área de alagamento maior e um número maior de barragens. Como consequência das lutas dos povos do Xingu, esses elementos foram modificados, como se verá abaixo. Mas a cronologia mostra que a concepção que rege o projeto mantém-se rigorosamente a mesma.

2. Perguntas frequentes sobre Belo Monte: para quem ainda não entende “por que tanto barulho” sobre este caso, este é o link ideal para se começar. Eles traz os dados sobre realmente qual é a quantidade de afetados pelo projeto, quantas etnias indígenas seriam impactadas, a área de alagamento e outros dados essenciais.

3. Povos indígenas, as cidades e os beiradeiros do Rio Xingu que a empresa de eletricidade insiste em barrar (páginas 29 a 54 do pdf): este é o principal capítulo do livro organizado por Oswaldo Sevá em 2005, Tenotã-Mo. Aqui, um dos maiores especialistas brasileiros em energia conta a história em detalhes, mostrando que tudo o que está sendo dito agora pelo governo federal sobre Belo Monte foi dito antes sobre Tucuruí, e provado falso. Sevá mostra, por exemplo, que a empresa já sabia, nos anos 70, graças a estudos do CNEC, das populações de beiradeiros em toda a Volta Grande. A Eletronorte escondeu esses dados, assim como escondeu outros e falsificou outros. Sevá demonstra que, do ponto de vista da lógica do investimento, não faz o menor sentido insistir que somente a usina de Belo Monte será construída, mesmo que o projeto inicial, de seis barragens, tenha sido formalmente engavetado. Quem está dizendo que Belo Monte não é uma porta de abertura para outras hidrelétricas no Xingu mente ou se ilude. É só fazer as contas.

4. Histórico judicial do caso: escrito pelo Procurador do Ministério Público Federal no Pará, Felício Pontes, Jr., este assustador relato mostra como o projeto tem sido imposto goela abaixo da população desde o ano 2000, sem nenhuma diferença significativa entre os governos FHC, Lula e Dilma. Aqui você encontrará toda a história do desrespeito à lei, incluindo-se dispensas de licitação legal, ausência de oitivas às populações indígenas afetadas (ou oitivas fictícias, marcadas em cima da hora, em lugares inapropriados, com toda a sorte de obstáculos à participação dos indígenas), condicionantes ambientais não cumpridas, bizarras jabuticabas não existentes no marco regulatório (como a “licença de instalação parcial”) e intensas pressões sobre o Ibama. O relato faz pensar: por que, afinal de contas, a lei vale para alguns e não para outros?

O impacto humano:

5. Resumo dos impactos sociais: este é um resumo bem breve, que inclui somente o impacto imediato sobre as populações do Xingu. O impacto chamado “indireto” – palavrinha que sempre deve ser questionada aqui – vai muito além disso, como se verá abaixo.

6. Fala do líder Raoni Metuktire na ONU e 7. Raoni promete: “vamos lutar até o fim”: antes de falar de megawatts, “alternativas”, área de alagamento, é imperativo ouvir o que dizem os povos do Xingu. Nestes dois vídeos, Raoni Metuktire testemunha a contaminação e envenenamento do Rio Xingu pelo agronegócio, pela pecuária e pela mineração. Agora você imagine qual será a situação depois de um empreendimento desse gigantismo, com a migração de dezenas de milhares de pessoas e o desalojamento de outros tantos milhares. No segundo vídeo, ele alerta para as mortes de peixes como consequência da usina – fenômeno já bem conhecido dos que estão acompanhando as tragédias no ex-Rio Tocantins. Depois da fala de Raoni, fica a pergunta: quem discute o “impacto” de Belo Monte sobre os índios da região dizendo que “nenhuma terra indígena será alagada” usa qual tipo de óleo de peroba na cara?

8. A verdadeira cara da Norte Energia em vídeo: aqui você tem uma ideia de como funcionam as “compensações” dadas pela indústria barrageira a seus afetados: as ameaças, as desapropriações, os pagamentos escandalosamente abaixo do preço de mercado e a revolta dos moradores, donos legítimos de seus terrenos e casas, de repente expulsos por uma empresa privada. Pergunte-se, habitante do Sul Maravilha: e se fosse na sua casa?

9. Depoimentos de lideranças indígenas e ribeirinhas: neste post, o grande jornalista Leonardo Sakamoto compila alguns testemunhos in loco. Sobre as oitivas: Quem veio nas audiências do governo, não teve resposta para as suas perguntas. Além disso, organizaram audiências em cima da hora para não podermos participar. Sobre o cemitério que se encontra na região: Perguntamos o que eles vão fazer com o nosso cemitério. Eles disseram que isso é sentimentalismo. Há muito mais acerca de como o povo da região tem sido tratado.

10. Carta aberta dos povos indígenas: de novo no Blog do Sakamoto, é um texto contundente e claro, para quem tem alguma dúvida sobre qual é a posição dos povos indígenas da região. Atenção para a quantidade de povos e associações que assinam a carta. Depois da leitura desses documentos, acredito ser patentemente impossível crer na lorota etnocêntrica de que os indígenas são contra Belo Monte porque “tem muita gente lá dizendo a eles que vai ser o fim do mundo” (sim, este é um “argumento” frequentemente ouvido).

A lógica predatória do capitalismo barrageiro:

11. Grandes e polêmicas obras serão chamadas, no Brasil, a ‘salvar’ o capitalismo global: esta entrevista com Oswaldo Sevá talvez seja a melhor introdução geral ao ecocídio. É uma explicação clara dos interesses que movem esse gigantesco negócio; de como funciona o Ministério das Minas e Energia do Brasil; da sequência de mentiras—algumas inclusive contraditórias umas com as outras—contadas pela indústria. Sevá mostra também que “o Brasil precisa de mais energia” é uma frase que convenientemente esconde uma série de fatos: que há folga operacional nas usinas construídas; há máquinas de reserva que podem ser acionadas; que as represas estão cheias há vários anos; que uma enorme quantidade de energia pode ser gerada com a simples limpeza de turbinas. Em outras palavras, Sevá demonstra cabalmente que Belo Monte está sendo construída por razões outras que “o Brasil precisa de mais energia”. É a construção em si que dá um lucro tremendo, gerando, depois, energia subsidiada para as indústrias eletrointensivas.

12. Belo Monte, nosso dinheiro e o bigode do Sarney: esta entrevista de Eliane Brum com Célio Bermann, professor da USP, detalha um pouco mais sobre a caixa preta do setor energético do país, a ficção da energia a R$ 78 o megawatt-hora (que não pagaria nem o capital investido, demonstrando mais uma vez que é na construção que se joga o interesse econômico), a insanidade do modelo de geração de energia elétrica para abastecer multinacionais do alumínio que empregam pouquíssima gente, a miríade de alternativas que temos para evitar o ecocídio. Recomendadíssima.

13. Um procurador contra Belo Monte: outra entrevista essencial de Eliane Brum, desta vez com Felício Pontes Jr., o brasileiro que mais admiro hoje. Dr. Felício explica tanto a luta jurídica contra o projeto como alguns de seus impactos mais devastadores: a redução de 80% a 90% da vazão do Xingu em 100 km de sua extensão (algo assim como a distância entre a Praça da Sé e o centro de Campinas), a extinção de 270 espécies de peixes e o desmatamento, companheiro fiel das hidrelétricas na Amazônia, e que no caso de Belo Monte pode chegar a 5.300 km além da área alagada. É uma leitura essencial, de um brasileiro comprometido com o povo que representa.

14. Dilma diz que Belo Monte não atingirá indígenas. Ah, vá! Do Blog do Sakamoto, este é um texto sucinto, rápido e perfeito para responder à insistente equação entre “afetados” e “alagados”. Como não haverá terras indígenas alagadas, a indústria barrageira e o governo sistematicamente repetem o bordão de que os indígenas do Xingu não serão afetados. Ora, a preocupação é justamente a contrária, o fato de que 100 km da Volta Grande vão praticamente secar, afetando não só a navegabilidade como extinguindo fauna e flora e provocando insegurança alimentar. Para não falar, claro, dos milhões de poças d’água parada, criadores de mosquitos da malária.

15. A mentira energética, o embrulho dos dados econômico-financeiros, e a “ficha suja” de quem inventou e promoveu o projeto. Aqui neste texto de Oswaldo Sevá, você vê toda a maquiagem dos números: a mui mal contada história dos 11.000 MW de energia; a bizarra multiplicação do custo do projeto, que começa em 4,5 bilhões e já se encontra em 30 bilhões; a escandalosa discrepância entre cálculos do governo e os cálculos do empresariado, feitos simultaneamente. Lembrando que 80% desse investimento é dinheiro público (a juros bem módicos e com longos prazos de amortização) e que pelo menos 10 bilhões são diretamente pagos com dinheiro do trabalhador, fica a pergunta: você, que paga impostos aí no Brasil, se não se importa com indígenas, ribeirinhos, fauna, flora e futuro do planeta, será que poderia se importar um pouco com o seu dinheiro?

16. Trinta anos de manobras estranhas, omissão de informações cruciais, e algumas mentiras grossas. Oswaldo Sevá repassa a história das ocultações e mentiras da indústria barrageira: a manipulação do artigo 231 da Constituição, a desqualificação dos índios que vivem fora das aldeias e a ocultação do fato de que não havia qualquer plano de reassentamento das populações, entre muitas outras.

17. O “novo” inventário hidrelétrico, que recuou sem dizer por que… e a nova decisão, “para a platéia”, de fazer somente uma das quatro grandes usinas. É um texto de análise do credo do Deus barragista: todo rio deve ser barrado para fazer hidrelétrica. Mostra claramente, à luz da história das mentiras da indústria, que é ingênuo ou mal intencionado quem crê que Belo Monte será a única UHE feita no Rio Xingu, apesar da “resolução” do fantasmagórico CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) afirmando o contrário. Na verdade, é o próprio diretor-presidente da ANEEL, Jerson Kelman, quem disse que a Resolução do CNPE “foi essencialmente política…Tecnicamente, não há razão para não fazer as outras usinas (…) faz parte do jogo democrático tentar agradar a todos os interessados. (…) É o típico caso de dar os anéis para ficar com os dedos”.

A farsa do licenciamento ambiental e a manipulação dos impactos:

18. Profa. Andréa Zhouri fala sobre a concepção de licenciamento ambiental que rege o desenvolvimentismo. Esta é uma aula magistral e um dos itens mais importantes desta biblio-videografia. A Prof. Zhouri, que estuda licenciamentos ambientais há 12 anos, detalha claramente qual é a concepção que rege a relação do desenvolvimentismo com as populações afetadas. Mostra como as audiências são processos unilaterais, em que a população não tem respostas a suas queixas e para as quais nunca há continuação. Mostra como os EIA-RIMA (Estudos de Impacto Ambiental – Relatórios de Impacto sobre o Meio Ambiente) são, hoje em dia, templates comprados prontos, que às vezes se repetem ipsis literis de um projeto para outro, com os mesmos chavões e o mesmo descaso com a vida humana. Zhouri demonstra, em outras palavras, que, para o barragismo, o licenciamento ambiental é um mero obstáculo—que, como veremos, vem sendo simplesmente removido sem cumprimento no caso de Belo Monte. A aula da Dra. Zhouri é uma explanação emocionante e bem informada de quem sabe o que diz: Não se questiona aqui o desenvolvimento em si, mas o autoritarismo de um planejamento sem diálogo com a sociedade, e sem abertura para a incorporação de outras formas de viver, ser e fazer que fazem parte efetivamente disso que chamamos de Brasil.

19. O malabarismo do cálculo do número de atingidos: Até frases como “são só 200 índios” são ouvidas na defesa do projeto de Belo Monte. Oswaldo Sevá aqui detalha como se manipulam, quantitativa e qualitativamente, o universo dos atingidos por um mega-projeto capitalista como este. Os autores do próprio Estudo de Impacto Ambiental reconheceram que deveriam resolver o problema de 19.242 indivíduos, número encontrado depois de suspeitíssimo recenseamento. O texto de Sevá é de 2009. De lá para cá, a situação em Altamira piorou dramaticamente, como se verá abaixo. A indústria continua não dando qualquer resposta dialogada com a população.

20. O subestimado número de 19.242 pessoas a se deslocar: o que se prevê aqui neste texto de 2009 é o que já está acontecendo na região. O número de 19.242 pessoas atingidas é ridiculamente subestimado, e não inclui moradores de Altamira, Vitoria do Xingu, Senador José Porfírio e Anapu que terão suas posses afetadas. Não inclui moradores do trecho seco do rio, que teriam suas vidas completamente bagunçadas pelo fim da navegabilidade do Xingu naquele trecho e pela extinção de flora e fauna. Na verdade, o texto de Sevá é profético. As notícias de 2011 já confirmam seu prognóstico de 2009 (que era também, diga-se, o prognóstico das lideranças indígenas da região) e desmentem mais uma vez a indústria barrageira.

21. A safadeza do licenciamento obrigatório: O que a Prof. Zhouri demonstra em termos gerais, o Prof. Sevá detalha para o caso de Belo Monte: Estudo de Impacto Ambiental pronto antes do estudo de campo ser concluído; o licenciamento com data marcada para ser concedido; as “consultas à população” armadas como um teatro para ser encenado e esquecido; as jabuticabas da “licença parcial” e da “licença temporária”–coisas inexistentes no marco regulatório—entre outras ilegalidades.

As violações dos direitos humanos e as condicionantes não cumpridas:

22. Relatório da Plataforma DHESCA sobre violações dos direitos humanos: São 81 páginas de puro horror e eu realmente recomendo que você as leia antes de concordar calado que seu dinheiro seja usado para financiar esse ecocídio. O relatório da Missão Xingu detalha: a perda irreversível de biodiversidade; o risco de proliferação de doenças endêmicas; o subdimensionamento das emissões de metano; a análise insuficiente sobre os riscos de migração e invasão de terras indígenas; a ameaça de extinção de espécies no Trecho de Vazão Reduzida; o subdimensionamento da população atingida, entre outros componentes do ecocídio.

23. O Novo Eia-Rima: Justificativas Goela Abaixo: é a contribuição de Philip Fernside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, a um trabalho de mais de 40 pesquisadores com experiência no bioma amazônico e em hidrelétricas. Ele mostra vários problemas no EIA-RIMA: omissão das emissões das turbinas e vertedouros; manipulação dos custos; distorções no detalhamento dos beneficiários. É mais uma demonstração, por um painel de pesquisadores independentes, de como o projeto de Belo Monte tem sido embrulhado em mentiras desde seu começo.

24. Ata da audiência pública de Discussão do Impacto Ambiental de Belo Monte, Belém 2009: Se você quiser ver a mentirada em ação, é só ler esta ata da “audiência” realizada em Belém, em 2009. Lembremos que o local desta audiência foi mudado em cima da hora. Recordemos que muita gente ficou do lado de fora. Sublinhemos que todos os obstáculos possíveis foram colocados à participação popular. Mesmo assim, a série de questionamentos dos atingidos recebeu, como resposta, um elenco de promessas. Para ver se elas foram cumpridas, basta conferir o noticiário atual. O representante do governo do Pará nesta “audiência” foi o Secretário Claudio Puty, da então governadora petista Ana Júlia Carepa.

25. Análise de riscos socioeconômicos e ambientais do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte: esta análise demonstra que, mesmo sem mexer em nada na nossa matriz energética, mesmo continuando com os obscenos subsídios às indústrias eletrointensivas, mesmo sem investimentos extra em energia eólica ou solar, mesmo, enfim, continuando na mesma lógica predatória do capitalismo agroexportador, o Brasil poderia postergar em 20 anos a construção de Belo Monte. É mais uma demonstração de que o grande motivo por trás da construção dessa usina não é a energia em si, mas o lucro advindo da própria construção.

Grupo Hannah Arendt - Brasil | 10/04/2012 at 08:16

Leituras sobre o ecocídio de Belo Monte, 2ª parte

by Grupo Hannah Arendt - Brasil
Por Idelber Avelar - Blog Outro Olhar (Revista Forum)

1 e 2 . Análise crítica do estudo de impacto ambiental: Painel de especialistas. Feito em 2009, esse estudo de 230 páginas desmentia várias afirmativas feitas pelo EIA-RIMA. De 2009 para cá, os fatos já se encarregaram de demonstrar quem mentia e quem dizia a verdade. No caso do Trecho da Vazão Reduzida, por exemplo, as comunidades locais sempre disseram que ela ia secar, ao contrário do que afirmavam o consórcio e os repetidores de “informação” oficial na internet. Pois bem, agora é o próprio consórcio quem reconhece que vai secar mesmo. A análise crítica do estudo de impacto ambiental apontou, entre outras inverdades: Ausência de referencial bibliográfico adequado e consistente; Ausência e falhas nos dados; Coleta e classificação assistemáticas de espécies, com riscos para o conhecimento e a preservação da biodiversidade local; Correlações que induzem ao erro e/ou a interpretações duvidosas; Utilização de retórica para ocultamento de impactos. Subdimensionamento da área diretamente afetada; Subdimensionamento da população atingida; Subdimensionamento da perda de biodiversidade; Subdimensionamento do deslocamento compulsório da população rural e urbana; Negação de impactos à jusante da barragem principal e da casa de força; Negligência na avaliação dos riscos à saúde; Negligência na avaliação dos riscos à segurança hídrica; Superdimensionamento da geração de energia; Subdimensionamento do custo social, ambiental e econômico da obra. Está tudo lá. Confira.

3 e 4. Belo Monte e a mineração em terras indígenas. Parte da mesma lógica predadora que rege a construção da usina é a crescente pressão para a liberação de algo que foi tentado na ditadura militar e não oficializado até hoje: a mineração em terras indígenas. Ela acontece, com frequentes invasões de garimpeiros, mas ao arrepio da lei. E eis que, na semana passada, chega a notícia de que ninguém menos que o representante da Casa Civil na reunião de Altamira com lideranças indígenas fez lobby pela aprovação do PL 1610, que autoriza mineração em Tis. Repetindo: o representante oficial do governo federal, numa reunião em que supostamente teria que oferecer às lideranças indígenas respostas para impactos sociais e ambientais já visíveis e não resolvidos, defendeu a aprovação de um PL que autoriza o que nem a ditadura conseguiu: mineração em terras indígenas. Para quem sabe o beabá sobre o efeito da mineração em terras de populações tradicionais, não é necessário explicar as possíveis consequências que adviriam daí.

5. Belo Monte confirma a energia da colônia, por Lúcio Flávio Pinto. Um dos maiores jornalistas brasileiros em atividade, talvez o jornalista que mais profundamente conheça o estado do Pará, mostra direitinho qual é a lógica econômica do projeto, assim como sua origem: a ditadura militar. Para simplificar, o Estado banca, entra com o financiamento, assume os riscos. O lucro é privado. Veja o detalhamento desse esquema no texto de Lúcio Flávio. Este blog também recomenda que você se cadastre para ler o fantástico Jornal Pessoal, mantido há anos por Lúcio.

6. Belo Monte derruba presidente do IBAMA: é uma breve matéria, mas mostra mais uma vez o cinismo de se desqualificar as interrogantes ambientais acerca de Belo Monte com o argumento de que “o IBAMA fez o estudo e autorizou”. O que acontece no mundo real, evidentemente, é que quando o presidente do IBAMA não cede às pressões da indústria barrageira, o presidente do IBAMA cai. É simples assim. Este blog perdeu a conta de quantos presidentes do IBAMA caíram em anos recentes, mas é uma curiosa compilação a ser feita.

7. O governo federal deve à sociedade brasileira uma satisfação sobre a matriz energética, por Washington Novaes. O artigo de Novaes pede ao governo federal o mínimo: demonstração clara do porquê da expansão enlouquecida da matriz, sem estudos sérios, sem oitivas verdadeiras com as populações afetadas, sem consideração real dos impactos sociais e ambientais. Como contra-argumento, o artigo oferece várias citações: o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico afirma: “estamos nadando em sobras”. O Professor Carlos Vainer, da UFRJ, afirma “o planejamento energético no País continua autista”. O próximo ítem dará uma dimensão desse absurdo mas, por enquanto, fica a pergunta: por que então construir uma usina que representa tal atropelamento aos direitos mais elementares das populações do Xingu? Se você pensou “dívida de campanha com empreiteira”, está no rumo certo.

8. Sobra de energia pode encarecer contas de luz. É, como disse Caetano Pacheco no Twitter, o surrealismo brasileiro do dia. A matéria é autoexplicativa. Por um lado, os repetidores de informação oficial gritam que sem Belo Monte teremos apagão. No mundo real, as sobras a que aludia o diretor-geral do ONS no ítem anterior causam encarecimento das contas de energia elétrica. Como os defensores do ecocídio justificaram essa? Ainda não vi nenhuma tentativa.

9. A contestação de Belo Monte. Outra matéria que mostra o atropelo do processo de licenciamento. No ítem 6, acima, vimos como a recusa a aceitar as pressões do consórcio e do próprio governo derrubou um presidente do IBAMA, Abelardo Bayma (o caso está longe de ser único; presidentes do IBAMA caem como jabuticabas quando não se dobram e tentam cumprir a lei). Imediatamente depois, o presidente interino, Américo Ribeiro Tunes, assinou a licença prévia. Veja a matéria para uma compilação não exaustiva das ilegalidades, incluindo a malfadada (e não prevista na legislação) “licença de instalação parcial”.

10. As primeiras vítimas de Belo Monte, por Rodolfo Salm. Durante o todo o processo de “discussão” (dez aspas de cada lado, por favor) de Belo Monte nas redes sociais, os repetidores de “informação” oficial diziam: “nenhuma aldeia será afetada”, “está sendo feito o planejamento adequado” etc. Mais uma vez, era mentira, e o mapeamento feito pelo Professor Salm, das primeiras vítimas da especulação imobiliária, da violência urbana em Altamira, das ocupações ilegais e dos desalojamentos, dá uma (pequena) dimensão da coisa.

11. Violência sexual contra crianças e adolescentes cresce 138% em Altamira. Não surpreende, e em nenhuma avaliação dos impactos sociais da obra, o oficialismo apontou sequer a preocupação com este detalhe: a migração masculina massiva, combinada com a desalojamento de famílias inteiras. A matéria mostra claramente que Belo Monte também é – como todos os megaprojetos do tipo – uma questão para o movimento feminista.

12. Análise dos riscos socioeconômicos e ambientais do complexo hidrelétrico de Belo Monte, texto apresentado por Wilson Cabral de Sousa Júnior e John Reid ao V encontro da Anppas, em Florianópolis, 2010. Trabalhando só com os dados oficiais (que, como todos sabem, superdimensionam o rendimento, subdimensionam o custo e o impacto ambiental), Sousa Jr. e Reid demonstram que o empreendimento possui mais de 90% de probabilidade de inviabilidade econômica, mostrando mais uma vez o que especialistas como Célio Bermann e Oswaldo Sevá vêm dizendo há tempos: Belo Monte é a porta de entrada para outras hidrelétricas. O texto mostra que se pode postergar pelo menos 20 anos a construção de Belo Monte, mesmo que não se mexa em nada da nossa matriz agro-exportadora e minério-exportadora o que, claro, seria o ideal.

13. Os nômades de Belo Monte. Não, não são os “índios nômades do Xingu” que “nem vão ver a obra”, invenção de um jênio governista no Twitter. Trata-se da mão-de-obra migrante atraída pelo projeto, por um lado, e os ex-moradores da região (inclusive de Altamira) que têm suas casas e terrenos desapropriados e são obrigados a migrar. Sobre os primeiros, vale a pena ressaltar o que tem sido visto até agora: no caso de qualquer envolvimento em protestos trabalhistas, eles são despedidos sumariamente, muitas vezes escoltados até o ônibus, para que não tenham qualquer contato com os outros companheiros de trabalho. Leia e pense no impacto sobre essas vidas. E depois volte a todos os indicadores de que hoje estamos com sobras de energia. Deixo ao leitor o raciocínio sobre a moralidade do projeto.

14. Belo Monte e seus impactos sobre os povos indígenas: Entrevista com Ricardo Verdum. No que se refere aos impactos sobre os povos indígenas, a linha repetida à exaustão pelo oficialismo tem sido “nenhuma aldeia será alagada”. Em todo o processo, o lobby em defesa do ecocídio tem, subrrepticiamente, associado “impacto” a “alagamento”, como se não existisse outra forma de impacto. Aqui nessa entrevista, o antropólogo Ricardo Verdum dá uma (pequena) ideia do que serão (já estão sendo) os gigantescos impactos sobre as comunidades indígenas, não só as mais próximas como as mais distantes, que serão afetadas, por exemplo, em sua mobilidade e alimentação.

15. Belo Monte vai exportar empregos e ficaremos com os impactos: Entrevista com Philip Fearnside. A entrevista deixa clara a insanidade do modelo: construir uma gigantesca obra dessas, a enormes custos aos cofres públicos, a tremendos custos humanos, para destinar 30% da energia gerada às indústrias eletrointensivas. Em outras palavras, sacrificar vidas e ecossistemas para fazer lingotes de alumínio aos quais se agrega valor em outros países. Por que fazemos isso então, se o modelo nem mesmo economicamente faz o menor sentido? De novo: pense empreiteiras, pense dívida de campanha. Para algum oficialista que se apresse a desqualificar o Prof. Fearnside por causa do seu nome, informamos que ele está associado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), órgão federal, desde 1978.

16 e 17. Leitura crítica do RIMA de Belo Monte, por Paulo Sanda – Parte 1 e Parte 2. Uma das inverdades ditas pelos repetidores de “informação” oficial é que o “RIMA é um documento pouco lido” pelos críticos do ecocídio – como se o RIMA trouxesse respostas adequadas a ditas críticas. Na verdade, é contrário. É o governo federal e o consórcio que, com frequência, dão a impressão de não terem lido o seu próprio documento, pois a realidade insiste em, diariamente, desmenti-lo. A leitura de Paulo Sanda é breve, e aponta apenas algumas das muitas inconsistências e contradições do projeto.

18. Um negócio escuso é o único projeto para a região. É mais um da série de textos do Professor Oswaldo Sevá sobre Belo Monte, sem papas na língua: Na verdade, ninguém na região reivindicou esse mega-projeto, ele chegou de para-quedas há trinta anos e até hoje se tenta convencer as pessoas a “reivindicá-lo” como se fosse a solução para todas as carências. As pessoas na região reivindicam sim, uma estrutura escolar decente inclusive na área rural, serviços de prevenção e de tratamento de saúde adequados para uma população carente e doente numa região extensa povoada por migrantes há quatro décadas, reivindicam uma Justiça acessível e que funcione com mais rigor e rapidez. Leia a íntegra, porque vale a pena.

19. Vídeo dos estudantes paraenses sobre Belo Monte. Eles moram na região afetada. E deram o seu recado de forma bem clara.

20. Terra sem lei: Belo Monte, OEA, índios e a fratura do arco-íris, por Pádua Fernandes. É uma ótima visão panorâmica das ilegalidades internacionais envolvidas no projeto. Destaco em especial a observação certeira de Pádua acerca da queixa da Ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, de que a cautelar outorgada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos era de “agilização desmedida”. Como bem notou Pádua, tratava-se ali de um elogio involuntário: o mecanismo da cautelar só tem sentido se for ágil … O post de Pádua também faz outra observação certeira: como governistas e oposicionistas de direita coincidem em absolutamente tudo quando se trata de Belo Monte.

21. Ocupação de Belo Monte: O recado foi dado. A matéria relata a história de um entre muitos protestos que já ocorreram e que ainda ocorrerão. O recado não poderia ser mais claro: os povos da região não querem a usina. O governo se recusa a dialogar e age, constantemente, ao arrepio da lei. Lideranças caiapó já disseram que vão resistir até a morte. Ligue os pontinhos e entenda a gravidade da situação.

22. Xingu – Réquiem para uma ilha. O texto é de André Costa Nunes, de 70 anos de idade e morador da região. Para além de todo cálculo, um relato, um testemunho sobre a Ilha do Arapujá. Para que não se perca de vista o que importa mesmo: as vidas, a vida.

23. Monumento e passagem, poema de Pádua Fernandes. Trata-se de um texto em oito partes que, para parafrasear seu autor, escreve o silêncio da forma mais ruidosa possível. O monumento, a “primeira medida oficial depois do massacre”, é a figura da desmemória. As vítimas, cujo número exato jamais foi determinado, têm seu retrato pintado com eletricidade. Todos os elementos estão lá: os ex-subversivos cooptados, a alegoria das penas de cocar remanescentes de alguma visita a um museu de história natural, o superfaturamentos, as togas empoeiradas, a demolição como imagem da preparação do futuro. Está tudo lá, para quem souber ler.

24 e 25. O brasileiro gosta de uma teoria da conspiração, por Leonardo Sakamoto, e Belo Monte: Resposta a vários usários do YouTube, por Pérsio Menezes. Estes dois textos respondem bem à maior desfaçatez entre todas as utilizadas na defesa do ecocídio: a de que os opositores do projeto estariam aliados a “interesses internacionais” que querem “travar o desenvolvimento do Brasil”. Não importa que a realidade desminta insistentemente a tese, já que o grande capital norteamericano é aliado da indústria eletrointensiva, e a China seja a grande beneficiária do modelo agroexportador capitaneado pelo atual governo. A “ingerência internacional” parece só existir quando algum diretor de cinema ou cantor de rock empresta sua solidariedade aos indígenas do Xingu. Sobre o grande capital estrangeiro e nacional com interesses pró-Belo Monte, nem uma palavra dos nossos repetidores de “informação” oficial. Até nisso o atual modelo parece copiado da ditadura militar: “estrangeiros” são os ativistas internacionais de Direitos Humanos que se solidarizam com os pobres. O capital norteamericano e chinês interessadíssimo no modelo imposto à Amazônia, ah, bem, esses aí são parte do “desenvolvimento nacional”