domingo, 11 de abril de 2010

A desfaçatez do Sindicato e as baratas tontas- Texto de Reinaldo de Melo (Greve)

A desfaçatez do sindicato e as baratas tontas

Confirmou-se a tese já tão óbvia de que se tratava de uma greve eleitoreira. No entanto, as próprias atitudes do sindicato colaboraram para um aprofundamento da visão do que seja a massa de manobra.

A greve saiu porque o sindicato assim o quis. A categoria já estava com o sangue nos olhos há tempos (esta greve era para ser deflagrada no mínimo em 2009) e em várias outras greves os anseios da base destoavam dos anseios da cúpula sindical, e esta sempre coloca seus anseios acima dos da categoria, aprovando-os. Qualquer imbecil que fez parte deste movimento sabe qual era o objetivo do sindicato: criar o fato político para o sangramento de José Serra. Estava deliberado o levantamento da bandeira Dilma 2010. Nada mais conveniente para o sindicato colocar uma massa revoltada nas ruas contra um pré-candidato à presidência da república intransigente. Em três semanas, dava para se fazer um script perfeito.

A segunda e a tercei ra assembleia incomodaram, e muito, o governo. Até âncoras de rádios pró-PSDB clamavam ao governador uma negociação, por conta dos votos que ele poderia perder. Estava dada a previsibilidade do imprevisível e alguns ingênuos acreditavam que um governo truculento desde o seu primeiro ano de mandato poderia descer do pedestal da intransigência para vir falar conosco, os esfarrapados.

Sinal verde para o sindicato criar o clímax do fato político greve: jogar a quarta assembleia para o buraco do Morumbi. Os mais experientes sabiam que seria o dia do confronto e, como todos sabem, a cúpula deixou os professores subirem ao encontro da tropa de choque. Sabendo-se que o ânimo da base estava acirrado, a cúpula jogou-a contra uma PM de um governador que, apesar dos apelos de seus comparsas midiáticos, permanecia insensibilizado.
Tiro de borracha, não tão dolorido quanto a dor de ser não-professor. Cassetete na cachola, para somar com as cacetadas que levamos no cotidiano escolar. Spray de pimenta, para lembrar que o vermelho nos olhos não era o sangue da revolta, mas a pimenta que, ao longo dos anos, é ininterruptamente engrazada em nossos olhos em forma de caoticidade econômica e profissional.

Pronto. Agora que se tinham as imagens para o horário eleitoral, era necessário o esvaziamento do movimento: assembleia dia 31/03/2010. Uma quarta-feira????? A justificativa era a de que o governo poderia dar como ponto facultativo o dia 1 de Abril. Seria uma bondade histórica. Mas acredito que a cúpula sindical não gostaria, como os militares fizeram, que a assembleia do esvaziamento ficasse lembrada como o dia da mentira. A história de novo como farsa e como piada pronta.

Assembleia esvaziada, teatrinho armado, pois o ofício divulgado dia 24 deixava clar a a intenção da greve. Colocar como imediata apenas a questão salarial explicitava que a greve não era uma greve pela educação, muito menos para retroceder, um pouquinho, o processo de sucateamento da categoria. Muitos professores desanimaram com a revelação de tal documento. Fora que já havia manifestações de representantes do sindicato de que a greve se demonstrava economicamente inviável. Inviável?

Chutando por baixo, a Apeoesp deve ter, hoje, uns 120 mil professores associados. Em 2006, este número ultrapassava os 150 mil. Façamos as contas: 120 mil multiplicado pelo valor da contribuição, R$ 26,00. Temos mais de 3 milhões de reais mensais, o que dá mais de 35 milhões de reais anuais. Sabendo-se que os pouco mais de 300 funcionários que a Apeoesp possui não ganham 10 mil reais por mês e que não são incessantes mobilizações em torno de grande parte de seus associados, como esta o foi, é oportuno perguntar para onde vão esses milhõ es de reais.
Marcada a assembleia para o dia 08/04/2010. Uma quinta-feira? Que sindicato ingênuo...
Seria a assembleia que poderia se configurar na radicalização do movimento. Passeata da Av. Paulista até a República com a ocupação desta até sermos recebido para a negociação. Porém, na quarta, o governo chama para a negociação, criando expectativas superficiais nos inexperientes e, para os calejados, a certeza do teatro armado para o fim da greve.
Com um número reduzido, a direção vai para decretar o fim da greve e consegue.

Ovos, socos, chutes, pauladas e bombas à parte (bombas jogadas por cupinchas do próprio sindicato, a fim de que a turma revoltada se dispersasse para os traidores descerem do caminhão sem o risco de levar uma tunda daquelas), há duas curiosidades neste fim de greve. A primeira é a de que o governo, que, nos ápices do movimento, não chamou nenhuma vez para negociar, chama a negociação, sabendo que o movi mento já tinha ido para as cucuias e que não havia mais abacaxi nenhum. A segunda curiosidade é que nessa última assembleia havia o mesmo número de professores que havia na primeira. O mesmo número de professores que votou pela greve não poderia agora votar pela continuidade, já que a negociação era pelo fim da greve para haver negociação, proposta sempre rechaçada em outras assembléias? Nem é pertinente comentar o estupro que se deu na decisão da assembleia anterior: de se ir até à Praça da República e ocupá-la até se obter uma contra proposta do governo.

A cena épica: o caminhão indo embora e os professores como baratas tontas, ainda a ocuparem a Av. Paulista, com o vazio existencial estampado nas faces. De chorar foi uma cena em que uma professora sentada na calçada soluçava e balbuciava palavras como "traição" e "de novo".
Para aqueles que acreditam em coincidências convém perguntar por que a greve acabou dias após a saída de José Serra do cargo de governador. Cabe também perguntar por que não seria mais conveniente a continuidade da greve diante de um "novo" governador cujas posturas diante de um movimento de massa poderiam ser diferentes do "antigo".

Constata-se que, mais uma vez, legitimou-se a direção traíra do sindicato dos professores. A categoria foi utilizada, sim. Não se pode concordar com os demagogos defensores da cabeça erguida diante de uma derrota tão brutal cujas conseqüências para a categoria ainda não foram analisadas. Escancarou ainda mais a porteira do massacre, está explícito que por mais que ocupemos os espaços públicos e midiáticos, o estado deixa claro que pode fazer o que quiser com os professores, dada a alienação e desunião da categoria combinada com os interesses eleitoreiros do sindicato.

São poucos os que defendem o PE (Partido da Educação), estes não tem condições de varar a mudança do processo de sucateamento, pois falta à base a formação necessária para romper com a dependência que tem do sindicato como ferramenta de mobilização. Já o sindicato, nas mãos de PT e PSTU, brinca conosco o jogo da conveniência e nesta época eleitoral aparecem os revolucionário de plantão dizendo que eis o momento para nos mobilizarmos e aqueles que permanecem em sala de aula são pelegos e covardes.

A verdadeira covardia vem daqueles que brincam com a vida das pessoas para que se prevaleçam os interesses partidários. Culpar apenas os professores que não aderiram é querer não ver além do que esse movimento representou. Não foi apenas o reprise de 2008, a desfaçatez do sindicato foi maior e a cegueira de grande parte dos que estavam no movimento também foi muito mais negra, o maniqueísmo foi moeda de troca, pois, ao escutar que os contrários ao fim da greve eram tucanos de bico vermelho, ficou evidente a polarização nefasta em que a sociedade brasileira se encontra. Polarização muito bem aproveitada pelo sindicato e muito bem encenada pelos atores que não sabem atuar, os professores.

De cabeça erguida, não volto. Defender isso é querer se enganar, é síndrome de Estolcomo para consigo mesmo. Meus sonhos foram seqüestrados e vendidos por um incerto resultado nas urnas eletrônicas. Volto para a sala de aula triste, ma is amargurado, sem esse papinho besta de falar para os alunos que eu sou lutador e que a culpa foi dos colegas que não pararam. Isso além de anti-ética, é burrice, revanchismo de quinta categoria e papel que um verdadeiro professor não deve fazer. Não sou melhor do que os que não pararam. Cabe a mim voltar e fazer com que os alunos conheçam e reflitam sobre o momento atual da classe trabalhadora, subtraída de todos os seus direitos. Desfazer esse clima de utopia em que parece viver a sociedade sobre o governo do PT, pois todos os movimentos sócias (das artes, dos trabalhadores, dos professores, até a luta do campo) foram cooptados por esse governo pseudo-esquerda, elogiado até pela UDR, a Klux-Klux-Klan brasileira.

Não se pode aceitar a tese de que fizemos História ao tirar votos de José Serra e o impedimos de ser presidente. Ué, agora e para isso os professores são ouvidos pela sociedade? Paradoxal, não?

Nossa luta não pode ser agendada de dois em dois anos, coincidindo com calendário eleitoral. Isso é pedir para sempre ser traído e colocar a questão educacional em terceiro plano. Nossa valorização como profissionais não depende deste ou daquele partido, mas do clamor da sociedade que, hoje, despreza a educação como ferramenta para sua emancipação. Constatamos que não dependemos apenas de nós, nossos anseios foram desprezados pelas elites econômicas, partidárias e sindicais.

Àqueles contrários à tese de massa de manobra pode-se dizer que há bondade nisso, mas mais uma vez está provada que os que não se deixam manobrar são turvados pela massa que não entende o que é ser atuante num movimento que se faz urgente. O cansaço da massa se deu de forma rápida, o sindicato se aproveitou disso e daqueles que ainda tinham forças foram arrancados os instrumentos e como baratas tontas, sob o efeito inseticida da desfaçatez, ficamo s. Que fiquem, então, as reticências para pensarmos na construção de novos instrumentos...

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