quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

BAKHTIN Conceitos - Chaves, alguns pilares

Bakhtin Conceitos-Chave
Alguns pilares
da arquitetura bakhtiniana
Beth Brait
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal.
Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido
de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior,
sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da
comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores
etc.). Além disso, o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em função das intervenções
anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros autores: ele
decorre portanto da situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção
literária. Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica
em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e
objeções
potenciais, procura apoio etc.
Bakhtin/Voloshinov
Bakhtin e seu Círculo têm merecido, nos últimos anos, grande atenção por parte de diferentes
áreas do conhecimento. Esse fato pode ser constatado nas inúmeras traduções, nos incontáveis
ensaios interpretativos e, especialmente, na circulação de noções, categorias, conceitos advindos
diretamente do pensamento bakhtiniano, com ele aparentados ou, ainda, por ele motivados. Esse
arcabouço teórico-reflexivo aparece, portanto, no enfrentamento da linguagem, não apenas em
áreas destinadas a essa finalidade, caso dos estudos lingüísticos e literários, mas na
transdisciplinaridade de campos como a educação, a pesquisa, a história, a antropologia, a
psicologia etc.
Mesmo diante de tantos trabalhos, de tantas publicações especializadas, ou justamente pela
existência delas, pareceu necessário, a partir de um determinado momento, organizar uma
publicação que, tendo um caráter pontual e indicativo, pudesse responder a insistentes e
constantes questões que dizem respeito à maneira como conceitos, categorias e noções foram
ganhando especificidade no conjunto dos trabalhos do Círculo e, ao mesmo tempo, em que esse
conjunto se aproxima ou se distancia de outras importantes abordagens da linguagem. Além disso,
uma obra desse teor deveria sugerir formas de como essa perspectiva poderia contribuir para
análises e teorias que tenham nos textos e nos discursos, independentemente de sua natureza
verbal ou não, um ponto de reflexão.
A primeira idéia – creio que mais de uma vez sugerida por colegas e alunos e cobrada ao longo de
cursos, palestras, simpósios –, foi organizar um glossário, uma espécie de dicionário dos principais
termos que sustentam a arejada e complexa arquitetura bakhtiniana. Aceito o desafio e assumida a
certeza de que a empreitada não poderia ser levada a cabo sem um consistente e aprofundado
diálogo com as obras do Círculo e com assíduos e reconhecidos leitores, lancei mão, inicialmente,
de uma abertura acadêmica existente no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem da PUC-SP que é a existência do Seminário de Pesquisas. Durante vários
semestres (para não dizer alguns anos...) eu, meus orientandos, tanto da PUC-SP quando da
USP, orientandos de outros professores e alguns convidados, realizamos discussões sistemáticas
e aprofundadas das obras de Bakhtin e seu Círculo, procurando, a partir daí, definir o que seria o
glossário, que termos o integrariam, em que ordem apareceriam. Do grande grupo, alguns
participantes constam deste volume: Adail Sobral, Paulo Rogério Stella, Rosineide de Melo e
William Cereja.
Além desses Seminários de Pesquisa, também cursos e encontros científicos serviram para
ampliar as discussões, na medida em que mais pesquisadores foram sendo envolvidos. A
presença de importantes pesquisadores da obra do Círculo, caso de Carlos Alberto Faraco, Irene
Machado, Paulo Bezerra e Valdemir Miotello, deve-se justamente a esses encontros.
Com o passar do tempo, entretanto, a idéia de um glossário tradicional, constituído por verbetes,
foi descartada. Isso porque, por um lado, o mapa começava a alcançar a dimensão do espaço
mapeado: uma infinidade de termos, apontando uns para os outros, atraindo-se sem aceitar a
condição de identidade exclusiva. Haveria um verbete para signo ideológico, outro para palavra? E
para enunciado e enunciação: um ou dois verbetes? A simplificação por meio de textos curtos,
precisos, impondo aos termos o “estado de dicionário” acabou descaracterizada pela própria
natureza de um pensamento aberto, afastado das amarras dos manuais, como é o bakhtiniano.
Que fazer então com uma idéia tão boa, com tanta pesquisa organizada, com tantos ensaios
esboçados? A resposta é este livro: uma coletânea em que alguns termos essenciais à
compreensão da arquitetura bakhtiniana foram trabalhados, funcionando como uma amostra dos
pilares do edifício.
Assim, o que se organizou aqui foram ensaios, que embora apareçam numa suposta ordem
alfabética, dada pelos termos que funcionam como títulos, na verdade foram imaginados para
constituir uma espécie de primeira visão de conjunto, respondendo, de certa forma, às perguntas
que mais são feitas em relação às noções bakhtinianas.
Neste conjunto, como se verá, estão contempladas concepções que atravessam as obras do
Círculo e permitem compreender com maior propriedade, ou menor ingenuidade, alguns
posicionamentos essenciais diante da linguagem, da vida e dos sujeitos que aí se insinuam e se
constituem. Conceitos como ato, atividade, evento, autor, autoria, ética e estilo apontam para
alguns lugares teóricos ainda muito pouco estudados, mas que são imprescindíveis à
compreensão do todo. Outros, aparentemente simples por serem mais freqüentemente lembrados
e utilizados, como é o caso de polifonia, palavra, tema, significação e mesmo enunciação,
enunciado e gêneros discursivos ganham, de alguma forma, uma dimensão que visa a, ao mesmo
tempo, surpreendê-los em suas especificidades e projetá-los num mundo da verificação analítica e
interpretativa.
Também foram escolhidos termos altamente problemáticos, como é o caso de filosofias (e filosofia)
e ideologia. Sem um mergulho nessas águas profundas, diante das quais a maioria dos leitores
recua mesmo sabendo que aí reside um dos pilares mais fortes do pensamento bakhtiniano, essa
obra não teria sentido. Ao menos o sentido de poder iniciar leitores e, ainda e especialmente,
estimular o diálogo com conhecedores.
Bakhtin: conceitos-chave, pelas suas características de coletânea de verbetes que se libertaram de
amarras, se expandiram e possibilitam ver além do que o título anuncia, deve ganhar o mundo com
uma abertura para o diálogo que pode ser sintetizada na citação do trecho de Marxismo e filosofia
da linguagem que inicia esta introdução.
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