sábado, 26 de junho de 2010

Mészáros defende alternativa ao sistema parlamentar

Novo livro do marxista húngaro propõe um enfrentamento aos problemas de nossa política democrática como forma de responder à indagação: o que continua irremediavelmente errado no que se refere às genuínas expectativas socialistas? Mészáros aponta para a necessidade de uma crítica profunda da concepção que vê na disputa dentro do sistema parlamentar um cenário de construção de transformações sociais. Para ele, a alternativa necessária a esse sistema estaria ligada à “questão da verdadeira participação”.
Redação
Em Atualidade histórica da ofensiva socialista – uma alternativa radical ao sistema parlamentar o marxista húngaro István Mészáros propõe um enfrentamento aos “graves problemas de nossa ‘política democrática’” como forma de responder à indagação: o que continua irremediavelmente errado no que se refere às genuínas expectativas socialistas? Fugindo de explicações simplistas que apontam “traições” no momento da chegada ao poder, Mészáros aponta para a necessidade de uma crítica profunda da concepção que vê na disputa dentro do sistema parlamentar um cenário de construção de transformações sociais.

Segundo ele, o discurso político tradicional proclama o sistema parlamentar como “o centro de referência necessário de toda mudança legítima”, tratando como tabu qualquer crítica que sugira algo além de pequenas mudanças em seu funcionamento. O autor de Para além do capital propõe que a alternativa necessária a esse sistema estaria ligada à “questão da verdadeira participação”, definida por ele nos termos de “autogestão plenamente autônoma da sociedade pelos produtores livremente associados em todos os domínios, muito além das restritas mediações do Estado político moderno”.

Mészáros defende a necessidade da criação de uma alternativa estrategicamente sustentável ao sistema parlamentar que liberte o movimento socialista da “camisa de força do parlamento burguês”. Num momento de grande contraste entre as promessas do passado e as condições realmente existentes, o que está em jogo é o “fenecimento do Estado”, uma vez que, apesar de dominar o parlamento, o capital é uma força “extraparlamentar por excelência”.

Assim, o filósofo pauta a construção de alternativas pela busca da “reconstituição radical historicamente viável da unidade indissolúvel das esferas reprodutiva material e política”. Para se transformar a forma como são tomadas as decisões em nossa sociedade, é necessário “mudar radicalmente o desafio ao próprio capital como o controlador geral da reprodução sociometabólica”, o que para ele é inconcebível “pela simples derrubada política do Estado capitalista, muito menos pela vitória sobre as forças de exploração no âmbito de determinada estrutura de legislação parlamentar”.

Esse lançamento tem por base a obra Historical actuality of the socialist offensive: alternative to parliamentarism (Londres, Bookmarks, 2010), composta pelo capítulo 18 do livro Para além do capital (São Paulo, Boitempo, 2002), acrescido de uma introdução especialmente preparada pelo autor para a nova edição.

Trecho da obra
O surgimento da classe operária na cena histórica foi apenas um acréscimo inconveniente ao sistema parlamentar, constituído bem antes de as primeiras forças organizadas do movimento operário tentarem manifestar em público os interesses vitais de sua classe. Do ponto de vista do capital, a resposta imediata a esse inconveniente mas crescente “incômodo” foi a rejeição e a exclusão dos grupos políticos operários. Mais tarde, entretanto, uma ideia muito mais adaptável foi instituída pelas personificações políticas mais ágeis do capital: domesticar de algum modo as forças do trabalho. Ela assumiu de início a forma do patrocínio parlamentar paternalista de algumas demandas da classe trabalhadora por partidos políticos burgueses relativamente progressistas e, mais tarde, a da aceitação da legitimidade dos partidos da classe trabalhadora no próprio Parlamento, embora, é claro, de uma maneira estritamente circunscrita, obrigando-os a se conformar às “regras democráticas do jogo parlamentar”.

Inevitavelmente, isso significou para os partidos operários apenas o “consentimento livre” da sua efetiva acomodação, mesmo que pudessem manter por um longo período a ilusão de que com o passar do tempo eles seriam capazes de corrigir radicalmente a situação pela ação parlamentar a seu próprio favor. Assim a força extraparlamentar original e potencialmente alternativa do trabalho transformou-se, na organização parlamentar, permanentemente desfavorecida. Embora esse curso de desenvolvimento pudesse ser explicado pelas fraquezas óbvias do trabalho organizado em seu início, argumentar e justificar desse modo o que havia realmente acontecido, nas atuais circunstâncias, é apenas mais um argumento a favor do beco sem saída da social-democracia parlamentar. Pois a alternativa radical de fortalecimento da classe trabalhadora para se organizar e se afirmar fora do Parlamento – por oposição à estratégia derrotista seguida ao longo de muitas décadas até a perda completa de direitos da classe trabalhadora em nome do “ganhar força” – não pode ser abandonada tão facilmente, como se uma alternativa de fato radical fosse a priori uma impossibilidade.

Sobre o autor
István Mészáros é um dos principais intelectuais marxistas contemporâneos. Nasceu no ano de 1930, em Budapeste, Hungria, onde graduou-se em filosofia e tornou-se discípulo de Georg Lukács no Instituto de Estética. Deixou o Leste Europeu após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália. Ministrou aulas em diversas universidades, na Europa e na América Latina. Recebeu o título de Professor Emérito de Filosofia pela Universidade de Sussex em 1991. Foi congratulado em 2009 com o Prêmio Libertador al Pensamiento Crítico, concedido pelo Ministério da Cultura da Venezuela, por sua obra O desafio e o fardo do tempo histórico (2007), cuja primeira edição mundial foi lançada em português. Entre seus livros, destacam-se também A crise estrutural do capital (2009) e Para além do capital – rumo a uma teoria da transição (2002), todos publicados pela Boitempo.

Ficha técnica
Título: Atualidade histórica da ofensiva socialista
Subtítulo: uma alternativa radical ao sistema parlamentar
Autor: István Mészáros
Tradução: Paulo Cesar Castanheira / Maria Orlanda Pinassi
Orelha: Ivana Jinkings
Páginas: 208
Preço: 34,00
ISBN: 978-85-7559-159-8
Editora: Boitempo

terça-feira, 22 de junho de 2010



DEBATE ABERTO
Em defesa da razão
Cabe a todos que se deliciavam com a literatura de Saramago e com suas aparições públicas não deixarem que a máquina midiática tente apagar o mais importante do que ele legou à humanidade: a luta obstinada pela razão esclarecida.
Luís Carlos Lopes
O falecimento de um grande autor como Saramago faz pensar sobre o que é mais importante em sua obra. A afirmação internacional da língua portuguesa como uma língua de cultura salta imediatamente à vista. Os lusofalantes devem a ele a cristalização atual da idéia de que existe um idioma ocidental tão rico como os que hegemonizam a fala e a escrita do tempo presente. O romancista deu visibilidade e prestígio cultural ao seu idioma e de outros mais de duzentos milhões de seres humanos que navegam no mesmo cotidianamente.

O autor teve a felicidade de mostrar que era possível fazer literatura sem abandonar a crítica, isto é, sem escapar do exame da realidade objetiva. Registrou histórias de vida protagonizadas na língua portuguesa. Estas foram sempre universais e, quase sempre, contemporâneas, brindando seus leitores com o exame dos valores e crenças de seu povo. A bem-sucedida transcrição cinematográfica do livro “Ensaio sobre a cegueira”, falado em inglês e ambientado longe de Lisboa, é uma prova da universalidade dos problemas tratados por Saramago.

Os mais diversos percursos do autor estão gravados em seus romances. Neles, também estão, como em qualquer bom autor, suas preocupações políticas e filosóficas. Seu estilo é único, ‘pessoal’, de escrever como se tivesse martelando idéias e situações na cabeça de seus leitores. Sua escrita foi fartamente complementada pelas suas entrevistas e outras aparições públicas sempre serenas, cuidadosas e, não raro, mordazes.

O fato do sistema político-cultural o ter transformado em ‘persona midiática’ não lhe fez crescer o ego e o levou a abandonar suas velhas convicções. Ao contrário, ele soube utilizar deste fato como uma janela de comunicação com o grande público. Saramago usou sua língua para escrever belos romances e para dizer verdades que muitos prefeririam que ficassem na sombra da história. Seu ethos foi superior a mediocridade das indústrias culturais de hoje, mercantis e alienadas.

Sua postura comprova a idéia de que o autor jamais fala sozinho. Ele representa a voz de muitos que gostariam de dizer algo igual ou próximo. Ele era um homem do século XX. Mas, como poucos, percebeu que no século em que iria morrer continuaria a existir coisas a serem ditas. Entendeu que a história seguia seu curso, carregando as heranças do passado e fatos e problemas novos. Todavia, jamais foi um passadista. Contudo, não lhe apeteceram os mitos absurdos recentes do ‘fim da história’, da ‘terceira via’ e do recolhimento dos intelectuais aos seus afazeres específicos.

Saramago falava e falava, morreu dizendo a que veio e, só isso, dignifica para sempre seu percurso vivencial de quase um século. Veio de uma das regiões mais pobres da Europa – Península Ibérica –, que gostaria de ver unificada em um só país, respeitando-se as diferenças regionais. Alcançou o reconhecimento e a notoriedade internacionais, tendo sido publicado em várias línguas. A partir de sua escritura falou com letrados e semiletrados de toda parte. Era amado por muitos e odiado pelos mais conservadores, pelos carolas, anticomunistas profissionais, medíocres invejosos, egocêntricos contumazes e todos os demais tipos de ignorantes irascíveis que existem por aí.

Sua defesa da razão vai continuar incomodando bastante, em um mundo que a nega na sua forma mais pura. Saramago insistiu sempre na possibilidade humana de interpretar e compreender o mundo que envolve a todos. Asseverou que as maiorias podem compreender seus entornos, a si próprias e assumir uma postura mais racional, desde que existam condições para tal. Lembrou, incansavelmente, que destruir esta capacidade natural implicava fazer desmoronar a humanidade da espécie, negar suas culturas, em suma, sua história.

A razão de Saramago está muito distante do uso da mesma como um instrumento do capital, isto é, a razão do lucro e da exploração do homem pelo homem. Ele também foi muito além do racionalismo original, inventado na França do século XVIII. Sua idéia de razão era sensível e esclarecida, desenvolvida na sua condição de romancista e de homem de seu tempo. Jamais separou a razão da emoção, acreditando que ambas podem conviver sem qualquer problema, iluminando-se mutuamente.

O autor, homem de carne e osso, se foi. Ficou sua obra e a lembrança memorável de suas intervenções no mundo da vida. Isto é imortal. Cabe a todos que se deliciavam com sua literatura e com suas aparições públicas não deixarem que a máquina midiática tente apagar o mais importante do que ele legou à humanidade: a luta obstinada pela razão esclarecida.

Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Projeto de Extensão: Professores da Rede Pública de Ensino 2 º semestre de 2010

Comissão de Graduação |
inscrições:
30/06 e 01/07/2010 - ilimitadas, com sorteio público
local:
Auditório da FEUSP (Bloco B)
horário:
das 9:00 às 11:30h e das 13:30 às 15:30h
sorteio:
05/07/2010 às 9:00 horas
divulgação dos sorteados:
07/07/2010 (Divulgação na Internet e no saguão térreo do Bloco B), a partir das 16h00
Matrícula:
12 e 13/07/2010 na sala 19, bloco B das 9h00 às 16h00
Requisitos:
- Estar trabalhando na Rede Oficial de Ensino - Não estar matriculado em cursos regulares da USP
Documentos necessários:
- Para inscrição: último holerith (pagamento de jun/10) ou carta da escola onde atua. - Para matrícula: xerox do R.G., Título de Eleitor, Certificado de Reservista, CPF e somente o original do último holerith (pagamento de jun/10), (ou carta da escola onde atua).
Critérios:
* Inscrição feita por terceiros, será aceita somente com procuração; * Só é permitido cursar UMA DISCIPLINA POR SEMESTRE; * Os alunos podem cursar NO MÁXIMO duas disciplinas da licenciatura ao longo do projeto, e as disciplinas dos 2º, 3º e 4º anos do curso de Pedagogia; * O fato de cursar disciplinas não permite a obtenção de um diploma na área, não habilita nem gradua; o objetivo principal é atualizar conhecimentos; * Os alunos aprovados receberão um certificado comprovando a frequência e a nota obtida; * Durante o período de inscrições NÃO serão fornecidas informações por telefone; * O rol de disciplinas oferecidas, bem como os horários e vagas disponíveis só serão informados durante o período de inscrições. * Os interessados que já participaram deste projeto, NÃO estão isentos da apresentação dos documentos acima.

Este mundo da injustiça globalizada - José Saramago

Arte & Cultura| 18/06/2010

Este mundo da injustiça globalizada
Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência
José Saramago
Texto lido no encerramento do Fórum Social Mundial de 2002.

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar.

Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então,
desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.

Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.

Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.

Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

USP: Pão, circo e punição social/ Carta Maior

USP: Pão, circo e punição social

Cerca de 1.000 servidores da Universidade de São Paulo receberam sues holerites com valor praticamente igual a zero, por causa do desconto praticado em função da greve que mantêm desde 5 de maio. A medida, completamente inédita nessa universidade, evidencia que há algo errado com a avaliação da direção da USP sobre a greve dos funcionários. Todos que sofreram descontos trabalham em órgãos ligados à administração central. Se apenas nesses órgãos há 1.000 grevistas, cai por terra a explicação de que só fariam greve os “militantes profissionais”. O artigo é de Adrian Pablo Fanjul, professor da USP.

Adrian Pablo Fanjul (*)

Nos primeiros dias deste mês, cerca de 1.000 servidores da Universidade de São Paulo (USP) receberam sues holerites com valor praticamente igual a zero, por causa do desconto praticado em função da greve que eles mantêm desde 5 de maio. A medida, completamente inédita nessa universidade, onde me desempenho como docente e pesquisador, evidencia, em primeiro lugar, que algo não se corresponde com a avaliação que a direção da USP tem difundido em torno da greve dos funcionários, informando, para a opinião pública, que tudo na USP funcionaria normalmente.

Todos que sofreram descontos trabalham em órgãos ligados à administração central. Se apenas nesses órgãos há 1.000 grevistas, cai por terra a explicação de que apenas fariam greve os “militantes profissionais”, “grupos violentos” e outras denominações que já fazem parte do repertório com que os dirigentes da Universidade encobrem, desde anos atrás, sua propensão ao autoritarismo e sua constante procura do confronto. Infelizmente, essa propensão costuma encontrar eco em setores do sindicato dos funcionários, e hoje vivemos um novo capítulo, talvez o mais dramático pelas suas conseqüências sobre as famílias daqueles que vêem seus salários retidos.

Dissemos que há uma procura do confronto por parte dos dirigentes universitários porque esta greve se iniciou como conseqüência de um aumento salarial de 6% a nós, docentes, negado aos funcionários. Era completamente previsível que os funcionários reagissem diante dessa verdadeira punição social, coletiva e a priori, que os condena a pagar, com sua perda salarial, a recomposição de quem menos precisa: os docentes.

O Conselho de Reitores recusou-se sequer a considerar a extensão desse aumento aos funcionários, ou mesmo uma distribuição mais equitativa do orçamento previsto para recomposição salarial, inclusive quando os representantes de todos os setores, até dos docentes, renunciaram a toda outra reivindicação. Também era previsível que, na USP, universidade onde a comportamento das autoridades foi mais conflitante, chegando-se ao extremo de cortar o salário dos servidores, acontecesse a atual ocupação da reitoria, desta vez não por estudantes com longas pautas de reivindicação, mas por trabalhadores com uma única exigência entendível por qualquer cidadão: o pagamento do salário para sustentar suas famílias.

O que nos motiva a incluir a expressão “pão e circo” nesta coluna é o papel reservado pelas autoridades a nós, docentes: o de beneficiários compulsivos da punição aos funcionários. Papel perigoso, pelo desgaste que prefigura na convivência entre setores da universidade. A explicação dada pelos reitores, de que se tenta valorizar o trabalho dos docentes resulta questionável, já que enquanto isso acontece, conhecemos um comunicado da reitoria da USP que anuncia que a reposição dos docentes aposentados exigirá justificativas específicas, prefigurando-se a redução do quadro de professores no mediano prazo.

Nesse contexto, a simpatia que as autoridades tentam ganhar entre nós, professores, parece ter base apenas no prazer pela humilhação do mais fraco, que coloca o menos fraco, imaginariamente, mais próximo de quem detém o poder.

Na USP, isso se vê reforçado por um detalhe que acrescenta populismo: logo em um ano eleitoral, nós, docentes, recebemos um vale-alimentação de entre 300 e 400 reais, sustentado pelo mesmo orçamento do qual se nega o aumento aos funcionários. Nunca tínhamos recebido um benefício como esse, instrumento de solidariedade social que não parece adequar-se a nossa função e perfil sócio-econômico. O que se espera de nós, enquanto contemplamos, de vale na mão, a série de castigos supostamente desferidos para valorizar-nos? Qual é a real valoração intelectual e ética que prefigura, para nós, esse lugar que, na cena, nos é proposto?

São perguntas que interessam não apenas aos protagonistas da vida acadêmica, mas à sociedade em geral, porque nelas também se interrogam modelos de universidade e de educação.

(*) Adrian Pablo Fanjul é professor e pesquisador no Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O G20 vota pela Grande Depressão Carta Maior

O que está ocorrendo agora na Europa significa o assalto final aos resíduos de Estado de bem estar do século XX (a rede de seguridade social dos EUA foi desmantelada já há muito). A mensagem do G20 parece ser esta: vamos acabar com o gasto público nacional destinado a sustentar o emprego da classe baixa. Há 20% de postos de trabalho decentes para a população em idade de trabalhar no ocidente. E para o resto? Pobreza ao estilo sul-americano. É verdadeiramente extraordinário que os eleitores do planeta sigam tolerando esse estado de coisas corrompido. O artigo é de Michael Auerback e Rob Parenteau.

Michael Auerback e Rob Parenteau (Sin Permiso)

O comunicado emitido no fim de semana passado (04-05/06) pelo G20 mostra às claras que os falcões do déficit ganharam ascendência nos círculos que determinam a política global. A Segunda Grande Depressão bate à porta.

“Os países confrontados com desafios fiscais sérios necessitam acelerar o ritmo de consolidação”, observa o Comunicado. “Saudamos os recentes anúncios de alguns países tendentes a reduzir seus déficits em 2010 e a endurecerem seus marcos e instituições fiscais”.

O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean Claude Trichet disse que o endurecimento fiscal nas “velhas economias industrializadas” ajudaria à “expansão” econômica global a aumentar a confiança dos investidores. A chanceler alemã Angela Merkel disse que a Alemanha estava decidida a proceder uma rodada “decisiva” de cortes orçamentários que configuraria a política de seu governo nos anos vindouros.

Embora a economia global tenha se recuperado um pouco desde o colapso que se seguiu à quebra do Lehman Brothers, dificilmente admite a caracterização de “expansão” com que Trichet a descreveu, dadas as cifras de desemprego de dois dígitos registradas ao largo de boa parte do planeta. E a recuperação global ver-se-á gravemente prejudicada se se abandonar as políticas fiscais de apoio ativo – o tipo de estímulo público necessário para sustentar níveis maiores de crescimento e emprego -, como sugerem as discussões do G20. O novo remédio para colapsar a demanda se chama “consolidação fiscal”, um eufemismo destinado a mascarar cortes ulteriores do gasto em serviços públicos vitais.

Apesar dos esforços do Tesouro estadunidense para mitigar o sucesso da teoria econômica do [Vale] do Silício, o certo é que a administração Obama contribuiu, com sua incoerência política, ao ápice deste tipo de fanatismo da redução do déficit. O presidente e seus principais assessores econômicos –Timothy Geithner e Lawrence Summers— seguem aceitando o paradigma dos falcões do déficit: coincidem em que os déficits são “ruins” no longo prazo. Argumentam a favor da necessidade de cortes fiscais e maior gasto público no curto prazo para imediatamente procederem à redução do déficit. Também abraçam o princípio das “finanças sensatas”, ao estilo que vocês podem ler toda semana nos jornais: há que se equilibrar o orçamento ao longo do ciclo econômico e limitar-se a aumentar a oferta de moeda à medida da taxa real de crescimento do produto interno bruto. Ignoram o mais decisivo, a saber: que o governo deveria manter um nível razoável de demanda sempre, e que os princípios de “finanças sensatas” não podem se divorciar do contexto econômico.

Na Europa a coisa é ainda pior. Na Grã Bretanha, a nova coalizão conservadora/liberal-democrata se vê pressionada a eliminar os déficits públicos do Reino Unido, a despeito de o desdobramento agressivo de políticas fiscais por parte do gabinete trabalhista anterior ter conseguido esquivar a perspectiva de uma calamidade econômica de tipo islandês. Contudo, e sem a menor pretensão de ironia de sua parte, o primeiro ministro britânico David Cameron emitiu esta singular pérola:

“Nada ilustra melhor a total irresponsabilidade das políticas do último governo do que o fato de que seguiram aumentando um gasto público insustentável, precisamente quando a economia estava encolhendo!”

Então o que se deve fazer é aumentar o gasto público quando a economia está em fase de crescimento? Quando pode apresentar verdadeiros perigos inflacionários? Se estas são as políticas incoerentes que o aguardam, que Deus acuda ao Reino Unido. Se não fosse tão destrutiva, a declaração seria engraçada. Com idéias econômicas dessa qualidade não resta dúvida: o governo britânico conseguirá manter sua promessa de “décadas de austeridade”.

No resto da Europa porém a chamada “crise dos PIIGS” [Portugal, Islândia, Irlanda, Grécia, Espanha] não fez senão reforçar mais a opinião dominante, de que os déficits são ruins e desestabilizadores no longo prazo, pelo que resultariam necessárias doses drásticas de austeridade fiscal, ainda que ao custo de infligir mais dor no curto prazo.

Um erro trágico
Para voltar aos primeiros princípios: a locução “grande déficit” carece de sentido, como Biil Mitchell sustenta.

“O déficit orçamentário é a diferença entre o gasto público e a receita pública (o grosso do qual procede da arrecadação fiscal). Chamamos o gasto extra sobre os ingressos fiscais de gasto público líquido. Não é mais do que uma definição contábil (quer dizer, que registra informação sobre fluxos de gasto e de arrecadação), mas os movimentos no déficit fornecem informação sobre o estado da economia (...) o equilíbrio orçamentário move-se em direção ao déficit quando a economia está débil, porque a receita fiscal cai e os gasto com bem estar aumentam”.

Em tais circunstâncias, o governo tem de incrementar o gasto (ou diretamente, ou mediante cortes fiscais), a fim de deter a espiral para baixo do gasto privado. Em termos de contabilidade básica, o déficit público não é senão uma cópia do arrocho privado. Não é que algum tipo de vazio arraste os ingressos públicos a um gigantesco buraco negro financeiro. O que o gasto do déficit público faz é permitir que o setor privado alcance um nível desejável de arrocho. Quando este nível muda, o gasto público tem que se ajustar na direção oposta para compensar (a menos que o balanço de pagamentos também mude).

O nível de emprego é o fator que mais obviamente afeta a tendência ao arrocho do setor privado. Um desemprego maior traz consigo um aumento do desejo (uma maior necessidade) de arrocho preventivo no setor privado. O fato de que os EUA tenham hoje oficialmente algo como 10% de desemprego e de que as taxas de desemprego sejam ainda maiores na Europa significa que os governos não tem contribuído o bastante para compensar essa tendência maior ao arrocho, gerando níveis superiores de emprego.

Se o governo incorresse em excedentes orçamentários durante muitos anos, então o setor privado teria que incorrer em déficits nesse mesmo lapso temporal: endividando-se em bilhões de dólares, para que o governo possa enxugar sua dívida. Não se vê por que os lares tenderiam a estar melhores, endividando-se para que o governo se desendivide.

Deve-se entender a política fiscal como uma balança em que o gasto financiado por empréstimos tem de se compensar com a propensão ao arrocho (e a propensão à importação) além dos níveis de pleno emprego (enquanto o endividamento do setor privado não for suficiente). Nossa posição é, com efeito, uma versão do século XXI das “finanças funcionais” do grande economista pós-keynesiano Abba Lerner. Em oposição radical à errada e nociva teoria das “finanças sensatas”, Lerner explicou assim o modo como temos de decidir em matéria de política fiscal:

"A idéia central é que a política fiscal do governo (...) deveria decidir-se sempre com o olho voltado exclusivamente aos efeitos que essas ações virão a ter na economia, e não em função de alguma doutrina tradicional recebida sobre o que é sensato ou insensato”.

Lerner se propôs a levar o debate sobre política fiscal para além do que chamou “finanças sensatas” (que são precursoras do nocivo pensamento neoliberal de nossos dias).

Na linha de Lerner, sugerimos que o primeiro objetivo da política fiscal deve ser gastar em pacotes de criação de postos de trabalho produtivos. Não é possível que se arraste à deriva do capitalismo de convescote, fornecendo subsídios financeiros massivos para um punhado de ricos bem conectados politicamente. Esse tem sido o erro fundamental de praticamente todos os pacotes fiscais globais. Aos detentores de bônus se lhes segue pagando, enquanto à imensa maioria esses pagamentos servem de desculpa para cortar drasticamente o investimento nos serviços públicos vitais, aposentadorias e outros gastos públicos.

À medida que o gasto privado vá se recuperando, o déficit orçamentário começa a encolher automaticamente (através dos estabilizadores automáticos). Chegando em certo ponto, o governo tem de diminuir seu gasto líquido discrecional para evitar que o conjunto da demanda agregada (o gasto total da economia) exceda a capacidade de produção da economia. Se a demanda é rebaixada a essa capacidade, temos inflação. Claro que, quando a inflação irrompe, os governos sempre podem optar pelo aumento dos impostos para contar o gasto privado. Tudo depende do contexto econômico em que se tomem as decisões.

Com as idéias de Lerner em mente, aqui está o que em nossa opinião o G20 deveria ter dito:

“Uma economia próspera e sensata é, como efeito, um dos fundamentos da segurança nacional, senão o pilar capital (ou ainda a base mesma) de qualquer fundamento. Por isso exigimos de todas as nações que compõem o G20 que ponham em marcha um conjunto completo de medidas que assegurem o emprego e engendrem a garantia de um salário mínimo ou de subsistência para todos os solicitantes.

Na Europa, exigimos a suspensão imediata das regras restritivas auto-impostas, incorporadas ao Tratado de Maastricht. Ademais recomendamos a ampliação do Banco Europeu de Investimento para convertê-lo num mecanismo de financiamento que permita às nações com excedentes em conta corrente, como a Alemanha, reciclarem esses excedentes em países da UE com demanda deficiente e com déficits em conta corrente, para que se gere emprego adicional e com ele se facilite um melhor serviço da dívida em benefício de toda zona do euro.

Nos EUA, e em caráter imediato, terão que autorizar e pôr em marcha projetos em Detroit e ao largo da costa do Golfo do México, antes que um verão quente e longo traga estragos. A contratação de trabalhadores no Golfo será feita sobretudo com a perspectiva de restauração do meio ambiente, incluindo a maior mobilização do Corpo de Engenheiros do Exército, conhecida na história civil, para mitigar o desastre ecológico que se abate sobre nossas costas. Há que se levar a cabo as retiradas das tropas e um drástico enfraquecimento do estábulo público de que um número sem fim de contratistas privados em matéria de defesa vem se nutrindo desde antes da célebre denúncia do “complexo militar industrial” por parte de Eisenhower. E há de se levar isso a cabo, para assegurar a “neutralidade orçamentária”, a qual, diga-se de passagem é uma coisa arbitrária e manifestamente inútil, visto que o único equilíbrio fiscal sustentável é aquele que assegura o pleno emprego com estabilidade do preço dos produtos. Chegou a hora de novas diretrizes de segurança, e pedimos a todos os governos nacionais que estabeleçam a verdadeira base de segurança nacional real, que é sempre uma economia sustentável e próspera, e não uma economia espatifada pelo capital especulativo global ou por suas marionetes políticas bem instaladas em Estados predatórios”.

Quanto melhor se sirva aos interesses dos banqueiros, tanto pior irá a economia e tanto mais ela será carregada de dívidas. Os lucros dos banqueiros são comprados ao preço da austeridade. De maneira irresponsável e imoral, o Comunicado do G20 ratifica um estado de coisas que, a seguir assim terá para todos nós um preço grave.

Os políticos do G20 e seus aliados do capitalismo financeiro são como abutres que picotam um corpo agonizante. E nós estamos indefesos, porque as instituições desenhadas para servir ao bem público geral foram subvertidas. Estamos engordando os donos dos bônus e os grandes banqueiros às expensas do empobrecimento de toda a sociedade.

É muito difícil evitar conclusões menos sombrias. Nossas elites políticas descobriram que as classes baixas já não importam politicamente. Para quê se interessar pela sorte delas? Este desinteresse está se estendendo agora também às classes médias. As pessoas comuns que poderiam travar a batalha estão tão desmotivadas que não significam, já:

1. A menor ameaça eleitoral, porque nenhum dos grandes partidos políticos na Europa ou nos EUA representa seus interesses (há anos). Resultado: não se paga preço político algum por se acomodarem a este capitalismo predatório desavergonhado.

2. A menor ameaça em termos de poder, porque suas organizações foram destruídas nos últimos 30 anos, e o que está ocorrendo agora na Europa significa o assalto final aos resíduos de Estado de bem estar do século XX (a rede de seguridade social dos EUA foi desmantelada já há muito).

A mensagem do G20 parece ser esta: vamos acabar com o gasto público nacional destinado a sustentar o emprego da classe baixa.

Há 20% de postos de trabalho decentes para a população em idade de trabalhar no ocidente. E para o resto? Pobreza ao estilo da sul-americano. É verdadeiramente extraordinário que os eleitores do planeta sigam tolerando esse estado de coisas corrompido, mas fica cada vez mais difícil ver uma saída.

Marshall Auerback é analista econômico sênior e mebro conselheiro do Instituto Franklin e Eleanor Delano Roosevelt, onde colabora com o projeto de política econômica alternativa New Deal 2.0. Rob Parenteau é proprietário da MacroStrategy Edge e editor de Richebacher Letter. É também pesquisador do Levy Economics Institute

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Carta de desfiliação de Sandra Starling do PT publicada no blog rudaricci.blogspot.com

Carta de desfiliação de Sandra Starling do PT

MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO
Adeus ao Partido dos Trabalhadores

Sandra Starling

Ao tempo em que lutávamos para fundar o PT e apoiar o sindicalismo ainda “autêntico” pelo Brasil afora, aprendi a expressão que intitula este artigo. Era repetida a boca pequena pela peãozada, nas portas de fábricas ou em reuniões, quase clandestinas, para designar a opressão que pesava sobre eles dentro das empresas.Tantos anos mais tarde e vejo a mesma frase estampada em um blog jornalístico como conselho aos petistas diante da decisão tomada pela Direção Nacional, sob o patrocínio de Lula e sua candidata, para impor uma chapa comum PMDB/PT nas eleições deste ano em Minas Gerais. É com o coração partido e lágrimas nos olhos que repudio essa frase e ouso afirmar que, talvez, eu não tenha mesmo juízo, mas não me curvarei à imposição de quem quer que seja dentro daquele que foi meu partido por tantos e tantos anos. Ajudei a fundá-lo, com muito sacrifício pessoal; tive a honra de ser a sua primeira candidata ao governo de Minas Gerais em 1982. Lá se vão vinte e oito anos! Tudo era alegria, coragem, audácia para aquele amontoado de gente de todo jeito: pobres, remediados, intelectuais, trabalhadores rurais, operários, desempregados, professores, estudantes. Íamos de casa em casa tentando convencer as pessoas a se filiarem a um partido que nascia sem dono, “de baixo para cima”, dando “vez e voz” aos trabalhadores. Nossa crença abrigava a coragem de ser inocente e proclamar nossa pureza diante da política tradicional. Vendíamos estrelinhas de plástico para não receber doações empresariais. Pedíamos que todos contribuíssem espontaneamente para um partido que nascia para não devermos nada aos tubarões. Em Minas tivemos a ousadia de lançar uma mulher para candidata ao Governo e um negro, operário, como candidato ao Senado. E em Minas (antes, como talvez agora) jogava-se a partida decisiva para os rumos do País naquela época. Ali se forjava a transição pactuada, que segue sendo pacto para transição alguma. Recordo tudo isso apenas para compartilhar as imagens que rondam minha tristeza. Não sou daqueles que pensam que, antes, éramos perfeitos. Reconheço erros e me dispus inúmeras vezes a superá-los. Isso me fez ficar no partido depois de experiências dolorosas que culminaram com a necessidade de me defender de uma absurda insinuação de falsidade ideológica, partida da língua de um aloprado que a usou, sem sucesso, como espada para me caluniar. Pensei que ficaria no PT até meu último dia de vida. Mas não aceito fazer parte de uma farsa: participei de uma prévia para escolher um candidato petista ao governo, sem que se colocasse a hipótese de aliança com o PMDB. Prevalece, agora, a vontade dos de cima. Trocando em miúdos, vejo que é hora de, mais uma vez, parafrasear Chico Buarque: “Eu bato o portão sem fazer alarde. Eu levo a carteira de identidade. Uma saideira, muita saudade. E a leve impressão de que já vou tarde.”
Postado por Rudá Ricci às 10:01
22 comentários:
Dialógico disse...
Que coisa horrorosa aconteceu em MG! Ainda bem, que Lula nem sequer cogitou intervir no RS. Aguardemos os resultados nas urnas. Temo que a Dilma perca para a somatória dos votos nulos e brancos. Não creio que votos de petistas migrem para Serra. Parece-me que o problema não será o primeiro turno, em que petistas ou simpatizantes, terão a possibilidade de votar no Plínio ou na Marina. Mas num segundo turno, branco e nulo é perigoso. Foi assim na eleição de 2008, em que Mª do Rosário [Dep. Fed. PT] perdeu, muito em função dos votos inválidos, que foram mais de 200 mil.
Claudia.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Aldo Rebelo do Partido do PCdoB se alia aos Ruralista para cometer crime Contra o meio Ambiente

m clima hostil, Rebelo lê relatório do Código Florestal
08 de junho de 2010 | 18h 06


VANNILDO MENDES - Agência Estado

Em meio a um clima de confronto entre a bancada ruralista e os ambientalistas, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) concluiu hoje a leitura do relatório sobre o projeto que altera o Código Florestal Brasileiro. O texto do relator dá autonomia para os Estados definirem os porcentuais de área de reserva legal e para flexibilizar a aplicação das leis ambientais.

O novo código também isenta pequenos produtores rurais com propriedade de até quatro módulos rurais da obrigatoriedade de cumprir os porcentuais de reserva legal - no caso da Mata Atlântica e Caatinga, esse porcentual é de 20%; no cerrado, 35%; Floresta Amazônica, 80%.

Os médios e grandes proprietários poderão, quando impossível cumprir a regra, fazer compensações em áreas de preservação coletiva, a serem definidas pelo Estado. Com isso, o novo texto legaliza a situação de 90% dos produtores rurais brasileiros que, segundo Aldo, estariam hoje colocados na ilegalidade, principalmente os das regiões Sul e Sudeste.

O presidente da Comissão, Moacir Micheletto (PMDB-SP), encerrou a sessão após a leitura do relatório e convocou uma nova reunião para votar o texto para hoje à noite. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) representante da bancada ambientalista, protestou contra o texto e anunciou que vai pedir vista. Ele acusou Aldo Rebelo de contratar a advogada Samanta Piñeda que seria consultora jurídica do agronegócio. Presente à reunião, Samanta disse que não vê incompatibilidade na sua colaboração, porque é uma especialista no assunto.

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambientalistas mandaram muitos manifestantes para o plenário e vários deles se manifestaram durante a sessão, levantando cartões vermelhos toda vez que Aldo anunciava alguma proposta considerada pelo grupo nociva ao meio ambiente.

O relatório do deputado tem 309 páginas e ele se limitou a ler as primeiras 50 páginas de introdução, dando o restante por lido, o que gerou mais protestos ainda no plenário. Segundo o ambientalista André Lima, presidente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o projeto relatado por Aldo representa um crime contra o meio ambiente brasileiro e um retrocesso, porque transfere toda a responsabilidade pela preservação ambiental exclusivamente para o poder público e "anistia todos os desmatadores que devastaram o meio ambiente até 2008".

terça-feira, 8 de junho de 2010

A politica de Israel o Inexplicavel - Carta Maior

Inexplicável?

O ideólogo do sionismo revisionista, Zeev Jabotinsky, declarou há 87 anos que a única maneira de impor o Estado judeu era esmagando os árabes. Não é de se estranhar, portanto, que Ron Torossian, organizador da manifestação “Estamos com Israel”, realizada em frente à missão da Turquia na ONU, repetisse essa opinião: “Creio que devemos matar cem ou mil árabes por cada judeu que eles matam”. Por que não 100 mil ou 1 milhão? O artigo é de Juan Gelman, no Página 12.

Juan Gelman

Circulam várias hipóteses sobre a razão da operação militar israelense que causou a morte de 9 a 16 passageiros do barco de bandeira turca Mavi Marmara, dezenas de feridos, e o seqüestro da frota que transportava 10 toneladas de ajuda humanitária para Gaza – sob bloqueio desde 2007 e invadida em 2008 -, além da detenção de quase 700 pessoas, postas em liberdade após sofrer vexames de todo tipo. As explicações oficiais de Tel Aviv são inquilinas do ridículo: os agredidos são agressores e os agressores, agredidos; os levados à força para Israel são imigrantes ilegais, aqueles que socorrem palestinos com fome são cúmplices do Hamas primeiro, terroristas do Hamas depois, etc. É velha, muito velha, a tática de vitimização do carrasco.

O primeiro ministro Netanyahu justificou o ataque dizendo que é preciso evitar que o Hamas receba armas por “ar, terra e mar” – desviando-se do fato de que o Hamas recebe essas armas por túneis - e que nenhum protesto o levará a levantar o bloqueio contra Gaza. Essa é a questão de fundo: Tel Aviv não renunciou ao sonho da Grande Israel e o cerco imposto a Gaza prejudica, mais do que ao Hamas, a seus habitantes, que já sofreram a Operação Chumbo Derretido que tirou a vida de 1.300 civis palestinos. Isto, falando claramente, chama-se limpeza étnica e sua história também é velha.

O ideólogo do movimento de direita denominado Sionismo revisionista, Zeev Jabotinsky, declarou há 87 anos que a única maneira de impor o Estado judeu era esmagando os árabes. Não é de se estranhar, portanto, que Ron Torossian, organizador da manifestação “Estamos com Israel”, realizada em frente à missão da Turquia na ONU, repetisse essa opinião: “Creio que devemos matar cem ou mil árabes por cada judeu que eles matam”. Por que não 100 mil ou 1 milhão? Por acaso Ariel Sharon não foi responsável, em 1982, pela ação de uma milícia que resultou na matança de quase 500 civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila? Se isso é ideologia será preciso mudar a definição da palavra “ideologia”.

O governo israelense parece guiado por outro conceito central de Jabotinsky: “Sustentamos que o sionismo é moral e justo. E dado que é moral e justo, é preciso fazer justiça ainda que José ou Simão, ou Ivan ou Ajmed, não estejam de acordo”, afirmou em um ensaio publicado na revista russa Raavyet, em novembro de 1923. Carlo Strenger, professor da Universidade de Tel Aviv, chamou de “mentalidade de bunker” aquela imperante hoje no país: Israel “não escuta a crítica, seja interna ou externa. Essa incompetência é reforçada pela soberba: Israel está apaixonado pela idéia de que tem razão e que todos os demais estão errados; portanto, é incapaz de admitir que a política que aplica aos palestinos foi desastrosa”. Strenger cita o filósofo francês Bernard- Henry Lévy, um fervoroso defensor de Israel, que chamou de “autismo político” este pensamento que atribui aos dirigentes israelenses: “O mundo não nos entende e nos condena se fazemos algo e nos condena se não fazemos. De modo que fazemos o que queremos”. Jabotinsky redivivo.

Os EUA sempre forneceram o espaço internacional necessário para que essa vontade se cumpra acima de qualquer coisa. “A única democracia na região”, segundo a Casa Branca, não vacila em espionar o governo estadunidense neste contexto de “fazer o que bem entender”. A reação de Obama frente ao ataque ao navio turbo e ao banho de sangue que se seguiu foi débil. Sequer condenou o ataque, pedindo apenas um esclarecimento dos fatos e aceitando que Tel Aviv rechaçasse a instalação de uma comissão investigadora internacional. O presidente norte-americano se converte assim em cúmplice da não- investigação que será feita. O presidente Joe Biden divulgou uma espécie de posição oficial sobre o tema: defendeu o bloqueio de Gaza e disse que Israel “tinha o direito a saber” qual era a carga do navio. Cabe lembrar que Netanyahu deu uma bofetada política em Biden quando este visitou-o em março passado: o vice foi visitá-lo para impulsionar o processo de paz com os palestinos e o primeiro-ministro anunciou a construção de 1.600 edifícios novos em território palestino ocupado. Vê-se que Biden é um homem que sabe perdoar. É improvável que se produzam mudanças na estreita e muito íntima relação EUA-Israel.

Cabe reconhecer que, ao contrário de Tel Aviv, Washington não tem problema em abandonar seus cidadãos em apuros, Cerca de 10 estadunidenses viajavam no comboio de ajuda humanitária a Gaza, entre eles, Joe Meadors, marinheiro da fragata USS Liberty, bombardeada por aviões e lanchas lança-torpedos de Israel em 1967; Ann Wright, coronel do Exército dos EUA, Edward L. Peck, ex-subdiretor do grupo de tarefas antiterroristas do gabinete de Reagan. Todos terroristas, naturalmente.

(*) Poeta, escritor, tradutor e jornalista argentino, vencedor do Prêmio Cervantes 2007 e do Prêmio de Literatura Latino-Americana e das Caraíbas Juan Rulfo, entre outros.

Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A marcha da insensatez/Israel e sua politica Carta Maior

Internacional| 04/06/2010
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A marcha da insensatez

Como disse o historiador judeu Avi Shlaim vivemos uma situação surreal onde uma parte significativa da comunidade internacional não impôs sanções econômicas contra o ocupante, mas contra a ocupação, não contra o opressor, mas contra o oprimido. Por que o direito de Israel em "se defender" o exime de ter responsabilidades morais? Chegou a hora da chamada comunidade internacional ser um pouco mais sensata. O artigo é de Reginaldo Nasser.

Reginaldo Mattar Nasser (*)

Quanto mais o governo de Israel e seus apoiadores tentam explicar o ato de pirataria cometido nas embarcações de ajuda humanitária, mais se explicita uma tentativa desesperadora de afirmar uma realidade que escapa a todo o momento e que se torna cada vez mais insustentável. A porta-voz das forças armadas israelenses justificou o ataque fora do mar territorial como uma ação preventiva e imputou a responsabilidade pelo confronto e pelas mortes aos ativistas. Para arrematar forneceu uma informação extremamente relevante para justificar o direito à defesa, os ativistas tinham a intenção de linchar os soldados e estavam portando “barras de ferro, bolas de gude, e estilingues” e alguns integrantes dos comandos israelenses estavam com armas do paintball !

Se isso não bastasse, duas semanas antes a BBC (15 de Maio de 2010) teve acesso a documentos apresentados num tribunal israelense, por solicitação de uma organização israelense de direitos humanos (Gisha), que contém detalhes sobre o bloqueio da Gaza. Israel descreve as severas restrições como "um conjunto meios de que dispõe o Estado de Israel no conflito armado com o Hamás" e lá constam estimações sobre a quantidade mínima de calorias que necessitam consumir os habitantes de Gaza. Os produtos que Israel permite introduzir em Gaza têm mudado com o tempo, obrigado as organizações humanitárias adivinhar o que é permitido ou não. Entre a ampla gama de produtos que atualmente estão proibidos se incluem marmelada, chocolate, madeira para moveis, sucos de frutas e produtos têxteis!!

Entretanto esses relatos bizarros revelam algo trágico. De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 61% da população de Gaza tem acesso precário aos alimentos. Desde a imposição do bloqueio econômico triplicou o número de refugiados palestinos que não tem meios para comprar itens básicos (alimentos, água potável e material escolar). Entre 2008 e 2009, a pesca, em Gaza, diminuiu 47%, como conseqüência da restrição imposta por Israel aos barcos a apenas três milhas da costa. As sanções econômicas impostas por Israel e o Quarteto (grupo formado pela ONU, União Européia, Rússia e EUA) tiveram início após as eleições legislativas de janeiro de 2006 que levaram o Hamas democraticamente ao poder e foram suspensas em junho de 2007 após a invasão militar de Gaza, mas o bloqueio de Israel se intensificou desde então.

A operação militar de Israel (2008-2009) danificou 15 dos 27 hospitais de Gaza e danificou ou destruiu 43 das 110 instalações de cuidados primários de saúde, nenhuma das quais foram reparadas ou reconstruídas por causa da proibição de materiais de construção. Cerca de 20% por cento dos medicamentos essenciais são comumente fora de estoque e há falta de muitos itens de equipamentos médicos de acordo com o relatório da OMS. (os dados podem ser encontrados em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=89302)

A precária situação de Gaza se deteriorou significativamente desde 2005. Naquele momento uma série de fatores no Oriente Médio proporcionou uma onda de otimismo nos EUA fazendo com que muitos avaliassem que se tratava da “primavera árabe”: o falecimento de Arafat em 2004, seguido da eleição de Abbas à presidência da Autoridade Palestina e a participação do eleitorado iraquiano nas eleições após a queda de Sadam Hussein. O impacto foi tão forte que até mesmo vários críticos do governo Bush reconheciam que a política dos EUA finalmente começava a produzir bons resultados, a prova cabal de que os EUA estavam realmente determinados a apoiarem a democracia no Oriente Médio. No entanto, o que houve foi a manifestação de um grande descontentamento e um profundo desejo de mudança na “rua árabe”. Podendo competir livremente nas eleições Hezbollah e Hamas emergiram triunfantes nas eleições no Líbano e Palestina (2005-2006). A reação pode ser avaliada nas palavras do articulista do Times: a democracia está sendo “seqüestrada”, os terroristas estão usando as eleições para perseguir islamizar o mundo árabe (Friedman, 2006).

Na verdade tratou-se de uma clara demonstração que esses chamados “terroristas” não rejeitam reformas democráticas, pelo contrário, lutam contra o despotismo e corrupção e os abusos praticados por aqueles que estão no poder, e buscam realizar reformas políticas que correspondam aos seus valores e que possam ser implementadas em um ritmo consistente com a composição social e as condições políticas de suas respectivas comunidades. “Podemos realmente nos dar ao luxo de acreditar que de alguma forma extremistas cruéis podem ser apaziguados?", questionou o então secretário de Defesa Rumsfeld.

Em dezembro de 2005, um mês antes da eleição palestina, o Congresso dos EUA aprovou uma resolução por uma maioria esmagadora 397-17 (com votos de Hillary Clinton e Obama) anunciando sanções por ter, a Autoridade Palestina, permitido a participação do Hamas nas eleições que foram acompanhadas por observadores internacionais e reconhecidas como livres e justas. O Hamas obteve a maioria do Parlamento e do direito de escolher o primeiro-ministro, mas devido à pressão dos EUA Abbas recusou o convite do Hamas para formar um governo de unidade nacional.

Ainda que de forma reticente e dividido Hamas agiu pragmaticamente aceitando três grandes condições que a ONU, a UE e os EUA lhe haviam exigido para por fim ao boicote econômico e diplomático: aceitava trégua unilateral, ‘honraria’ os acordos prévios feitos pela OLP e, consequentemente, um reconhecimento de fato de Israel. Em maio de 2006 o The Guardian divulgou relatório de autoria de Álvaro de Soto ( alto representante da ONU no Oriente Médio) com duras críticas à postura dos EUA, de Israel, e da própria ONU na condução das negociações que deveriam encerrar o conflito na região. Afirmava que Israel impôs "precondições inalcançáveis" para o diálogo após a eleição do grupo Hamas com o intuito de levar à queda precoce do governo e acusou os EUA de ter estimulado o confronto entre o Hamas e o Fatah.

Será que a simples destruição dos movimentos populares como o Hamas ou o Hezbollah traria suas respectivas comunidades mais próximas do ocidente? As sucessivas invasões militares e o bloqueio econômico criminoso serviram para fortalecer ainda mais o Hamas, e as guerras no Afeganistão e Iraque geraram insurgências e ações terroristas ampliando seu alcance e seu apelo em todo o Oriente Médio. Será que o que está em jogo não é a democracia ocidental, mas o direito de ser tratado no mesmo nível de igualdade em todos os aspectos, incluindo o de escolher viver em seu território?

O relatório do jurista Goldstone sobre o conflito na faixa de Gaza culpa o governo de Israel de crimes de guerra. Israel forjou passaportes britânicos e australianos usado pelos assassinos para matar um comandante do Hamas em Dubai. Israel anuncia planos para construir 1.600 casas para judeus em uma área da Cisjordânia anexada. Os signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT) aprovaram por unanimidade declaração instando Israel a assinar o TNP, e colocar as suas instalações nucleares sob salvaguardas da ONU. Por que o direito de Israel em "se defender" o exime de ter responsabilidades morais?

Como disse o historiador judeu Avi Shlaim vivemos uma situação surreal onde uma parte significativa da comunidade internacional não impôs sanções econômicas contra o ocupante, mas contra a ocupação, não contra o opressor, mas contra o oprimido. Chegou a hora da chamada comunidade internacional ser um pouco mais sensata.

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP

srael: novo massacre humanitário?

blog do Emir

Os capítulos da história são tão claros, quanto dramáticos. Primeiro os judeus obtêm a aprovação da ONU para a construção do Estado de Israel. Para isso expulsam milhões de palestinos que ocupavam a região. Em seguida, aliados aos EUA, impedem que o mesmo direito, reconhecido igualmente pela ONU, seja estendido aos palestinos, com a construção de um Estado soberano tal qual goza Israel.

Depois, ocupação dos territórios palestinos, militarmente, seguida da instalação de assentamentos com judeus chegados especialmente dos países do leste europeu, recortando os territórios palestinos.

Não contentes com esse esquartejamento dos territórios palestinos, veio a construção de muros que dividem esses territórios, buscando não apenas tornar inviável a vida e a sustentabilidade econômica da Palestina, mas humilhar a população que lá resiste.

Há um ano e meio, o massacre de Gaza. A maior densidade populacional do mundo, cercada e afogada na sua possibilidade de sobrevivência, é atacada de forma brutal pelas tropas israelenses, com as ordens de que “não há inocentes em Gaza”, provocando dezenas de milhares de mortos na população civil, em um dos piores massacres que o mundo conheceu nos últimos tempos.

Não contente com isso, Israel continua cercando Gaza. Um ano e meio depois nem foi iniciado o processo de reconstrução, apesar dos recursos recolhidos pela comunidade internacional, porque a população continua cercada da mesma maneira que antes do massacre de dezembro 2008/janeiro 2009. As epidemias se propagam, enquanto remédios e comida apodrecem no deserto, do lado de fora de Gaza, cercada como se fosse um campo de concentração pelas tropas do holocausto contemporâneo.

Periodicamente navios tentavam levar comida e remédios à população de Gaza, chegando por mar, de forma pacífica, mas sistematicamente eram atacados pelas tropas israelenses. Desta vez a maior comitiva internacional de paz, com cerca de 750 pessoas de vários países, se aproximou de Gaza para tentar romper o bloqueio cruel que Israel mantêm sobre a população palestina. Foi atacada pelas tropas israelenses, provocando pelo menos 19 mortos e várias de dezenas de feridos.

Quem representa perigo para a paz na região e para a paz mundial? O Irã ou Israel? Quem perpetra massacres após massacres contra a indefesa população palestina? Quem impede que a decisão da ONU seja colocada em prática, senão Israel e os EUA, bloqueando a única via de solução política e pacifica para a região – o reconhecimento do direito palestino de ter seu Estado? Quem comete os piores massacres no mundo de hoje, senão aqueles que foram vítimas do holocausto no século passado e que se transformaram de vítimas em verdugos?

Postado por Emir Sader às 03:57

Teses sobre nova central unificada são apresentadas ao Conclat

Teses sobre nova central unificada são apresentadas ao Conclat

Seis de junho de 2010
Texto: Ana Cristina da Silva



Após a animação e a emoção que marcaram a abertura do Congresso da Classe Trabalhadora na manhã do sábado, dia 5, o período da tarde foi reservado para a apresentação das 20 teses inscritas para o encontro. Um sorteio definiu a ordem das defesas ao plenário.
Apresentadas por representantes das entidades e organizações que assinaram as teses, os textos abordam as diversas propostas e elaborações sobre como deve ser a nova central que surgirá da uni ficação da Conlutas, Intersindical, MTL, MTST, MAS e Pastoral Operária de São Paulo.
Os temas enfocaram questões como a análise da situação mundial e nacional e o plano de lutas que a nova central unificada deverá colocar em prática; o perfil , concepção e caráter desta entidade; propostas de nome e de forma de direção.
Ao longo de várias reuniões e debates entre as entidades da Coordenação Pró-Central, no período de pré-congresso, foi possível chegar a vários consensos sobre o programa e estratégia da nova central unificada, o que se refletiu nas teses e respectivas exposições.
Todos têm claro a gravidade da atual crise do capitalismo, da importância da resistência que a classe operária na Europa tem protagonizado e da necessidade da construção de uma organização unificada da classe trabalhadora para derrotar o capital.
Quanto à nova central unificada também há consenso da necessidade de que ela sej a classista e independente dos patrões, dos governos e autônoma em relação aos partidos políticos; que seja combativa e privilegie a ação direta dos trabalhadores na luta; internacionalista e tenha uma perspectiva socialista.
Sobre outras importantes questões ainda há propostas variadas, como em relação à composição, funcionamento, direção e nome da nova entidade, que foram apresentadas aos delegados do Conclat.

Pontos em debate

Sobre quais setores deverão ser representados pela nova central unificada, por exemplo, há posições diferentes se movimentos de opressão e do movimento estudantil também devem ser incorporados.
Teses como a “Unidos por uma central de trabalhadores” e a da Intersindical defenderam que a nova central reúna apenas o movimentos sindical e popular, que expressem o mundo do trabalho e o caráter classista dentro da nova organização.
Por outro lado, teses como “Avançar na unidade para fortalecer as lutas da classe trabalhadora”, aprovada pela Secretaria Executiva Nacional da Conlutas, “Por uma central de trabalhadores classista” e “Por uma entidade classista, democrática e construída pela base” defendem a unidade entre todos os setores classistas e combativos que lutam contra os ataques e a exploração capitalista, reunindo não só os trabalhadores organizados, precarizados ou desempregados mas movimentos contra as opressões e também do movimento estudantil.
Uma diferença que se expressou na maioria das falas foi em relação ao nome da nova central. Há duas posições basicamente. De um lado aqueles que propõem que a central unificada seja nomeada como Conlutas-Intersindical, expressando o patrimônio construído por todas as organizações no último período, e aqueles que defendem um novo nome, que reflita uma síntese e para que todos os movimentos estejam incorporados.
A direção e o funcion amento da nova entidade também tem propostas variadas. Há uma posição que aponta para uma Coordenação Nacional de Entidades, onde as organizações reunam-se a cada dois meses para discutir e deliberar a política da central, a exemplo da experiência da Conlutas no último período. A representação deve ser definida pela base e com mandatos revogáveis a qualquer momento. Outra posição,defendida pela Intersindical, propõe que a direção seja eleita nos congressos, pelos delegados presentes.
Após a apresentação das 20 teses, os trabalhos foram encerrados e prosseguirão neste domingo, iniciando com o debate nos grupos. De forma democrática, os delegados poderão debater as teses e se preparar para votar na parte da tarde as resoluções do Conclat, que já é uma grande vitória para a classe trabalhadora. Segundo informes da organização do evento, 4.050 lutadores de todo o país estão presentes, sendo 3.115 delegados e delegadas, além de observados e convidados.


Ana Cristina da Silva
Foto de Adriano Trindade

CONGRESSO DA CLASSE TRABALHADORA (CONCLAT)

CONGRESSO DA CLASSE TRABALHADORA

Cinco de junho de 2010
Texto: Denise

Nasce uma nova central dos trabalhadores

Entidades nacionais do movimento sindical e popular realizarão o CONGRESSO DA CLASSE TRABALHADORA nos dias 5 e 6 de junho, no Centro de Convenções Mendes, na Cidade de Santos (SP). São aguardados cerca de 3.200 delegados de todos os estados do país, representando 537 entidades e que foram eleitos em mais de 900 assembléias de base realizadas nos meses de abril e maio.
Entre os objetivos do evento estão a contraposição à Conferência realizada no dia 1º de junho no Pacaembu organizada por cinco centrais sindicais (CUT, Força Sindical, CTB, NCST e CGTB) e a construção de uma nova central dos trabalhadores que não esteja atrelada ao Governo Lula.
A convocação desta atividade é feita pela Coordenação Nacional de Lutas – Conlutas, a Intersindical, o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade – MTL, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST, o Movimento Avançando Sindical – Mas e representantes da Pastoral Operária da Cidade de São Paulo.
O CONGRESSO DA CLASSE TRABALHADORA vai expressar um setor importante do movimento popular e do movimento sindical que, em boa parte, rompeu com a CUT nos últimos sete anos e tem conquistado força nas lutas que os trabalhadores brasileiros

Autonomia e relação com movimentos populares
Os setores que compõem este movimento se propõem a resgatar o papel contestador e de mobilização que, em sua avaliação, foram abandonados pelas centrais sindicais existentes no Brasil. Principalmente pela ligação estreita destas centrais com o Governo Lula. Por isso, uma das principais pautas da nova entidade será a autonomia em relação aos governos, setores patronais e partidos políticos.
Há um acordo entre os organizadores de que nenhuma das três pré-candidaturas melhor posicionadas nas pesquisas eleitorais para Presidência da República apresentam uma diferença qualitativa quanto ao modelo econômico e, portanto, não estão no leque de diálogo com este movimento.
Outra característica nova da nova central é não restringir sua ação apenas aos sindicatos, por entender que há uma mudança no perfil de organização dos trabalhadores. A entidade pretende abranger movimentos populares como os de luta pela terra e de moradia.

Campanhas
As principais campanhas que deverão ser aprovadas no Congresso dizem respeito à redução da jornada de trabalho, à defesa dos serviços públicos, à luta contra o processo de criminalização dos movimentos sociais e à defesa da Petrobrás 1000.000000e+0statal.
Outra campanha que deverá ter destaque é pelo fim do fator previdenciário e contra a nova reforma da previdência cogitada pelo Governo Lula.

Relações internacionais
O CONGRESSO DA CLASSE TRABALHADORA contará com várias delegações internacionais de trabalhadores como convidadas, como forma de desenvolver ações solidárias e trocar experiências sobre políticas governamentais que têm reduzido direitos sociais e trabalhistas.
No dia 7, logo após o Congresso, acontecerá um Seminário Internacional com representação de 26 países, incluindo América Latina, França, Itália, Portugal, Estados Unidos e Japão. Também estará presente um representante da Federação Nacional dos Servidores Públicos da Grécia, país que, recentemente, foi notícia pelas várias manifestações contra as políticas de previdência, corte de verbas em serviços públicos e proposta de congelamento de salários.


Denise Simeão

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O reajuste para os aposentados, Plínio Arruda Sampaio

O reajuste para os aposentados

25/05/2010 18:04:05
Plínio Arruda Sampaio

Fator previdenciário e reajuste das aposentadorias: Vetos de Lula são inaceitáveis


Volto ao tema do reajuste dos aposentados em razão da ameaça de concretização do veto presidencial à extinção do malfadado fator previdenciário e ao percentual aprovado no Congresso Nacional. E não poderia ser diferente, pois em todas as ocasiões em que se discutiu remuneração de qualquer tipo às pessoas mais pobres, manifestei-me invariavelmente em favor dos aumentos. Motivo: em um país com desigualdade social obscena toda e qualquer transferência de renda aos mais pobres é válida.

O argumento de que o reajuste provocará desequilíbrio orçamentário omite o quanto o governo ga sta com a remuneração do capital financeiro por meio da dívida pública, que consome 36% do orçamento anual da união, quando o referido reajuste representará um impacto de R$ 680 milhões num orçamento de quase R$ 640 bilhões. Bastaria inverter a lógica de administração orçamentária e estancar a sangria da dívida pública, para que sobrem recursos para a previdência. Mas, mesmo hoje, não há déficit. O que existe, desde a época da ditadura, é o desvio de verbas da Seguridade Social para outras iniciativas, como a construção da ponte Rio-Niterói, estradas de ferro, etc. Hoje, parte do orçamento que deveria garantir o descanso de quem se aposenta vai parar na composição do superávit primário que remunera o capital.

Entristece-me ainda o argumento de que uma das causas dos problemas da previdência seja a imprevidência dos constituintes ao estender o benefício da aposentadoria a pessoas que não haviam contribuído. Que injustiça! Se é verdade que os trabalhadores rurais não pagaram a previdência, é verdade também que, com seus miseráveis salários, subsidiaram durante séculos o consumo de alimentos de quem agora os acusa de aproveitadores. O IPEA demonstrou que, não fora essa previdência, a seca do nordeste em 1994 teria causado uma crise de fome aguda de enormes proporções.

Quanto ao fator previdenciário, como pode ser aceitável que uma pessoa que iniciou sua vida profissional aos 14 anos, caso da maioria dos brasileiros, e já trabalhou por mais de 30 anos seja obrigado a continuar na labuta para manter na aposentadoria os rendimentos da ativa? Não podemos tratar nossos velhos como estorvo.

O direito do aposentado deve ser um parâmetro para a distribuição de renda e não uma variável ajustável de acordo com os interesses dos grupos sociais poderosos. Este é, de resto, o sentido, de uma política fundada em valores sociais e no respeito à dignidade da pessoa humana.

Os brasileiros deveriam se levantar contra a injustiça dos vetos ao reajuste dos aposentados e ao fim do fator previdenciário. Não podemos aceitar passivamente que nossos aposentados sejam tratados como “marajás”, “vagabundos” ou “privilegiados” após construir as riquezas de nosso Brasil. Uma nação se faz com direitos.

Plinio de Arruda Sampaio - Materia a Prepotência do governo de Israel - Carta Capital

Plinio de Arruda Sampaio - Matéria da Carta Capital

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02/06/2010 10:19:39
Plínio Arruda Sampaio

Novamente o governo de Israel dá uma demonstração de prepotência e desrespeito aos direitos humanos. E a vitima dessa violência não são apenas o Estado palestino e o povo de Gaza. Todos nós somos atingidos porque o ato criminoso afeta seriamente um direito que é de todos: o direito internacional.

O bombardeio do navio que levava alimentos e remédios para a população palestina sitiada na faixa de Gaza constitui uma violência que não pode deixar de receber a mais veemente repulsa da opinião pública mundial. Sem essa pressão, dificilmente a ONU conseguirá vencer a resistência dos Estados Unidos contra qualquer tipo de sanção ao seu aliado no Oriente Médio.

São tantas as violações do direito internacional cometidas pelo governo de Israel que corremos o risco de torná-las “acontecimentos banais”, aceitas como algo irremediável. Precisamos reagir contra essa tendência. Cada violação precisa ser repudiada com a mesma veemência da primeira e cada vez mais precisamos encontrar formas mais eficazes para combatê-las.

Nós, aqui no Brasil, precisaríamos pressionar o governo brasileiro para suspender as relações diplomáticas com o Estado de Israel até que a comunidade internacional imponha sanções efetivas ao governo desse país.

O meio de realizar essa pressão é o de sempre: o abaixo-assinado e a mobilização social. Estou levando a proposta à bancada federal do PSOL, a fim de que ela tome a iniciativa de provocar o Congresso e o Executivo. Mas não deve ser uma iniciativa partidária somente. Nossa bancada terá a delicadeza de não disputar nenhum hegemonismo no esforço que deve ser comum. Todos os partidos estão convocados.

Outra iniciativa importante é o boicote de produtos de Israel. Nos Estados Unidos, esse tipo de protesto costuma ser muito utilizado por demonstrar muita eficácia.

Outras possibilidades podem ser aventadas. Não podemos descartar nenhuma delas. O que não podemos é limitar-nos a um protesto formal cujo pouco efeito conhecemos.

Plínio Soares de Arruda Sampaio, 79, promotor público aposentado, é mestre em desenvolvimento econômico internacional pela Universidade de Cornell (EUA). Ex-deputado federal por três mandatos, foi relator do projeto de reforma agrária do governo João Goulart na Câmara dos Deputados, em 1963, e constituinte entre 1986 e 1988. Fundador do PT, hoje é dirigente nacional do PSOL, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), diretor do jornal eletrônico 'Correio da Cidadania' e pré-candidato à Presidência da República.
Prepotência inaceitável de Israel